JAN/FEV 2024 - Edição 251 Ano 37 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Livre iniciativa para os shopping centers

8 de fevereiro de 2024 | por Saul Tourinho Leal
Saul Tourinho Leal, advogado e pós-doutor em Direito Constitucional (Humboldt). Assessorou a Corte Constitucional da África do Sul e a vice-presidência da Suprema Corte de Israel

Em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal apreciou o RE nº 833.291, de relatoria do ministro Dias Toffoli, interposto pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), quanto ao Tema 1.051: “Obrigatoriedade, por lei municipal, de implantação de ambulatório médico ou unidade de pronto-socorro em shopping centers”.

O recurso combatia decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou improcedente a alegação de que seriam inconstitucionais as Leis nº 10.947/91 e 11.649/94, e o Decreto nº 29.728/91, do município de São Paulo, que, como dito, obrigavam os shopping centers a implantarem ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro, equipado para o atendimento de emergência, com, pelo menos, um médico e uma ambulância, além de outras exigências.

Para o ministro Dias Toffoli, relator do caso no STF, o legislador municipal havia invadido “indevidamente o espaço da liberdade de iniciativa”, pois “as imposições contidas nas leis impugnadas afrontam, desproporcionalmente, a liberdade econômica, consistindo em inadequada e impertinente intervenção estatal”.

Segundo o Ministro, “em que pese a necessidade da intervenção estatal no âmbito econômico se orientar na direção de valores sociais, tal atuação não pode ser desproporcional.”

Tais obrigações transbordariam “os limites de intervenção estatal na atividade econômica desenvolvida por esses estabelecimentos, seja pela ausência de correlação com a prestação de serviços oferecida, seja pela imposição de altos custos na implantação e na manutenção do espaço, incluindo gastos com contratação, afora o custo de oportunidade de utilização do espaço”.

O ministro Dias Toffoli pontuou ainda que “não obstante o valor tutelado pelas normas impugnadas, entendo que elas impõem demasiado ônus aos empresários do ramo, configurando intervenção estatal desarrazoada em clara afronta aos princípios da livre iniciativa, da razoabilidade e da proporcionalidade”. Observou, por fim, haver, no processo, informação da Abrasce no sentido de que a “prestação de primeiros socorros já acontece, de um modo geral, nos Shopping Centers a ela filiados”.

O ministro Dias Toffoli votou para prover o recurso, por haver identificado, nas normas municipais, vícios formais (leis municipais legislando sobre Direito do Trabalho e Direito Comercial) e materiais (livre iniciativa e proporcionalidade), tendo sugerido a seguinte tese para o Tema 1.051: “É inconstitucional lei municipal que estabelece a obrigação da implantação, nos shopping centers, de ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro equipado para o atendimento de emergência.”

Divergindo, o ministro Edson Fachin anotou em seu voto que o processo trazia matéria inserida no âmbito de competência concorrente (art. 24, V e VIII da Constituição Federal) e de interesse local (art. 30, I da Constituição Federal). Isso porque, em se tratando de legislação regulamentadora de relações de consumo, cuida, ela, “de norma concretizadora da proteção ao consumidor-cliente desse tipo de estabelecimento, que recebe anualmente milhões de cidadãos em suas dependências”.

Sua Excelência também não enxergou “excesso na legislação que justifique apontar violação ao princípio da livre iniciativa, uma vez que as normas passam longe de significar alguma espécie de dirigismo estatal, mas apenas buscam proteger o consumidor, e atribuem a obrigação àquele que aufere os lucros do negócio comercial.”

Ao final, o ministro Edson Fachin negou provimento ao recurso, afastando os questionamentos sobre a constitucionalidade das normas municipais, propondo a seguinte tese: “É constitucional lei municipal que estabelece a obrigação da implantação, nos shopping centers, de ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro equipado para o atendimento de emergência”.

O resultado, contudo, foi favorável aos shoppings. Por 6 a 4, o STF deu provimento ao recurso da Abrasce para declarar a inconstitucionalidade das Leis do município de São Paulo nº 10.947/91 e nº 11.649/94, bem como do Decreto Municipal nº 29.728/91, nos termos do voto do ministro Dias Toffoli, que foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, André Mendonça, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. O ministro Edson Fachin, que divergiu, foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, tendo, essa corrente, ficado vencida.

Em suma, o STF declarou as leis municipais formal e materialmente inconstitucionais, compreendendo que os shopping centers não são hospitais, tampouco o espaço privado pode ser confundido com o ambiente estatal. As normas municipais tentaram substituir o Estado pelo particular e, ao fazê-lo, violaram a Constituição Federal.

A opinião dos autores não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.

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