Tema de relevância e que tem despertado interesse ultimamente junto aos operadores de shopping centers é o relacionado à presença de crianças e adolescentes desacompanhados de responsáveis nos empreendimentos. Para situar o leitor, criança é a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e Adolescente – “ECA”).
Os shoppings, como todas as demais propriedades de uso comercial, devem garantir o livre acesso a todos, dentro dos limites da lei. Crianças e adolescentes têm garantida a liberdade de ir e vir, o direito ao lazer e à liberdade de reunião pacífica e em público (cf. CF e ECA). Por outro lado, é dever de toda a Sociedade colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão (CF, art. 227). É preciso sopesar referidos direitos e obrigações e, com razoabilidade e sensibilidade, intervir, se necessário for, em situações nas quais se constate o estado de vulnerabilidade desses jovens, ou situação de risco.
Vejam-se duas situações análogas, mas que levariam a diferentes avaliações críticas por parte da operação de um shopping: (i) um grupo de crianças de 7 anos andando sozinhas em um shopping não parece, em uma primeira vista, ser razoável; seria preciso avaliar mais de perto, verificar se há um responsável no controle da situação; já, por outro lado, (ii) a reunião de um grupo de adolescentes de 13 anos dentro de um shopping não causaria estranheza.
Outros exemplos: adolescentes subindo correndo pelas escadas rolante em sentido contrário ao fluxo, se sujeitando a acidentes e expondo os demais frequentadores do shopping a esse mesmo risco; crianças abordando clientes ou lojistas para pedir dinheiro, denotando estado de vulnerabilidade, com provável exploração por parte de um adulto. Nessas duas situações, a nosso ver, a atuação do shopping se mostraria razoável, e até mesmo necessária, dentro do espírito de se garantir a proteção Integral dos jovens.
A forma de atuação é importante e deve se adequar a cada caso específico. Muitas vezes será preciso realizar uma abordagem imediata, para tirar uma criança da situação de risco (caso das escadas rolantes). Em outras situações, quando houver, por exemplo, indícios de que outras questões sociais graves que se correlacionam com o evento (caso da exploração infantil), o shopping deverá trabalhar em cooperação com outros órgãos e agentes públicos, informando e cobrando providências dentro de suas competências.
Com relação ao trabalho em cooperação acima referido, é imprescindível que os shoppings tenham a noção de que fazem parte da chamada “Rede de Proteção”, ou seja, de um conjunto de instituições governamentais e não governamentais que devem se articular para garantir apoio e resguardar os direitos de crianças e adolescentes. Integram a Rede de Proteção, entre outros, Secretarias Estatuais e Municipais dedicadas à causa, o Conselho Tutelar, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Vara de Infância e Juventude, além das diversas entidades da Sociedade Civil que lidam com os jovens, como é o caso de shoppings, escolas etc.
O shopping precisa estar preparado para atender as crianças e adolescentes, e isso passa por identificar quais são os órgãos integrantes de sua Rede de Proteção (ou seja, com competência e atuação em seu território), saber de suas competências, entender sua estrutura, e quem são os responsáveis. Mais do que isso, deve articular com esses órgãos, mantendo um constante fluxo de informações sobre a situação das crianças e adolescentes no empreendimento, reunindo-se com os agentes públicos, se necessário, para debater situações de complexidade e criar protocolos de abordagem, se for o caso.
As boas práticas também incluem a manutenção de registro (escrito ou visual) das abordagens e ocorrências envolvendo as crianças e adolescentes no estabelecimento, bem como das providências adotadas, especialmente contatos (mesmo que telefônicos) e repasse de informações aos demais órgãos da Rede de Proteção. Caso algum órgão não esteja cumprindo seu papel (o não atendimento de uma chamada, por exemplo), isso também deverá ser denunciado pelo shopping, pois todos os integrantes da Rede de Proteção devem zelar para que seu funcionamento seja eficaz e resolutivo.
Em resumo, ao lidar com crianças e adolescentes, o shopping deve se lembrar de que não precisa estar sozinho em suas decisões. Pode – e deve – contar com o apoio da Rede de Proteção no enfrentamento dos diversos eventos que se apresentem no dia a dia do empreendimento.
Sérgio Vieira
Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Cândido Mendes. Conferencista. Sócio do Escritório Lobo & Lira Advogados. Professor Convidado do Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER/São Paulo). Palestrante da Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) e do Instituto Panthéon Jurídico. Membro da Comissão de Shopping Centers do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM.
José Ricardo Pereira Lira
Formado em Direito pela PUC-RJ, é advogado há mais de 30 anos. Exerce a profissão como sócio do escritório de advocacia Lobo & Lira, fruto da reestruturação de Lobo & Ibeas, onde ingressou em 1986, tendo o Escritório sido fundado em 1974. Sua atuação é centrada na advocacia consultiva, na estruturação de negócios e formulação de contratos empresariais, assim como em contencioso judicial, administrativo e arbitral. No plano institucional, integra o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio de Janeiro, desde 2007, participando, no Órgão, da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Direito Imobiliário – CDUDI (presidente) e da Comissão de Direito Ambiental – CDA (membro).
É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM, onde atua, respectivamente, como presidente da Comissão de Direito Urbanístico – CDU e da Comissão de Inovação e Tecnologia.
*A opinião dos autores não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.