MAI/JUN 2024 - Edição 253 Ano 37 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Riscos digitais no âmbito das relações locatícias em shopping centers

28 de junho de 2024 | por Antonio Augusto Saldanha

As relações locatícias em shopping centers são regidas, em regra, por um complexo conjunto de instrumentos jurídicos composto, na maioria das vezes, por um tripé formado pelo contrato de locação, pelas normas gerais e por um regimento interno do empreendimento, estes dois últimos partes integrantes do contrato de locação. A finalidade do referido instrumental jurídico é disciplinar, da forma mais completa possível, as regras de cessão e utilização dos espaços comerciais.

Os contratos de locação em shoppings, materializados por assinatura física ou eletrônica, contam, normalmente, com o reconhecimento de firmas ou a autenticação dos certificados digitais necessários à validação das assinaturas eletrônicas, de modo a atribuir-lhes maior segurança jurídica.

Contudo, a formalidade de que se reveste o ajuste locatício, e a sua inquestionável força vinculante, podem, em determinadas circunstâncias, sofrer importantes impactos, com potenciais consequências para as partes, mesmo sem a assinatura de um aditamento ou acordo formal que modifique, expressamente, as condições estabelecidas no contrato de locação, caso determinadas cautelas não sejam adotadas.

De fato, com o avanço da tecnologia, conversas informais mantidas em aplicativos de mensagens, sejam elas escritas, por meio de áudios ou mesmo vídeos, assim como postagens em plataformas digitais e até mesmo a utilização de comunicação não verbal, como o tradicional emoji da mão com o polegar para cima, em sinal de concordância, podem, em tese, a depender do contexto, servir como prova de criação ou alteração de direitos e obrigações previstos no pacto locatício. Afinal, em termos extremamente simples, um contrato, ou um aditamento, pode ser resumido à seguinte operação: proposta + aceitação.

Atualmente, é comum que locatários de lojas em shopping centers mantenham, privadamente, na fase pré-contratual ou no curso do contrato, comunicação com diferentes profissionais do empreendimento, principalmente das áreas financeira e comercial, por meio de aplicativos de mensagens e plataformas digitais pessoais, que acabam por servir como canais para a negociação de parcelamentos, descontos, prazos, cessões e outras solicitações pertinentes à relação jurídica das partes.

Tais comunicações, realizadas muitas vezes de modo informal, fora do ambiente corporativo, acabam só vindo à tona quando são apresentadas pelo locatário nos autos de um processo judicial, quase sempre com a finalidade de ver reconhecido algum direito não previsto no contrato de locação e “negociado” diretamente com algum colaborador do shopping.

A prática em foco merece atenção, pois os Tribunais têm atribuído cada vez mais relevância e credibilidade às mensagens, escritas ou verbais, trocadas através de plataformas digitais, para a comprovação de negócios jurídicos, como se infere dos exemplos de julgados abaixo:

Antonio Augusto Saldanha, advogado especializado em shopping centers e sócio-fundador de Novotny Advogados.
“Na comprovação dos negócios verbais, atualmente as ferramentas eletrônicas, como WhatsApp, áudio, e-mail, têm sido amplamente recepcionadas como meio de provas.” 
Existência, outrossim, de acordo travado entre as partes, que embora não formalizado em termo próprio, restou bem comprovados em “e-mails” e mensagens por aplicativo trocadas entre as partes, tendo inclusive gerado a emissão de boletos específicos para pagamento. Embargos do devedor acolhidos, com extinção da execução.” 
“Mensagens trocadas via aplicativo Whatsapp qualificam-se como instrumento extremamente hábil e contemporâneo para o fechamento de negociações civis e, nessa perspectiva, a interpretação do negócio jurídico deve atribuir o alcance que for confirmado pelo comportamento dos contratantes.”

Naturalmente, embora as ferramentas eletrônicas representem, atualmente, a forma mais difundida de comunicação, competirá ao julgador, diante do caso concreto, valorar os efeitos das respectivas mensagens em relação ao contrato, conjugando-os com outros elementos que confirmem a verdadeira intenção das partes e o preenchimento dos requisitos legais e contratuais para validação, ou não, do ajuste. Nesse sentido, deverá ser levado em consideração, por exemplo, se o autor de uma mensagem tem poderes de representação do locador, ou se a mensagem abrange todas as condições relevantes do negócio, a ponto de representar uma anuência completa e suficiente à formação ou modificação de um contrato.

Nesse panorama, em que a comunicação digital (escrita, verbal e até através e emojis) vem tendo um crescente reconhecimento pelo Judiciário como fonte geradora de direitos e obrigações, é fundamental que os gestores de shoppings invistam em treinamento e capacitação das suas equipes, revendo ou instituindo as suas rotinas internas de comunicação, assim como cláusulas específicas constantes dos instrumentos que regem a relação locatícia, de modo a adequá-las à realidade atual, afastando eventual alegação, pelo locatário, de criação de direitos e obrigações fora dos canais próprios.

*A opinião dos autores não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.

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