
Inteligência Artificial, um caminho sem volta para o varejo
Ela ganha mais tração, influenciando a jornada do cliente e trazendo soluções para os shopping centers
Top trend do varejo em 2024, a Inteligência Artificial conquistará mais espaço na agenda das companhias de todo mundo, e é importante ressaltar que ela é para todos. Mas o que aconteceu para que alcançasse esse protagonismo? A IA tem aproximadamente 70 anos e nesse tempo ela vem avançando, mas, nos anos anteriores, muito mais, em um plano acadêmico, científico e não prático. Passou por momentos de muita euforia e depois de abandono. A partir de 2012, ela ganhou mais tração e as empresas passaram a fazer investimentos, tornando-a essa potência que pode ser explorada das mais diversas formas. Mas tudo isso não aconteceu por acaso.
Quatro fatores foram fundamentais para que chegasse a esse nível: quantidade de dados gerados, armazenagem nas nuvens, hiperconectividade com a era 5G e a capacidade computacional.
“O que aconteceu nesses últimos anos e nesses últimos meses, temos chamado quase de uma explosão de IA na nossa vida cotidiana ou das empresas. A quantidade de dados gerados diariamente no mundo é 2,5 quintilhões, e essa é a matéria-prima da IA. O segundo elemento é a armazenagem da nuvem que, hoje, está segura, acessível e barata. E isso é um processo evolutivo. A conectividade do 5G é hoje a bola da vez, daqui a pouco, será o 6G. Esses três não são novidade. O mais relevante e, talvez, o que tenha mexido o ponteiro é a capacidade computacional dos computadores que, de fato, mudou. Se você tem dado, nuvem, conectividade, mas os computadores não dão conta de processar, não adianta. No fundo, a capacidade computacional é o cérebro, a conectividade é a veia, a nuvem é a memória e os dados são o sangue”, explica Eduardo Terra, sócio de BTR-Varese e autor do livro Inteligência Artificial no Varejo, da editora Literare Books.
“Com a difusão do meio digital pelos smartphones, das redes sociais, passamos a gerar dados como nunca. As pessoas começaram a produzir mais conteúdo, que são os combustíveis da IA, houve ainda o maior investimento em pesquisa e desenvolvimento para pensar novos modelos”, complementa Diogo Cortiz, cientista cognitivo, futurista, professor da PUC-SP, pesquisador e palestrante, que, inclusive, será um dos painelistas do 18º Congresso Internacional de Shopping Centers, promovido pela Abrasce, em junho de 2024.
Presente no dia a dia da população, muitas vezes, passa imperceptível, justamente por fazer parte da rotina, desde criar a dinâmica dos games assim como indicar conteúdo pelo TikTok e Instagram, selecionar o que aparece na tela do assinante nas plataformas de streaming, ser responsável pelas ferramentas de reconhecimento facial, de guiar o motorista no Waze… “De certa forma, estava oculta para os usuários e ChatGPT rompeu isso em meados de 2022”, relembra Cortiz.
Terra reforça ainda que, em pouco tempo, tudo isso ficará mais rápido, potente e acessível.
“Acessível é importante, porque quando falamos de IA na prática, e não na ficção. Usar IA na Nasa tem um orçamento e um acesso, quando falo em utilizá-la, por exemplo, em um shopping mais periférico, obviamente o orçamento e o acesso são outros. E aí que estamos chegando em soluções de IA mais acessíveis para todo mundo.”

Segundo Gustavo Schifino, diretor da Stone, a grande alavanca da IA foi o processamento em nuvem, sem ter mais a necessidade de acontecer no próprio advice:
“Com isso, estamos vivendo mais uma explosão de produtividade. Temos IBM, D-Wave e Google utilizando computadores quânticos, o que significa fazer em 35 segundos aquilo que levaria mais de 1 mil anos em processadores binários. Quase impossível de imaginar a capacidade de processamento que irá alavancar nos próximos anos”.
Com a chegada do 6G e os advices de alta capacidade, não haverá mais áreas de sombra no Planeta. “Estamos chegando em um nível de ruptura nunca antes imaginado tanto de processamento como de conectividade. E isso nos leva a soluções que nos permitem usar a Web 3.0 e os ambientes metaversáveis no metacommerce com IA abastecendo a tecnologia para se fazer tudo isso”, complementa Schifino.
