E se a Reforma Trabalhista fosse revogada?
No início de janeiro de 2022, a imprensa noticiou que o ex-Presidente Lula, por meio de suas mídias sociais, teria manifestado a intenção de “revogar a reforma trabalhista”. O pré-candidato teria feito referência aos movimentos que estariam ocorrendo na Espanha, onde sindicatos e empresários vêm rediscutindo as alterações trabalhistas adotadas naquele país há mais de 10 anos.
Poucos dias após, o noticiário mais uma vez trouxe o assunto à tona. Desta vez, as publicações davam conta que Lula teria reduzido o tom e que a intenção, na verdade, seria “revisar e não revogar” a Reforma Trabalhista.
A revisão proposta não iria, por exemplo, restabelecer as contribuições sindicais obrigatórias ou proibir o trabalho intermitente.
O assunto rendeu debates e repercutiu bastante, especialmente porque nas pesquisas eleitorais mais recentes, Lula seria o favorito na corrida presidencial.
Parece-nos, porém, difícil acreditar que a revogação da Reforma Trabalhista poderia ser feita com uma só canetada, ou que a aprovação de uma nova norma pelo Congresso Nacional, revogando a Lei nº 13.467/17, seria capaz de desfazer rapidamente as modificações ocorridas nas relações de trabalho nos últimos anos.
As coisas não são tão simples assim. A Lei é um marco. Contudo, antes já era possível observar movimentos políticos e jurídicos que podem ter dado sustentação e fortaleceram a criação de um clima favorável para a reforma.
No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, algumas decisões proferidas pelo STF entre os anos de 2014 a 2016, já apontavam um novo rumo da jurisprudência. Veja, a propósito:
(1) a suspensão da aplicação da Súmula nº 277 do TST pelo Min. Gilmar Mendes, cujo verbete engessava as negociações coletivas e, na prática, tornavam perpétuas as condições de trabalho estabelecidas por tempo determinado;
(2) a liminar proferida pelo Min. Dias Toffoli, que suspendeu os efeitos da decisão do TST que, em substituição à TR, determinava a aplicação do IPCA-e como índice de correção dos créditos trabalhistas e implicava na majoração inesperada de até 30% do passivo das empresas, ou ainda;
(3) o reconhecimento da repercussão geral pelo Plenário Virtual e o consequente sobrestamento de todos os processos nos quais se discutia os critérios de validade da terceirização, cujo tema era, até então, regulamentado exclusivamente pelo TST, por meio da Súmula nº 331, cuja aplicação resultava em múltiplas conclusões, pois nunca se chegava num consenso se determinado serviço contratado tinha natureza de atividade-fim ou de atividade-meio.
Além disso, não se pode perder na memória que o Brasil vivenciava dramática situação econômica, com altos índices de endividamento e desemprego galopante, cujos “ingredientes”, antes utilizados na “receita” do impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, foram reaproveitados para aprovação das mudanças legislativas, as quais, conjuntamente, podem ser sintetizadas como “Reforma Trabalhista”.
Hoje, a Reforma Trabalhista é um fenômeno aceito em boa parte da sociedade e cuja constitucionalidade vem sendo testada e confirmada pelo STF. É difícil, portanto, acreditar no discurso de revogação.
Imaginemos, porém, que um novo movimento político e jurídico se estabeleça, supere os obstáculos acima apontados e imponha o retorno forçado ao tempo anterior à reforma. As consequências, sem dúvidas, seriam preocupantes para o setor de Shopping Centers.
De imediato, seriam retomadas aquelas discussões cansativas acerca da terceirização: o que pode? o que não pode? quando pode? quem define o que pode? No meio jurídico, ninguém teria uma resposta segura, porque argumentos haveria de lado a lado.
Além disso, toda a evolução obtida com a estipulação de contratos de trabalho intermitente – que merece aprimoramento, é verdade – cairia por terra e retomaríamos o tempo do debate sobre a existência ou não de vínculo empregatício, com as perguntas hoje já superadas: Quantas vezes pode o trabalhador atuar por mês? E por semana? Esse tempo é suficiente para reconhecer continuidade na prestação de serviços?
No tocante ao funcionamento aos domingos e feriados, seria simplesmente abandonada a possibilidade de compensação do dia trabalhado e retomadas as práticas burocráticas do passado que atraíam risco de autuação pela Fiscalização do Trabalho, além de ações individuais e coletivas.
Por fim, os acordos e as convenções coletivas perderiam a preponderância em relação à lei e tudo aquilo que foi objeto de ampla negociação entre os sindicatos de trabalhadores e entidades de empregadores estaria sujeito à interpretação enviesada do Ministério Público do Trabalho que, não raro insistindo na aplicação de teses amparadas em princípios de aplicação genérica e abstrata, judicializava a questão, impondo a intervenção do Estado nas relações sindicais.
Disso tudo se vê que a revogação do conjunto de normas que consubstanciam a Reforma Trabalhista traria enorme insegurança jurídica ao setor. Muito embora entendamos como de difícil implementação, esta é uma hipótese que não pode ser simplesmente desprezada, o que impõe à toda a indústria de Shopping Center um olhar vigilante aos movimentos que poderiam dar suporte à primeira fala do ex-Presidente.
Gustavo Jonasson de C. Medeiros é advogado, sócio da área trabalhista de Iokoi Advogados, Especialista em Direito Sindical Empresarial pela FGV-SP e Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP.
*A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.
Lula fala em revogar reforma trabalhista; lei não gerou empregos prometidos. Portal UOL. Publicado em 05/01/2022. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2022/01/05/lula-revogar-reforma-trabalhista.htm> Acesso em 26/02/2022.
2 IRAJÁ, Vitor. Lula não quer revogar a reforma trabalhista por inteiro.
Revista Veja On-Line. Coluna Radar Econômico. Publicado em 12/01/2022. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/lula-nao-quer-revogar-a-reforma-trabalhista-por-inteiro/>. Acesso em 26/02/2022.
3 GALVANI, Juliana. Pesquisa Ipespe: Lula tem 43% e Bolsonaro, 26%; Moro, 8% e Ciro, 7%. Portal CNN. São Paulo. Publicado em 25/02/2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pesquisa-ipespe-lula-tem-43-e-bolsonaro-26-moro-8-e-ciro-7/>. Acesso em 26/02/2022.
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 323/DF. Liminar deferida em 14/10/2016. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4599102>. Acesso em 26/02/2022.
5 _______. _______________________. RCL nº 22012. Liminar deferida em 14/10/2015. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4855412>. Acesso em 26/02/2022.
6 _______. ________________________. ARE nº 713.211. Decisão pela existência de repercussão geral publicada em 16/05/2014. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4304602> Acesso em 26/02/2022.
7 CURY, Anay. RODRIGUES, Matheus. Inflação Oficial fica em 10,67%, a maior desde 2002. Portal G1. Publicado em 08/01//2016. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/inflacao-oficial-fica-em-1067-em-2015.html> Acesso em 27/02/2022.
8 OLIVEIRA, Nielmar de. Endividamento das famílias cresce e atinge 58,2%. Agência Brasil. Publicado em 28/09/2016. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-09/endividamento-das-familias-cresce-e-atinge-582>. Acesso em 27/02/2022.
9 Por Reuters. Brasil fecha 2016 com recorde de 12,3 milhões de desempregados. Revista Exame. Publicado em 31/01/2017. Disponível em: <https://exame.com/economia/brasil-tem-desemprego-de-120-no-tri-ate-dezembro-diz-ibge/>. Acesso em 27/02/2022.