Conectados, tecnológicos e, ao mesmo tempo, imersos nas questões socioambientais do mundo, os nativos dessas gerações vão representar, em 2030, 50% dos consumidores globais. Mas, não se engane, eles afetam o consumo, o varejo e os negócios desde já
Os traços geracionais no comportamento humano, seja nas relações interpessoais ou comerciais, não têm fronteiras sociais, econômicas e nem físicas, já que nosso mundo é globalizado. Além disso, não têm a ver com um país ou classe social porque podem ser observados em todas as culturas, em todo o planeta. Segundo Fernanda Furia, fundadora da Playground da Inovação – consultoria de Inovação em Psicologia e Educação, ao se debater sobre a geração alpha, se coloca uma lupa na infância. “Podemos focar em pesquisas, desenvolvimento de produtos, serviços e estratégias em diferentes setores da sociedade para contribuir na formação ética, social e emocional desta geração. Uma sociedade que investe nesta fase da vida previne inúmeros problemas e aproveita oportunidades em todas as suas esferas de crescimento”, explica.
Ao mesmo tempo, é preciso incluir os adultos, pois também são afetados pelo cenário global e pautam boa parte de suas atitudes em seus papéis de mãe, pai e avôs a partir destes acontecimentos, influências e inputs dessa linha geracional. A alpha tem exigido dos mais velhos uma transformação de mentalidade e uma desconstrução de antigos paradigmas com relação à educação, ao brincar, à saúde mental, aos formatos de trabalho e aos estilos de vida. “Precisamos impulsionar novas práticas educacionais mais condizentes com a realidade e com as perspectivas de futuro.”
Quem é a geração de vidro, das telas, da inteligência artificial?
Os alphas são gamers nativos e nasceram a partir do ano de lançamento do iPad em 2010. Eles crescem em meio a equipamentos inteligentes e portáteis e entendem o mundo on-line e off-line como um só, transitando facilmente entre os dois. “Adultos acima de 20 anos serão os últimos que vão falar da divisão físico e presencial, a geração alpha só vê um mundo. E isso já estava acelerado e foi ainda mais intensificado na pandemia”, diz Beia Carvalho, presidente da Five Years From Now e palestrante futurista.
O uso de smartphones, tablets, assistentes de voz, brinquedos conectados à internet e tecnologias imersivas vem moldando a formação cerebral, social e psicológica desta geração. “A experiência digital deles é bastante ativa, construtora e sociável e as plataformas mais acessadas como TikTok, YouTube, jogos como Minecraft, Roblox e Fortnite estão definindo crianças e adolescentes como cocriadores ativos. Eles mostram uma maior necessidade de escolher e de tomar decisões no seu dia a dia. Na internet, escolhem e decidem o tempo todo, enquanto na vida presencial dificilmente os adultos lhes dão a chance de tomar decisões”, destaca Fernanda.
Além disso, enquanto as gerações anteriores – millennial e a geração X – aprendiam em casa ou na escola, eles utilizam as redes sociais, o que gera, inclusive, influência de consumo. “E isso é caminho sem volta: 97% dos alphas são influenciados pelas redes sociais. Por isso, a ausência de uma marca nos ambientes de conteúdo e de interação com esse grupo geracional trará uma ausência de percepção, num futuro bem próximo, já impactando agora o consumo”, afirma Guga Schifino, head of digital na DX.CO – grupo 4all e sócio e curador da FFX.
Os mais novos da geração Z e os alphas como um todo já entraram na escola com muito conhecimento, por isso, Beia afirma que, ao idealizar um projeto para eles, é preciso que o varejo os envolva porque eles pensam diferente. É essencial trocar ‘o’ para por ‘junto com’ e somar a diversidade geracional. É pensar em todo mundo, em todas idades.
Eles também têm uma relação diferente com o dinheiro. “Enquanto a geração Y gasta, a Z economiza. E os mais velhos da alpha, hoje com 12 anos, parecem viver em um mundo que vai acabar, que é mais finito do que nunca. Então, essa relação da economia é muito presente, tanto que eles têm uma educação financeira melhor, especialmente em países de primeiro mundo, em que esse componente faz parte do ensino desde os primeiros anos escolares há muito tempo”, relata a palestrante futurista.
Além disso, os alphas exercem uma atitude empreendedora natural. “Desde cedo, criam, negociam, calculam, pagam com tokens, vendem e trocam dentro dos videogames. Fora isso, é provável que confiem mais nas novas tecnologias dos que as gerações anteriores, se relacionem com elas de maneira cada vez mais emocional e sintam-se cada vez mais atraídos por experiências mais imersivas e interativas”, destaca Fernanda.
O agora e o amanhã
Em 2030, os alphas e os Z serão 50% dos consumidores e representarão boa parte da força de trabalho, mas, desde já influenciam diretamente o consumo das famílias. Então, ter que falar sobre eles, vai além de uma projeção de futuro, mas é também focar no presente. De acordo com Schifino, atualmente, são mais de 3 bilhões de pessoas com menos de 20 anos no mundo, que equivalem a 36% da população mundial, mas já correspondem por metade do consumo. Mas como alguém com essa idade e com pouca renda pode estar representando a metade da decisão de consumo? “Embora não tenham renda própria, eles definem o destino dos recursos das famílias e isso é no mundo inteiro. Qualquer consumo acaba sendo fortemente impactado pelos mais jovens, inclusive, em compras de bens mais duráveis como um carro, por exemplo”, explica.
Beia concorda e reforça que geração Z que, tem hoje entre 13 e 25 anos, já é consumidora assim como a alpha por dois motivos: porque de fato efetuaram uma transação comercial própria ou porque influenciaram nas decisões da família. “As crianças e os adolescentes têm uma influência que, talvez, seja uma das maiores que já existiram. Por isso, quanto mais se coloca os alpha como consumidores no futuro, menos, se toma providências porque eles já são.”
Eles também são app first, ou seja, nasceram com a prática e o conhecimento de que aplicativos podem ajudar a resolver suas demandas. “Acham muito chato comprar em e-commerces tradicionais e 70% não aceitam a possibilidade de ligar para fazer um pedido”, relata Schifino.
Por isso, existe uma atenção do varejo on-line de forma geral, que entende que precisa melhorar a experiência para se tornar mais atrativo. “Os alphas utilizam tecnologia de ponta nos games e, quando entram em um e-commerce que só quer vender e nada mais, ainda se deparam com uma tecnologia arcaica. Ainda se está muito longe do que buscam”, diz Beia. E as empresas que não forem geradoras de conteúdo terão ainda mais dificuldades. Ela elucida com um exemplo: “Ao entrar em uma farmácia, por exemplo, o cliente tem uma experiência de shopping, há todo o envolvimento com outras seções como de cuidados com o bebê e beleza, mas esse encantamento ainda não está nos sites de vendas.”
Para tentar se adequar a essa rápida transformação no comportamento de consumo, o varejo está modernizando seus canais e valorizando a criação de conteúdo próprio. “Vemos, globalmente, marcas se aproximando de games infantis, por exemplo, Animal Crossing ou Minecraft, porque é onde esse consumidor passa as suas horas e acaba sendo o principal ponto de formação de marca no mundo híbrido. Como querem uma experiência imersiva, com menos fricção e mais simples, utilizam muito o comando de voz, o varejo no mundo inteiro está tentando se adaptar a isso”, conta o head of digital na DX.CO – grupo 4all.
Apesar da pandemia ter trazido uma aceleração na maturidade digital dos consumidores, que descobriram novas formas de consumir, se informar, se comunicar, se relacionar com o varejo e obrigaram as empresas a darem um salto, destravando muitos processos de inovação, novas mudanças ainda vão acontecer. “Esse legado da crise sanitária vai ficar e se incorporar às rotinas de consumo e do varejo. Mas é preciso ser mais ágil, descentralizado, colaborativo, colocar o cliente e seus dados no centro e ter uma agenda de inovação permanente. Diria que ninguém está e nunca estará pronto, porque estamos em um ambiente de crescente instabilidade, incerteza e velocidade de mudanças”, destaca Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail.
Como esse jovem consumidor é ávido ainda por saber de quem está comprando e entender o propósito da compra, as empresas também precisam ter esse olhar. De acordo com Schifino, e nas palavras dele, “é uma geração que está mais preocupada com o final do mundo do que com o final do mês”. Esse novo público exige que o varejista seja transparente com seu propósito, efetivamente rápido, já que são muito ansiosos devido ao vários inputs permanentes, e que entregue uma boa resposta de valor na relação custo x benefício.
Nos shopping centers, a transformação de oferecer o retailment, misto de varejo e entretenimento, tem sido a maneira de se adaptar e é um movimento crescente e mais relevante do que no passado. Essa ressignificação pode ser vista em centros de consumo do mundo inteiro, com ambientes muito mais voltados a serviços e entretenimento do que simplesmente o varejo.
As lojas físicas também ganham outro significado e precisam ser reinterpretadas. “Ampliam seu papel e passam a ter uma função determinante na captura, manutenção, ativação e engajamento de clientes, gerando dados. Operam como hub logístico, de serviços e experiências e tudo isso também passa pelo shopping center. O cenário brasileiro é totalmente diferente do americano, o shopping é um equipamento urbano, metropolitano, conveniente, seguro, próximo do cliente, funciona muito no entorno e em suas áreas primárias e secundárias. Ele transformou seu mix, incorporando serviços, soluções, educação, saúde… O shopping pode se tornar um grande ponto de relacionamento e de consumo, mas também de serviços, conveniência, de hub logístico, e, claro, de lazer e entretenimento”, afirma Serrentino.