O momento é agora
Segundo pesquisa realizada pela Linx, 84% dos executivos ligados ao varejo, fornecedores e stakeholders no Brasil conhecem algo de inteligência artificial: sabem que existe, já utilizaram o Chat GPT ou fizeram alguns experimentos.
“Isso é incrível, considerando que a IA Generativa está há pouco mais de 16 meses disponível no país. Na sua grande maioria, essa experiência tem sido satisfatória. Disto para o efeito prático, apenas 10% estão usando a IA no Brasil em soluções ligadas ao consumo, e isso é muito pouco considerando a quantidade de pessoas que experimentou, viu que funciona e tem interesse. Ao mesmo tempo que temos uma alta percepção de valor e uma aderência e interesse às soluções, ainda não tem a utilização no dia a dia”, diz Schifino.
Sempre surgem dúvidas de como usá-las nos negócios. Segundo Terra, há dois caminhos para se seguir: se apaixonar ou se desesperar. Se apaixonar é mais fácil.
Pesquise, estude e entenda. E essa dica é válida para toda a equipe. “O primeiro passo é tomar consciência de que esse assunto é para você. O segundo passo é entender e estudar. Depois, começar a procurar ferramentas e soluções e isso existe.”

As empresas vendem os mesmos serviços só que IA embarcada. Para os shopping centers, é possível encontrar soluções que otimizam a manutenção, o consumo de energia, controlar melhor a segurança do estacionamento, calibrar melhor o mix, melhorar a experiência dos seus clientes e otimizar os custos.
“E isso o shopping sempre contratou, mas a diferença é que agora isso virá com IA embarcada. Essas dores não são de hoje e já se resolvem com tecnologia e essas começaram a vir com IA. Como requer muito desenvolvimento, é algo muito mais para se contratar do que para se desenvolver internamente”, diz Terra.
Cortiz orienta ainda que a empresa saiba qual problema deve resolver com IA porque senão vira uma grande promessa sem efetividade: “No que precisa, em que área, em que momento da jornada? Porque, às vezes, a solução pode estar em uma IA mais simples. As empresas precisam fazer uma reflexão que é algo novo que está vindo e irá revolucionar muita coisa. Segundo, para que aconteça de fato, é preciso ter dados organizados, novas habilidades e competências. Depois, deve-se partir para uma etapa de um planejamento estratégico mesmo”
Ao criar uma infraestrutura de dados, que será o ponto essencial para propor uma solução mais criativa e conectada com a necessidade do usuário. Mas é ir além. “A IA mostrará novas possibilidades, algo em que nem o lojista nem o cliente estão pensando”, ressalta Cortiz.
No entanto, para se chegar a esses resultados, o sócio da BTR-Varese ressalta que é preciso investir em alguns pré-requisitos. “Os dados devem estar minimamente organizados, lembrando que o shopping tem dados dos clientes, dos lojistas, da operação, dos veículos, dos ativos e dos funcionários. Se estiverem perdidos e desorganizados, não conseguirão trabalhar com ela.” A estrutura da tecnologia do ativo tem que estar atualizada para comportar isso.
“A IA precisa de integrações, então, busque trazer uma solução de um parceiro. É necessário ainda de um time com competências preparado”, orienta Terra.
O varejo assim como o setor de serviços de forma geral pode se beneficiar desses avanços. “A IA é muito boa de detectar padrões, ajudar as administradoras de shopping centers a entender as dinâmicas que acontecem dentro dos malls de uma forma muito mais apurada. A IA tem esse potencial de ajudar a entender o negócio, a realidade e o ecossistema e pode ainda dar uma perspectiva mais proativa, de propor soluções novas, prestação de serviço e atendimento”, explica o cientista cognitivo.
São muitos pontos que podem ser resolvidos com tecnologia e, muitas vezes, é não preciso de uma alta tecnologia. E Cortiz até cita um exemplo: “Fico impressionado com a quantidade de pessoas que param o segurança para saber onde tem uma loja. É um problema que não foi resolvido. De repente, a IA pode ajudar em mais informações e esclarecimentos e trazer mais transparência para essa interação.”
Gostos e preferências
Alguns acreditam que a IA poderá conhecer os gostos e as preferências melhor do que nós mesmos. No entanto, de acordo com Cortiz, isso é mais uma questão filosófica e ética.
“Temos essa falsa impressão porque, às vezes, a gente não se conhece tão bem e acaba sendo influenciado pela IA e pela tecnologia. Como ela sabe mais ou menos o que quer e te conhece, faz uma sugestão e acaba aceitando aquilo.”

Basta relembrar o quanto é impactado por sugestões antes de uma compra online.
“Então, fica a impressão: nossa, ela me conhece tão bem! Na verdade, está em um grande grupo de usuários que recebeu essa recomendação, então, isso é mais uma pergunta filosófica. Ela não vai conhecer mais do que a gente mesmo, mas ela irá influenciar nossos comportamentos cada vez mais”, afirma o cientista cognitivo.
Ao ter essa análise que só a IA consegue fazer, é possível impactar a jornada do cliente de forma hiperpersonalizada e essa é uma das maiores aplicações para o varejo. E isso fará parte do comércio preditivo.
Com o uso de ferramentas, é possível, por exemplo, identificar um usuário assim que ele acessa o shopping, claro, se ele permitir o uso de seus dados. A partir daí, se houver integração com as lojas, esse cliente pode receber notificações em tempo real de sua visita de promoções, novidades e qualquer outra ação que o lojista queira fazer. “O shopping se organiza para receber o consumidor, na prática, isso é impossível a olho nu, com tecnologia e IA, você consegue fazer isso para milhares de pessoas ao mesmo tempo. A discussão é sobre os limites da personalização e dos limites do que pode e do que as pessoas querem”, detalha Terra. Ou seja, tudo dependerá do quanto cada um estará disposto a compartilhar seus dados e isso é algo ainda não definido.
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, os clientes precisam permitir esse compartilhamento em qualquer acesso. Com os aceites do usuário, a coleta de dados só tem avançado. No entanto, é preciso fazer análises. E esse é o ponto-chave para traçar estratégias com uma rapidez jamais imaginada tempos atrás, dando o direcionamento exato para o público que quer atingir, algo que antes era feito de forma aleatória.
“Em estudos laboratoriais, que não são naturalísticos, essa comunicação mais específica traz um engajamento muito maior, seja no conteúdo, no produto, e isso leva a uma conversão”, afirma Cortiz. Schifino ainda acrescenta que 70% dos influencers no Japão são avatares: “É quase imperceptível saber se aquela campanha foi feita com IA ou por pessoas. Não tem como medir a taxa de conversão. A compra se dará pelo produto que o cliente mais se identifica.”
Por isso, executivos do mundo todo começam a colocar a IA como o novo básico e passam a inserir essa agenda em seus negócios para conhecer melhor seus clientes e, claro, converter em mais vendas. Por isso, Cortiz diz: é um caminho sem volta e um caminho cada vez mais curto no processo de desenvolvimento e da velocidade. Claro que o nível de imprevisibilidade também aumenta. Essa agenda é fundamental dentro das companhias, porque a IA tem uma capacidade de transformação ainda é imensurável porque consegue resolver muitos problemas, há coisas que a gente nem sabe, mas iremos conseguir resolver com ela. “As empresas precisam começar a experimentar seu uso para se acostumar, entender o potencial, as limitações e como elas podem usar melhor o seu mercado. É para ontem. Pelo menos, começar a estudar, ver onde dá para encaixar a tecnologia dentro do seu mercado”, afirma o professor.
Alguns questionam o quanto a IA irá afetar o mercado de trabalho. Schifino ressalta que ela não irá demitir humanos, quem não usar será demitido.
“Assim como hoje, dificilmente não contratar alguém que não soubesse o Excel, o PowerPoint, é nesse nível que se espera que um profissional tenha uma intimidade ou essa curiosidade ou vontade de utilizar. Os fornecedores de lojistas e de shopping centers que ainda não estão usando soluções de IA serão preteridos.”
Por aqui
O Brasil está caminhando ainda nesse movimento e não está desenvolvido como em outras regiões do mundo como Estados Unidos, Europa e China.
“Estamos desempenhando o papel de consumidor, existem iniciativas interessantes de IA no Brasil, mas não existe ainda um grande projeto. E está concentrado em poucas organizações, como Google, Meta, Microsoft e Baidu. São essas empresas que estão criando e desenvolvendo o que está sendo utilizado no mundo. Hoje, o mercado está totalmente concentrado”, explica Cortiz.
Os shopping centers brasileiros têm usado a IA no atendimento ao cliente e em chatbots. “A Ana, da Ancar Ivanhoe, por exemplo, está sendo largamente utilizada e tem mudado muito a vida do shopeiro e dos clientes do shopping que podem ter as informações rápidas, com o WhatsApp disponível, que está por trás de um Chatbot. Realmente, vivemos um outro momento”, exemplifica Schifino.
