
A incomparável experiência da compra física
Entenda por que o consumo direto no ponto de venda é o favorito dos clientes
A quebra de barreiras entre o on e off-line foi intensificada pela pandemia.
Resilientes e inovadores, o varejo e o setor de shopping center aceleraram as transformações para poder atender o consumidor de diferentes formas. Mas, mesmo com o salto de cerca de 50% no e-commerce, as vendas físicas ainda representam mais de 90% do total do comércio.
O que diferencia essas duas experiências? Por que o cliente prefere ir até uma loja e escolher uma roupa do que comprar com um clique? Ou o que atrai o espectador até uma sala de cinema ao invés de assistir a um filme no sofá de casa?
Com 601 shoppings pelo país, essa experiência da compra física se torna ainda mais especial. São 110 mil lojas à disposição dos clientes, além de todo o lazer e o entretenimento, que fazem com que o brasileiro tenha prazer ao frequentar esses espaços. Prova disso é que muitas pessoas sentiram falta desses momentos vividos dentro do mall, como mostrou a pesquisa da Abrasce no ano passado.

É o caso da paisagista Cynthia Vilela Cataldi e seu filho Matteo, de 11 anos. Os dois frequentavam o cinema do Bourbon Shopping, em São Paulo (SP), toda quarta-feira. Um hábito adquirido desde quando ele era bebê, que se tornou um momento único de conexão entre mãe e filho. Após a saída do colégio, o destino era certo: assistir a algum lançamento da semana. Antes do filme, jantavam em algum restaurante ou pegavam um lanche em uma rede de fast-food. Depois do filme, o passeio ainda incluía uma passada na livraria, em alguma loja e, por último, o supermercado. “É algo que temos sentido muita falta. A experiência do cinema é totalmente diferente desde o som, o tamanho da tela e até a pipoca. Você vai lá para se envolver com a história do filme. Assino vários canais de streaming, mas não é a mesma coisa. O telefone toca, tem que parar para fazer pipoca… Como sempre gostei muito de cinema desde pequena, até me emociono ao lembrar desses momentos com meu filho. Quando tudo isso passar, já falei para ele que será uma das primeiras coisas que iremos fazer e vamos mais de uma vez por semana.”

A confeiteira Dayanna Gomes já faz parte do perfil funcional que vai ao shopping com objetivo e adora uma comprinha, principalmente quando o assunto é roupa.
“Gosto de ir às lojas fast-fashion porque posso pegar, escolher e provar sem ter que pedir ajuda. É muito difícil não encontrar o que procuro. Sempre compro. Além disso, tento resolver tudo o que posso na mesma visita. Como moro a uma quadra do Shopping Metrópole, em São Bernardo do Campo (SP), fica mais fácil ainda. Prefiro sair e jantar no shopping ao invés de pedir um delivery. Frequentava mais antes da pandemia, mas já fui lá algumas vezes e aproveitei para fazer tudo o que precisava”, conta.
De acordo com Alexandre Rodrigues, consultor de neurociência aplicada a negócios e comportamento humano, assim como Dayanna e Cynthia, as pessoas sentiram falta da liberdade de ir e vir. Além disso, o shopping é um lugar em que elas se sentem seguras e confortáveis.
“O local tem tudo o que o consumidor precisa e não é só para coletar recursos, as pessoas vão para se divertir, se entreter, passear e ver as novidades.”

O que o consumidor sente
A relação de consumo on-line é algo contemporâneo para o cérebro do ser humano, que se adapta a elementos mais atuais por meio da neuroplasticidade.
Por milhares de anos, tudo o que o homem tocava na natureza era dele. “A compra física tem uma relação com isso. Na hora em que toca em um produto na loja, a sensação do consumidor é de propriedade porque o sistema límbico é ativado, que é o mais emocional. É diferente da on-line quando o neucórtex – parte do planejamento – é ativado. O comportamento daquele momento resultará no recebimento futuro de um recurso”, explica Rodrigues.
Por isso, quando uma criança entra em uma loja de brinquedos e ainda não tem maturidade suficiente, escolhe um brinquedo e, assim que toca o objeto, considera que já é seu. Alguns brinquedos, inclusive, têm uma interação de teste dentro da embalagem.
“O adulto é da mesma forma. Ao fazer um test-drive, já tem quase certeza que irá negociar. Quando devolve o automóvel até causa um certo nível depressivo”, explica Rodrigues.
O cérebro também funciona por comparação. Por isso, a venda de alguns produtos não vai tão bem no on-line porque necessitam do toque. Isso acontece, por exemplo, com itens de cama, mesa e banho. Por outro lado, produtos “iguais”, no quais o que muda são as configurações (como eletrônicos e eletrodomésticos), o consumidor está mais disposto a adquirir de forma virtual.

