
Créditos de PIS/Cofins sobre despesas para adequação à LGPD
Lei Geral de Proteção de Dados prevê a aplicação de sanções em caso de descumprimento das obrigações, que podem consistir em multa

A legislação de regência do PIS/Cofins não cumulativo autoriza a apuração de créditos das contribuições sobre despesas com “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda” (inciso II do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003).
O direito à apropriação de créditos de PIS/Cofins sobre insumos gerou enorme debate judicial até que, em 2018, o STJ finalmente encerrou a disputa ao julgar o Recurso Especial nº 1.221.170/PR, sob o rito dos Recursos Repetitivos. Nessa oportunidade, a 1ª Seção do STJ fixou a tese segundo a qual “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.”
Especificamente no que se refere ao “critério da relevância”, que considera a “importância de determinado item” para a atividade econômica, o voto-vista da Ministra Regina Helena (em trecho transcrito para o voto condutor do acórdão) esclarece que “a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva […], seja por imposição legal”.

Com isso, nota-se que o conceito de “insumo”, conforme definido pelo STJ em sede de Recurso Repetitivo, engloba as despesas incorridas pelas empresas brasileiras “por imposição legal”. Isso leva à pertinência desse precedente do STJ quando se analisa as exigências impostas pela atual legislação brasileira de proteção de dados pessoais. É o que será demonstrado a seguir.
Em setembro de 2020, entrou em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD” – Lei nº 13.709/2018), que impôs às empresas brasileiras diversas obrigações relacionadas ao “tratamento de dados pessoais” de seus clientes, fornecedores e colaboradores.
A enorme abrangência dessas imposições decorre do conceito atribuído ao termo “tratamento” pela disciplina legal. De acordo com o inciso X do art. 5º da LGPD, “tratamento” consiste em “toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração”. Ou seja, qualquer operação envolvendo dados pessoais daqueles que de alguma forma se relacionam com a empresa (como clientes, fornecedores e colaboradores) estão submetidas à disciplina da LGPD.
Nesse sentido, os diversos capítulos da LGPD trazem disposições específicas sobre o referido tratamento de dados – contemplando, por exemplo, os requisitos para o tratamento (arts. 7º a 10), os direitos dos titulares dos dados (arts. 17 a 22) e a segurança e as boas práticas (arts. 46 a 51) – e sobre a fiscalização do cumprimento das regras ali impostas – contemplando, por exemplo, a aplicação de sanções em caso de descumprimento das obrigações, que podem consistir em multa “de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração”, nos termos do inciso II do art. 52 da LGPD.
A introdução das exigências previstas na LGPD levou à necessidade de adaptações por parte das empresas brasileiras, que vão desde a obrigação de obter o prévio consentimento do titular dos dados em relação ao tratamento que ocorrerá (art. 7º, I) até o término do tratamento dos dados (arts. 15 e 16). Naturalmente, tais adaptações implicam despesas muitas vezes significativas paras as empresas.
Pois bem, tendo em vista a disciplina legal do PIS/Cofins não cumulativo no que concerne ao direito de as empresas apropriarem créditos das contribuições sobre os gastos com os “insumos” utilizados em suas atividades, direito esse que compreende as despesas incorridas “por imposição legal”, consoante decisão proferida pelo STJ em sede de recurso repetitivo, pode-se concluir que os gastos das empresas brasileiras com as adaptações necessárias ao cumprimento das regras impostas pela LGPD conferem a essas empresas o direito ao creditamento de PIS/Cofins.
Tanto é assim que já existem decisões favoráveis aos contribuintes em sede judicial, como se pode ver exemplificativamente na ementa transcrita abaixo (Mandado de Segurança nº 5003440-04.2021.4.03.6000):
“TRATANDO-SE DE INVESTIMENTOS OBRIGATÓRIOS, INCLUSIVE SOB PENA DE APLICAÇÃO DE SANÇÕES AO INFRATOR DAS NORMAS DA REFERIDA [LGPD], ESTIMO QUE OS CUSTOS CORRESPONDENTES DEVEM SER ENQUADRADOS COMO INSUMOS, NOS TERMOS DO PROCEDENTE ACIMA CITADO. COM EFEITO, O TRATAMENTO DOS DADOS PESSOAIS NÃO FICA A CRITÉRIO DO COMERCIANTE, DEVENDO ENTÃO OS CUSTOS RESPECTIVOS SEREM REPUTADOS COMO NECESSÁRIOS, IMPRESCINDÍVEIS AO ALCANCE DOS OBJETIVOS COMERCIAIS.
DIANTE DO EXPOSTO, CONCEDO A SEGURANÇA PARA:
1) — DETERMINAR QUE A AUTORIDADE COATORA CONSIDERE COMO INSUMOS AS DESPESAS COMPROVADAS PELA IMPETRANTE COM O CUMPRIMENTO DAS NORMAS DA [LGPD.]”
Portanto, entendemos que quando determinada empresa brasileira sujeita ao regime não cumulativo das contribuições incorrer em despesas para fins de adaptação de suas práticas às exigências provenientes da LGPD, tal empresa poderá apropriar créditos de PIS/Cofins calculados sobre os referidos gastos de adaptação à LGPD. Além disso, caso tenham sido incorridas despesas de adaptação à LGPD nos últimos anos que não tenham sido consideradas pela empresa para fins de cômputo dos créditos das contribuições, acreditamos que assiste a tal empresa o direito de recuperar os respectivos créditos.
Afinal, tendo o STJ decidido em sede de recursos repetitivos que as despesas incorridas por imposição legal geram direito a crédito de PIS/Cofins, a nosso ver tal direito a crédito certamente abarca as despesas incorridas pelas empresas com as adaptações necessárias ao cumprimento das imposições provenientes da LGPD.
*Luiz Gustavo Bichara é sócio-fundador do Bichara Advogados e Procurador Especial Tributário do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Thiago Marques é advogado e sócio na área tributária do escritório Bichara Advogados.
*A opinião dos autores não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.