JUL/AGO 2020 - Edição 230 Ano 33 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Shopping Center, multa pela rescisão antecipada das locações por prazo determinado e o artigo 478 do CC

20 de agosto de 2020 | por *José Maurício Freitas Czubinski | Imagem: Divulgação

A situação decorrente da Covid-19 deflagrou-se no País, com maiores efeitos práticos, aproximadamente na metade do mês de março/20. As medidas restritivas impostas pelo poder público visando à diminuição da circulação de pessoas, assim como suas consequências, ainda estão presentes em nossa rotina (em diferentes graus/níveis) e assim seguirão por considerável tempo, inclusive para após a descoberta da tão aguardada vacina.

Apenas como exemplo, aqui na cidade de Porto Alegre/RS, a partir de março/20, foram publicados decretos públicos restringindo a circulação da população de diferentes maneiras, sendo o fechamento de estabelecimentos comerciais a principal das formas adotada. Ato contínuo, sobrevieram medidas ainda mais restritivas, sucedidas por um breve período de abertura “com restrições”. Mas os números (negativos) do vírus seguiram aumentando; o tal do pico não se concretizou.

No que se refere à atividade econômica e setor dos shopping centers (estendendo-se aos demais setores), inegavelmente transpassamos momento em que todos os envolvidos estão sofrendo consideráveis prejuízos: (i) os lojistas, pela queda de faturamento, impossibilidade de abertura das lojas (ou, quando possível, com uma série de restrições), população acuada e receosa em consumir e adquirir bens/serviços, dentre outros; (ii) os prestadores de serviços (limpeza, segurança, marketing), também pela diminuição de demanda; (iii) o poder público, com redução no recebimento de impostos.

José Maurício Freitas Czubinski é advogado e sócio do escritório Smith & Advogados Associados S/S

Percebe-se postura ativa dos empreendedores/locadores na busca de medidas com a finalidade de atenuar os efeitos dos impactos e restrições ao comércio, seja com isenção ou redução na cobrança dos aluguéis e contribuições de marketing (fundo de promoção), na redução das despesas dos shoppings, com reflexo de diminuição no valor de rateio de encargos comuns, avaliando contrato a contrato. Por isso que, inegavelmente, também o próprio empreendedor/locador sofre com as consequências da situação, principalmente pelo não recebimento de aluguéis (mínimo ou percentual) e inadimplência, dentre outros.

Portanto, no setor de shopping, os prejuízos afetam todos os envolvidos. Nenhuma das partes está auferindo “extrema vantagem”; em verdade, sequer “mínima” ou “pouca” vantagem há. No entanto, existe também a busca pela devolução das lojas locadas nos shoppings e consequente rescisão dos contratos de locação, que, em muitos casos, soma-se o pedido de não exigência/isenção da cobrança da multa pela rescisão antecipada do contrato e, como fundamento legal, apõe-se principalmente o artigo 478¹ do CC.

Ocorre que, a rigor, o artigo 478 não se aplica à situação acima, pois não se encontra preenchido todo seu suporte fático: ainda que, por argumento, a prestação do locatário tenha se tornado excessivamente onerosa, não há “extrema vantagem” para o shopping/locador, muito antes pelo contrário.

Nesse sentido, em situação com consideráveis semelhanças a atual, entendeu-se que a conjuntura econômica nacional, situação completamente alheia à relação contratual das partes, não se enquadra no que dispõe o art. 478 do Código Civil, nem é o caso de fortuito ou força maior. Trata-se de circunstância que afeta, igualmente, a todos os cidadãos (logo, a parte contrária também), que, a se aceitar a tese do réu, simplesmente deixariam de cumprir suas obrigações. Crises econômicas acontecem periodicamente e, evidentemente, não são causa de resolução de contratos sem pagamento da respectiva multa, dada a sua absoluta previsibilidade²”.

Em sendo o tema relativamente recente, são poucas as decisões analisando o assunto por decorrência direta dos efeitos da Covid-19. Há julgados analisando tutelas de urgência para fins de somente afastar, momentaneamente, a exigência da multa. Ademais, e ainda que se aplique o artigo de forma menos rigorosa, o que se admite por argumento, há sempre que se verificar cada caso em concreto e averiguar se a intenção de término da locação necessariamente possui relação com a situação atual (decorrente da Covid-19) ou se o locatário, em verdade, já enfrentava, de antes, dificuldades financeiras e está aproveitando o momento para devolver a loja sem pagar a multa. Isso porque não são poucos os casos em que se pugnou pela rescisão do contrato por prazo determinado, com isenção do pagamento da multa, com apenas dias/semanas de fechamento dos shoppings por decorrência de decretos públicos!

Por isso que, com mais razão, entendemos que o artigo 478 do CC não se aplica à situação aqui abordada. E, ademais, a resolução tratada no artigo 478 do CC poderia ser evitada na hipótese do artigo 479 do CC.

Assim que, ao menos nesse momento e considerando o contexto apresentado, entendemos que, sob o fundamento do artigo 478 do CC (“Da resolução por Onerosidade Excessiva”), não há amparo à pretensão de não exigência/isenção da cobrança da multa pela rescisão antecipada do contrato de locação por prazo determinado. Salvo melhor juízo, o artigo não encontraria espaço para aplicação. Não obstante, lembrem-se sempre do mantra do momento: dialogar; negociar!

  1. Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
  2. “Locação. Ação de Cobrança de Multa Rescisória. Antecipado julgamento em concreto autorizado. Devolução do imóvel debitada a dificuldades econômicas. Fato que não dispensava o locatário do pagamento da multa contratual. Obras executadas pelo ocupante que nos termos do contrato não impunham ao locador o dever de indenizar. Recurso improvido”. (Apelação n° 1005574.22.2016.8.26.0100, julgado em 09/11/2017, 36° Câmara de Direito Privado TJSP, Desembargador Relator Dr. Arantes Theodoro) – grifou-se.

*A opinião do autor do artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce

  • GOSTOU? COMPARTILHE: