Mercado e legislação exigem atenção para agenda ESG
Cresce a adoção de políticas públicas afirmativas da igualdade civil-moral de camadas sociais historicamente desfavorecidas, entre elas, a comunidade LGBTQIA+
Passados 33 anos de promulgação da nossa Constituição da República, colhemos os frutos de uma norma marcada pelo “constitucionalismo fraternal”, voltado a assegurar o pleno exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, do bem-estar, da igualdade e da justiça como valores de uma sociedade pautada na fraternidade, na igualdade, no pluralismo e despida de preconceitos. Norma maior que elevou o princípio da dignidade da pessoa humana à posição de fundamento da República Federativa do Brasil e a vedação ao preconceito como um dos seus objetivos.
Em paralelo, não podemos esquecer da cláusula geral de abertura prevista no art. 5º, parágrafo segundo da Carta Constitucional que inclui entre os direitos e garantias fundamentais as obrigações que o Brasil se vinculou na esfera internacional, haja vista o disposto no Pacto de São José da Costa Rica e nos Princípios de Yogyakarta voltados aos direitos humanos e às questões de orientação sexual e identidade de gênero.
Assim, tem sido crescente a adoção de políticas públicas afirmativas da igualdade civil-moral de camadas sociais historicamente desfavorecidas, nas quais se incluem a comunidade LGBTQIA+. Políticas como aquelas que permitem o uso do nome social nas escolas, nos documentos de identificação, nos serviços judiciários, no título de eleitor ou outras que asseguram aos travestis e transsexuais o uso de banheiros públicos de acordo com o gênero com o qual se identificam.
São inúmeras as decisões judiciais que garantem os direitos das minorias. Em decisões emblemáticas, o Supremo Tribunal Federal reconheceu aos transgêneros o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil (ADI 4275), decidiu enquadrar as práticas homotransfóbicas como crime de racismo social (ADO 26/DF) e reconheceu a união homoafetiva como família (ADI 4.277/DF).
Esse cenário político social fez com que as empresas olhassem para as questões relacionadas à vedação ao preconceito de forma mais atenta. Surgiram as regras de compliance e as metas da agenda ESG (ambiental, social e governança), que se tornaram uma das principais preocupações da gestão corporativa.
No “S”, do ESG, estão concentradas as questões sociais atualmente discutidas e que geram impacto dentro das instituições, sendo uma delas a temática relacionada à comunidade LGBTQIA+.
Apesar de vivermos em um país diverso, regido por uma constituição fundada no pluralismo e na dignidade da pessoa humana, diariamente, nos deparamos com condutas frontalmente contrárias a tudo o que está previsto no nosso sistema jurídico. Por quê?
Trata-se de um traço da nossa cultura patriarcal, heteronormativa e machista, cujo pensamento está pautado em um preconceito dissociado da realidade constitucional, mas que permeia a mente de parte da população que ainda resiste às mudanças trazidas pela nossa carta maior. Sendo assim, a transformação cultural dentro das empresas requer investimento em regras de compliance e em metas ESG.
Nesse cenário, o jurídico tem um papel fundamental na construção de regras inclusivas, não só para a equipe interna, mas para os parceiros externos, na conscientização das equipes e na prevenção de litígios que possam surgir em razão de práticas discriminatórias, colaborando para difundir dentro dos empreendimentos uma cultura de diversidade e igualdade.
É preciso viver no constante exercício da alteridade e da empatia, norteadas pela solidariedade que constitui um dos princípios fundamentais da nossa República. Não há outro caminho a seguir senão educar, conscientizar e incluir.
*Cristina Lemos é advogada desde 1989 com vasta experiência em assessoria jurídica para empresas. É sócia no escritório DDA LLG Advogados, criadora do Projeto Diversa e palestrante sobre temas relacionados à diversidade.
*A opinião da autora não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.