Túlio Mandolesi, professor nos cursos de Gestão e Comércio do Senac EAD, concorda e lembra que uma das técnicas de visual merchandising, inclusive, propõe que os lojistas deixem os produtos à mostra. “Essa experiência é impossível no mundo virtual. A possibilidade do toque permite sentirmos as texturas, a qualidade, a resistência e o acabamento dos materiais.
Além disso, no presencial podemos utilizar e nos beneficiar de uma série de artifícios ligados ao nosso sensorial que ainda não podem acontecer no mundo virtual, como questões ligadas ao paladar e olfato”, pontua Mandolesi.
“Entrar numa loja física com um refrescante aroma, ser servido com delicioso café ou até mesmo uma espumante pode criar uma experiência inesquecível”, Túlio Mandolesi.

Rodrigues também ressalta a importância de explorar o marketing sensorial, chamando a atenção do cliente de forma positiva. Um exemplo do uso correto é o cheiro de pipoca na área dos cinemas ou as lojas de produtos para casa com a exposição de lençóis, colchas e edredons sobre a cama. Mas, para ele, a maioria dos estabelecimentos ainda pode melhorar na aplicação dessa técnica. “Essas experiências ainda são muito pouco utilizadas. Algumas vezes, são até aplicadas de forma errada. Por exemplo, exagerar no aroma da loja ou colocar uma música que agrada apenas o proprietário.”
Roberto Kanter, professor do MBA de Marketing e Gestão Comercial da Fundação Getúilo Vargas (FGV) e diretor executivo da Canal Vertical, destaca ainda que o maior diferencial do varejo físico frente às lojas on-line é a disponibilidade imediata. “Por isso, é importante saber expor os produtos para que estejam na visão do shopper da maneira mais cômoda possível. Além disso, o varejista precisa trazer o melhor do digital para o físico no que se refere à pesquisa, ao acesso e à disponibilidade de estoque.”
Dessa forma, existem quatro categorias de produtos que podem ser trabalhadas no ponto de venda. São eles:
- Generalistas: aquele produto que todo mundo tem e nunca pode faltar com um valor equivalente ao praticado no mercado.
- Recorrentes: mercadorias compradas com frequência pelo consumidor.
- De Atração: produtos de vitrine, inovadores, com preços diferenciados, feitos por meio de parcerias estratégicas.
- De destino: produtos de categorias em que o mercado considera a marca uma autoridade no assunto e são o sonho de consumo de todo negócio.
Atendimento personalizado
O contato com o vendedor também é um dos diferenciais da experiência física. Ele é a ponte entre a ideia do cliente e a solução, mas é necessário que esteja bem preparado. “Quanto maior for o valor do produto agregado, mais bem informado o consumidor está e isso é um desafio para as marcas. O cliente não está interessado em ouvir a especificação técnica porque isso ele tem conhecimento. Ele tem que ouvir se a escolha que fará é boa ou não”, diz Kanter.
O professor Mandolesi afirma que um vendedor habilitado pode fazer toda a diferença. “Ele traz consigo uma bagagem de informação e conteúdo que pode ser fundamental num processo de venda. E que talvez não estivesse acessível, por exemplo, em um site ou numa plataforma de e-commerce. Além disso, se for hábil, entenderá o que realmente o cliente está procurando ou querendo e conduzirá a venda para este caminho”, complementa o professor Mandolesi.
A experiência e o fator humano são pontos fundamentais da compra física. “Investir em capacitação humana pode ser um grande diferencial. Afinal, há pouca diferença entre os produtos oferecidos no mercado e o serviço que está por trás é que pode diferenciar uma marca de outra. Ela passa a ser muito mais determinante do que o próprio produto. Cliente que adquire um produto ruim, mas é bem atendido, volta. Cliente que compra um produto bom, mas o atendimento é ruim, não volta”, enfatiza.
A partir de 2020
Com a integração entre os múltiplos canais, é preciso se adaptar, inovar e saber trabalhar as vendas nos dois mundos. “Muitas empresas estão cada vez mais adotando estratégias unified commerce (comércio unificado). Nessa modalidade, a omnicanalidade é desenvolvida para o benefício do cliente e são traçados planos para vendas on to off e vice-versa”, diz o professor da FGV.

