Compras, serviços, hotelaria, saúde, lazer, corporativo. Os empreendimentos ampliam sua esfera de atuação e se transformam em verdadeiros complexos multiúso
O conceito life center ganha força no mercado de shopping centers e já vem sendo aplicado em greenfields que estão sendo planejados ou com obras em andamento e até mesmo em ativos já existentes. Essa relevância do uso misto atende à evolução crescente do comportamento do consumidor e ao interesse dos investidores e dos desenvolvedores. Os complexos multiúsos reúnem varejo, serviços, saúde, hospedagem, residencial e até lazer integrado à natureza, o que facilita o dia a dia visitantes.
São vários aspectos que têm levado a busca por esse investimento por parte do setor de shopping centers, que, há tempos observa estrategicamente o setor imobiliário. Segundo Fabio Aurichio, diretor da ACIA Arquitetos e sócio do estúdio espanhol L35 Arquitetos no Brasil, os terrenos urbanos estão sendo requalificados com o objetivo de ampliar o potencial construtivo e os shoppings, quando bem localizados, começam a fazer estudos de viabilidade para entender isso.
“Existe uma dinâmica urbanística que leva esses endereços comerciais a se tornarem polos de centralidade urbana e, com isso, há a tendência de se fazer outros usos, cabendo tudo: serviços, moradia, escritórios…”, explica.
Historicamente, o modelo de desenvolvimento do nosso país foi o vetorial, com obras de infraestrutura, como transporte público, energia e esgoto, por exemplo. Com isso, as cidades cresceram e esses vetores se encontram dentro das zonas urbanas. Com o novo Estatuto da Cidade, o modelo urbanístico proposto como base para o desenvolvimento de todos os Planos Diretores dos municípios brasileiros apresenta essa forma de crescimento nas novas centralidades urbanas.
“São Paulo, por exemplo, deixou de olhar os vetores e todo o desenvolvimento está direcionado pelo Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável – DOTS”, exemplifica Aurichio. Trate-se de uma estratégia que integra o planejamento do uso do solo à mobilidade urbana, criando a cidade 3C: compacta, conectada e coordenada. Por isso, a infraestrutura já ofertada foi usada como base para poder verticalizar.
“Nessa dinâmica, os shopping centers, que foram criar os vetores, são hoje as áreas de influência e começam a virar essas novas centralidades urbanas. Então, existe uma dinâmica urbanística que os levam a estarem no momento certo e no lugar certo. Esse polo começa a receber clínicas, escritórios, residências e unir estes pontos”, ressalta Aurichio. Um bom exemplo de como funciona na prática essa mudança está na reportagem com o empreendedor da AMMalls, que toca um projeto de um greenfield de uso misto em um complexo que terá ainda a sede social do América Football Clube. Clique aqui para ler.
O arquiteto Jayme Lago Mestieri, sócio-titular do escritório JLM Arquitetos, reforça que um life center é um recorte da cidade e imita essa evolução natural. Atualmente, o escritório está com 16 projetos de malls em desenvolvimento e construção, sendo que 80% deles têm esse conceito como norte. Para o arquiteto, o fato de os shoppings sempre conseguirem agregar ao mix um bom parceiro, não importando o segmento, é um ponto fundamental.
“O life center é o ponto de encontro como acontece nos bairros, em que se cruza com pessoas que foram à feira, ao médico, fazer compras. E isso é bom para o developer porque diminui sua margem de risco”, diz.
Essa diversificação de usos tem sido, ao mesmo tempo, um bom negócio para atrair os lojistas que buscam novos formatos para expandir. “Fora isso, o Capex tende a ser mais baixo assim como o condomínio. Então, atende ao tripé – empreendedor, lojista e consumidor”, diz Mestieri.
Para o sócio-titular da JLM Arquitetos, o open mall se beneficia com essa tendência, mesmo em cidades com condições climáticas mais complexas. O escritório preza por incorporar praças verdes e espaços ao ar livre porque, muitas vezes, esse será o espaço de contato com a natureza para a população do entorno. “Com o incentivo do Plano Diretor dos municípios, veremos muitos desses projetos no Brasil, o que interessa também o poder público, pois a conjectura do life center dispõe de toda a estrutura que o cidadão precisa para viver confortavelmente”, afirma.
De acordo com Aurichio, os shoppings que não se adaptarem a isso e não tiverem essa troca com o entorno perderão muito. “Mas é preciso saber que é necessário seguir as particularidades de cada região”, afirma.
Pioneiro na iniciativa
Inspirado em equipamentos dos Estados Unidos, Europa e Ásia, o Shopping Parque da Cidade, localizado na capital paulista, foi o primeiro life center do Brasil, inaugurado em 2019. “As palavras que se conectam a este novo tipo de consumo são experiência, conveniência, bem-estar e futuro. São estas premissas que pautam o empreendimento àquilo em que este se propõe a oferecer ao público. Hoje, sabemos que as gerações Y e Z representam mais da metade do mercado e estes novos consumidores valorizam estes princípios”, diz Mirela Gedeon Cubilhas, sócia da Enashopp.