Faz pouco mais de um ano e meio da explosão prática de aplicações. Segundo Terra, são poucos os cases que, de fato, estão funcionando. “Inteligência artificial para o varejo é prioridade, mas não é realidade. No Brasil, ainda é pouco utilizada, mas irá virar realidade muito em breve. O que a gente espera é documentar casos de aplicação já em 2024. Boa parte dos fornecedores do ecossistema que atende os shoppings está tentando entender e trabalhar a IA”, destaca o sócio da BTR-Varese.
IA Generativa
Ela dispõe de ferramentas que ajudam na produção de conteúdo tanto de textos como de imagens e vídeos, ou seja, são sistemas de computadores que transformam informações, dados e conhecimento em conteúdo. Por isso, Schifino recomenda como primeiro passo seja começar a usá-la para fazer pesquisas, em substituição ao modo tradicional no Google. “Devem ser feitas no Copilot, ChatGPT, Gemini (antigo Bard) ou em uma ferramenta. Quando se faz uma pesquisa no browser normal sobre determinado tema, ele te dará uma lista de sites para entrar onde tem potencialmente aquela resposta ou te dará uma informação de baixo nível. Se utilizar a mesma pergunta e colocar dentro da IA terá uma revolução de produtividade nas soluções.” No entanto, precisa seguir os critérios do chamado C.I.D.I. , que significa Contexto, Instruções, Detalhamento e Informação. “É importante gastar mais tempo com suas perguntas e ganhar de três a quatro horas de trabalho em um dia”, indica Schifino.
No primeiro momento, atribuímos a IA Generativa no ambiente criativo. “Um estudo recente da Stanford University demonstrou que 80% das principais ideias sobre determinada demanda vieram de IA e não de humanos”, diz Schifino. E recomenda que as pessoas usem o Copilot como aplicativo do celular e utilizem as IA que já estão inseridas no Google, Bing e Gemini.
“Por fim, talvez o mecanismo mais pronto para usar a IA é melhorar suas interações em social media. Às vezes, tem uma foto interessante e pode transformá-la em um vídeo, às vezes, é válido checar com IA sobre a ideia de um post para gerar mais engajamento. O Adobe tem sido uma ferramenta incrível assim como o Pika. O Lumiere entrará bem forte no Google para atender essas demandas. Então, é uma infinidade de ferramentas para fazermos uma revolução de nosso design, desde a apresentação em rede social, de produtos até mesmo na hora de montar vitrines.”
Nessa explosão de soluções gratuitas de IA Generativa, nunca foi tão importante testar.
Por envolver questões éticas, é sempre importante deixar claro quando, em que momento e para que foi utilizada. “O que eu mais prego no uso da IA é o seguinte: ela é poderosa, tem que ser usada, mas é preciso que ter responsabilidade”, enaltece Cortiz.
Existem ainda problemas relacionados à IA. “Muitas vezes, não representa muito bem uma cultura, uma etnia, uma raça, então, isso leva a comportamentos mais enviesados. Em relação ao seu mau uso, já envolve uma questão social. É um desafio maior do que se resolver tecnicamente porque é um problema mais do ser humano. O uso de dados pela IA é uma área cinzenta ainda legalmente falando. Há questões em aberto, por exemplo, em relação ao direito autoral. O que se busca é uma remuneração, créditos pelas obras utilizadas, mas é algo ainda totalmente em aberto”, explica Diogo.
Segundo Terra, a IA está na curva de aprendizagem. “Ela é um habilitador para interfaces humanas e tenta fazer com que consumidores e empresas se relacionem de um jeito melhor. Tanto as empresas como os consumidores não evoluíram tanto como ela. Tem um gap aí. Existe ainda uma discussão mundial dos limites da privacidade, enfim, do que as pessoas estão ou não afim. Isso ainda não está estabilizado, o que dá para dizer é que a tecnologia irá permitir mais do que as pessoas estejam dispostas a querer.” Além disso, há uma dificuldade de manter os modelos de linguagem atualizados.
Quem está buscando essas soluções para esses problemas são as bigtechs, startups – tanto que ChatGPT veio da OpenAI, os fabricantes de equipamentos como da NVidia, que faz os processadores para a IA.
O movimento mais claro é seguir o protocolo de identificar que o conteúdo foi produzido por IA. Mas Schifino ressalta que não acredita muito em regulatórios para tecnologia e será papel da pessoa física entender quem é a fonte.