“Mesmo que haja um novo normal, o mundo phygital (termo usado para designar a união do mundo físico e digital) veio para ficar e as empresas de varejo realmente precisam se adequar a esse movimento, investindo profundamente no digital dentro de sua realidade. As lojas precisam encontrar soluções desde e-commerce até vitrines virtuais, usando de forma maciça redes sociais, integrar o que acontece nos dois ambientes, tornar sua equipe de venda cada vez mais assertiva, conversar com sua carteira de clientes e desenvolver uma estratégia forte de CRM para poder sobreviver diante do que continuará acontecendo nos próximos meses”, completa Kanter.
Mandolesi destaca que é preciso lembrar que nem todo mundo está conectado, sendo que muitos utilizam apenas o WhatsApp e redes sociais.
“Além disso, tem a questão que o varejo físico existe em nossas vidas há séculos, enquanto o comércio eletrônico tem cerca de 20 anos. Portanto, diria que o digital é mais que um complemento.”
Desconto
Na internet, a pesquisa pela melhor oferta é algo comum na hora em que um consumidor quer comprar um produto. É como se ele fosse o gerenciador da sua própria barganha pela facilidade da busca. No entanto, na loja física, há consumidores que gostam de negociar um desconto. “O cérebro valoriza muito mais as perdas do que os ganhos. Então, um desconto pela internet não vale tanto quanto o que ele consegue negociar na loja física, pois conseguiu através do esforço, parecendo que tem mais valor. Tudo isso remete ao esforço da caça, é uma questão de competição e ainda somos primitivos nesse quesito”, explica Rodrigues.
De acordo com Mandolesi, a satisfação será maior ao conseguir uma negociação mais favorável diretamente na loja.
“Não há espaço para isso no on-line. Não conseguimos fazer aquela frase: ‘consegue um descontinho?’.”
Sem pensar muito

De acordo com o professor da FGV, a compra por impulso é baseada no sentimento de autoindulgência, que é um gatilho emocional muito forte para vendas. “É um misto de ‘eu mereço’ com ‘estou carente’. Como sentimento de carência é inerente ao ser humano, sendo muito difícil fugir dele, a compra por impulso acontece nos dois ambientes”, detalha.
No digital, ocorre com facilidade, principalmente por conseguir comprar com um clique. Já no ambiente físico, há uma liberação de cargas de dopamina e adrenalina, as mesmas substâncias de quando se está apaixonado, o que faz com que não se pense muito no ato da compra e se torne muito mais instintivo.
“O efeito de racionalização vem depois quando o organismo absorve essas substâncias, mas logo depois já passa, quando a pessoa gosta de outra coisa e é induzido a isso de novo”, explica Rodrigues.
Fidelização do cliente
A fidelização do cliente evolui ao longo do tempo. Antes, era medida por recompra e, atualmente, pode ser mensurada por quantas vezes o consumidor recomenda a loja para um amigo. “Com isso, percebe que determinado produto pode ser vendido várias vezes para o mesmo cliente. E isso ocorre muito em produtos de alto valor agregado. O consumidor faz questão de indicar porque quer que o outro também tenha essa resolução. E isso funciona para o on-line e off-line”, explica Rodrigues.
Kanter diz que é preferível ter lealdade do que fidelidade no varejo físico para gerar engajamento. O varejo físico é muito mais relacional, a marca deseja construir um atributo de lealdade com o cliente para que ele possa voltar mais vezes no futuro. No varejo digital, se o usuário abandona carrinho, entra em ação de remarketing com o envio de centenas de e-mails, esperando uma baixa taxa de conversão. São entregas diferentes. “Por isso, o varejo físico deve investir mais nisso. Muitas vezes, fica se comparando ao digital, mas esquece de suas grandes diferenciações que são seus ambientes sinestésicos”, pontua.
Os shoppings
Agregar experiência é o que o setor sempre fez ao longo de mais de 50 anos, e, no cenário atual, cada empreendimento tem buscado entender cada vez mais seu público para entregar o que ele precisa e do jeito que ele quer. Com isso, os projetos digitais dos shopping centers foram acelerados e houve um forte crescimento da integração do on e do off em um curto período. Essa tendência já vinha sendo efetuada, mas ganhou novos investimentos, ampliando o poder de escolha do cliente.
Além disso, os empreendimentos de todo o país seguem preparados para receber os consumidores. Logo no início da pandemia, implantaram rígidos protocolos sanitários, elaborados pela Abrasce em parceria com o Sírio-Libanês. Essas medidas tornaram as visitas seguras e, claro, inesquecíveis, já que os shoppings continuam fazendo parte da memória afetiva dos brasileiros.