O Shopping Parque da Cidade conta ainda um mix diferenciado. Um exemplo é a loja da Champions League Experience Brasil, única operação no país a somar, espaço para eventos, áreas kids e de jogos ao varejo.
Outro ponto relevante dos shoppings inaugurados sob este conceito é o posicionamento sustentável desde o início. “Enquanto muitos empreendimentos estão tendo que se adaptar às ações ESG, tínhamos muitas delas definidas já na planta de construção do equipamento, como o inédito sistema de coleta de lixo a vácuo, ENVAC, o uso racional de energia com o telhado verde e os vidros com baixa absorção de calor, o sistema de esgoto a vácuo e a economia d’água”, explica. Não ao acaso, o projeto foi primeiro a receber a certificação, até então inédita na América do Sul, LEED ND nível Silver (Neighborhood Development), do US Green Building Council, concedida aos empreendimentos capazes de impactar positivamente o entorno. O empreendimento também faz parte do Climate Positive Development Program.
O Complexo Parque da Cidade abrange 10 edificações: shopping, hotel, seis torres comerciais, dois edifícios residenciais e uma área verde de 22 mil m².
E está com, aproximadamente, 70% de ocupação em atividade. As torres residenciais estão 100% comercializadas, com as entregas dos apartamentos previstos para 2023. “Ficamos extremamente felizes pela aceitação do produto, isso nos aproxima de pessoas com os mesmos valores que os nossos”, diz Mirela.
“Entendemos que o varejo precisa se adaptar às mudanças do mundo e, consequentemente, ao comportamento do consumidor. Não gastar horas no trânsito com deslocamentos é qualidade de vida e o complexo entrega muito isso”, Mirela.
Novo ponto turístico de Porto Alegre
Às margens do Rio Guaíba, o Pontal Shopping será o primeiro life center do Sul do país. Além do centro de compras, o empreendimento tem integrado o hotel DoubleTree by Hilton, Hospital Moinhos de Vento, Leroy Merlin, centro de eventos com capacidade para 1 mil pessoas, torre de escritórios e consultórios com 230 salas e um parque público de 29 mil m2. A área verde foi inaugurada em novembro e a próxima etapa prevista é a entrega da torre de escritórios e consultórios. Em seguida, será a vez do hotel e do centro de eventos. “Em 5 de abril de 2023 será a inauguração do shopping, juntamente com hospital. Nos tornaremos o maior ponto turístico da cidade, com expectativa de fluxo de mais de 1 milhão de pessoas por mês em todo complexo”, confirma Angelo Boff, proprietário e diretor do empreendimento e sócio-diretor da SVB Par.
Para o empreendedor do projeto, os life centers refletem o futuro dos shoppings e a integração com a paisagem natural favoreceu muito o projeto. “Com isso, o conceito da localização ideal de um shopping center se expandiu: não basta estarmos localizados em uma avenida com alto fluxo e fácil acesso, precisamos estar integrados à natureza com a vista mais espetacular da cidade. Isso é que cria a experiência, tão almejada no varejo físico atual. Estar à beira de um lago, inserido em um parque, faz com que tenhamos uma âncora natural para o nosso empreendimento”, diz Boff.
O Grupo AD Shopping é responsável pela administração e comercialização do empreendimento.
“A arquitetura com muito vidro e permeabilidade visual permitem contemplar a orla de diversos pontos do shopping. O turista que vem à serra gaúcha poderá se hospedar em nosso Hilton, curtir um show no Hard Rock Café, fazer compras no shopping, almoçar em um belo restaurante e alugar um barco em nosso píer para conhecer o Guaíba”, Boff.
Com aporte financeiro de mais de R$ 300 milhões, o Complexo Multiúso Pontal tem 114 mil m² de área construída. O Pontal Shopping possui mais 27 mil m2 de ABL com mix variado de marcas nacionais e internacionais e promete revolucionar a experiência de consumo de gaúchos e turistas. Serão 160 operações com quatro âncoras, várias opções gastronômicas na Praça de Alimentação e em restaurantes. De acordo com Boff, a expectativa é inaugurar o empreendimento com mais de 70% de taxa de ocupação.
No coração da capital federal
Com inauguração prevista para 2024, o Partage Shopping Brasília também reflete a tendência multifunção dos novos empreendimentos. Adriano Capobianco, diretor comercial e de novos negócios do Grupo Partage, explica que a companhia entende que existe uma mudança nos desejos e interesses dos consumidores. “Essa oportunidade em Brasília nos deu condições para um projeto ainda mais atualizado e moderno. O resultado das nossas pesquisas qualitativas para saber o que seria bem recebido e o que talvez não fosse apontou para esse caminho.”
Projetado como um open mall com apenas um piso, o Partage Shopping Brasília convidará o visitante a passear pelos grandes blocos cercados de muito verde e abundante iluminação natural.
“O shopping tem se transformado em um local de vida, de experiência, de socialização, de meio ambiente preservado e de integração com a mata nativa feito para um determinado local e público. Por isso, os projetos não são replicáveis automaticamente porque têm características muito específicas para aquele contexto. Quanto mais customizados, mais aderência nas regiões em que estão sendo implantados”, Capobianco
O Partage Shopping Brasília tem uma área de abrangência em um raio de 30 km, que concentra 2,5 milhões de moradores , no encontro da Asa Sul, Setor de Mansões Park Way e Lago Sul, com os demais bairros.
“Brasília sempre quis ter um shopping nessa região e existe uma demanda reprimida. Hoje, as pessoas têm que se deslocar alguns quilômetros para chegar a equipamentos adaptados aos seus desejos. O Partage Shopping Brasília vai atender esse consumidor”, explica Capobianco.
O shopping faz parte de um plano maior, que envolve ainda uma arena com 12 mil lugares, um aquário, um parque temático, a construção de um novo hotel, além do já existente, e outros anexos. “Será um grande hub de integração de várias atividades, que concentrará um investimento acima de R$ 1,5 bilhão”, fala.
As obras devem ter início, em janeiro de 2023 e o projeta terá 40 mil m2 de ABL, 130 operações, 11 restaurantes, sete salas de cinema – com uma sala a céu aberto -, mercado gourmet e 11 operações de fast-food. Há uma expansão aprovada para 60 mil m2 de ABL nos próximos cinco anos.
Na região metropolitana de Minas Gerais
A Everest Empreendimentos investe em dois novos complexos de uso misto: Himalaya Town Center e Inova Parque. Ambos adotam o conceito de cidade de 15 minutos, presente no Relatório Mundial das Cidades, documento lançado pela UN-Habitat, o programa de habitação da ONU, que prevê que todos os serviços básicos do dia a dia devem estar acessíveis à população em um raio de 15 minutos a pé, por transporte público ou de bicicleta.
Desenvolvido e gerenciado pela Everest Empreendimentos, concebido pela Designcorp e projetado pelo escritório Farkasvölgyi Arquitetura, o Himalaya Town Center será implantado em Vila da Serra, na cidade de Nova Lima (MG), uma das regiões com maior concentração de renda per capita do país e com uma carência grande de varejo e serviços próximos. “É um bairro elitizado e com alto poder aquisitivo, mas que exige que morador saia para tudo. Então, existe uma alta demanda para um complexo life center”, diz Adriana Gribel, diretora da Everest Empreendimentos e CEO da Tenco Shopping Centers.
O empreendimento virá para suprir essa carência com um projeto inovador em um terreno de 53 mil m2. Com aporte financeiro de R$ 1 bilhão, o projeto vai contemplar centro comercial, praça central com 12 mil m2, três prédios residenciais, hospital do Grupo Oncoclínicas, duas torres comerciais, centro de convenções, teatro e uma grande área de lazer e de esporte, além de um estacionamento com 2.500 vagas. O shopping terá 23 mil m2 com mais de 200 lojas. A primeira etapa deve inaugurar em 2024.
“Depois da pandemia, esse conceito de 15 minutos foi reafirmado, então, o complexo terá tanto conveniência e serviços quanto entretenimento, lazer, restaurantes, gastronomia, teatro. O público pode transitar entre todos os espaços e tudo está interligado, facilitando o acesso e provocando a sinergia para que um equipamento funcione ancorando o outro”, Adriana
Ainda na região metropolitana, a Everest Empreendimentos prevê mais um complexo de uso misto: o Inova Parque, em Contagem (MG), focado nas classes C e D, ainda em fase de projetos.
Serão torres residenciais com mais de 2 mil apartamentos conectadas a um shopping, uma escola de ensino fundamental e médio, além de hospital, edifícios comerciais e com uma área de preservação ambiental. O investimento será de R$ 1,3 bilhão.
No interior de MG e SP
A ACIA Arquitetos está desenvolvendo um projeto para o Center Shopping Uberlândia. O ativo, localizado no centro cidade mineira, conta ainda com planejamento de reurbanização desse novo polo de centralidade urbana. “Ele tem tudo em volta e ele está sendo pensado como um ponto de encontro com praças, áreas de convivência, com serviços públicos etc”, explica Aurichio.
Para o Iguatemi de São José do Rio Preto, a ACIA Arquitetos também criou um boulevard com restaurantes em áreas antes ocupadas pelas docas. Além disso, os edifícios residenciais vizinhos que estão sendo construídos ficarão abertos para a rua e para o shopping, como se fosse um calçadão.