No varejo físico, há ainda a evolução de algumas lojas temáticas com experiências mais imersivas. Como não há dissolução entre o físico e o digital, é preciso entender as linguagens e usar as redes sociais, por exemplo, para gerar conhecimento e aproximação. “É lenta a adaptação do mercado para esses ambientes que geram mais interesse dessa geração. O consumo presencial é muito relevante e a pesquisa do reconhecimento da marca acontece nas redes sociais. O físico traz com clareza a bandeira de uma empresa, mas é preciso ter presença no digital. Eles são muito complementares”, conta Schifino. Mas experiência on-line precisa estar equiparada ao presencial. “A ideia é passar de um para o outro sem perceber. Se o canal digital é muito diferente do físico mostra que a empresa não está bem. O entendimento do valor do on-line é uma questão de mindset”, menciona a palestrante Beia.
Segundo Fernanda, como há uma transformação em todas as camadas da sociedade, as iniciativas do varejo devem envolver pontos como o senso de responsabilidade em parceria com famílias e escolas, a busca do equilíbrio entre tecnologias imersivas e iniciativas presenciais, criatividade na comunicação, transparência, uso das lojas físicas como espaços de conexão e de senso de comunidade, oportunidades com in-game marketing, entre outros pontos.
E faz uma provocação: “O varejo precisa assumir um papel ativo de responsabilidade social e coeducação das novas gerações. Incentivar consumo consciente, vaidade sem exagero, autoestima saudável e saúde mental se faz cada vez mais necessário. Precisamos mudar o foco de uma cultura predadora- que vê a nova geração como uma presa a ser entendida e controlada para consumir mais – para uma cultura cuidadora – que enxerga as crianças e adolescentes como uma população que precisa ser cuidada e orientada.”
Metaverso e web 3.0
“O impacto da web 3.0 no consumo é semelhante ao que tivemos com o surgimento da energia elétrica.” Com essa defesa, Schifino mostra o quanto esse recurso mudará a interatividade entre as pessoas, já que é um ambiente descentralizado que democratizará ainda mais a utilização das plataformas. No entanto, isso acontecerá aos poucos já que ainda é muito incipiente no mundo, apesar de já ter surgido conceitualmente com blockchain.
“Hoje, as plataformas que dominam estão nas mãos de big techs e o desejo é que seja mais pulverizado e surjam outras oportunidades das sociedades se organizarem, que não dependam dessas organizações. Mas o mais importante é que a web 3.0 realmente valoriza o conteudista. Não é mais possível se imaginar num varejo que só vendem os produtos. Nesse novo momento, é preciso ser um consultor do que está ofertando para a sociedade porque senão dificilmente terá relevância”, diz o sócio e fundador da FFX. As lojas com mais crescimento e respeito dos alphas são aquelas que têm vendedores preparados para falar a verdade, inclusive, dizendo quando o produto não é adequado para determinada demanda.
Essa geração vai incorporar esse mundo mais imersivo, conectado e com mais experiências virtuais de forma nativa. “O metaverso invadirá a educação, o conteúdo, o entretenimento e a mídia, tendo uma convivência com extensão para consumo e varejo muito mais natural para os alphas e para os mais novos da geração Z. E isso acontecerá conforme eles vão crescendo e vivenciando, por exemplo, a internet ultrarrápida do 5G e a gameficação dentro do próprio universo virtual”, diz Serrentino.
Mas como as marcas podem se posicionar dentro do metaverso de forma inteligente, cautelosa e ética para contribuir para a formação das novas gerações? Com base nesse questionamento, Fernanda acredita que é possível aproveitar para criar uma cultura nova para o varejo, pautada no ‘cuidar e orientar’ as crianças. “Senso de comunidade, interação constante, construção ativa e troca social são elementos marcantes dentro de jogos como Roblox, Fortnite e Minecraft e podem ser caminhos potentes para as marcas interagirem com a geração alpha”, sugere.
Pilares fundamentais
O ESG (Environmental, Social and Governance), que inclui também os temas de diversidade, equidade e inclusão, é o bilhete de entrada para esse mundo híbrido. Não é uma questão que possa ser negociada e, mesmo que a maior parte das empresas do mundo sejam lideradas por pessoas com mais de 55 anos, que pensam diferente dessa geração que está impactando fortemente o consumo, esses líderes têm que fazer com que o ESG seja uma realidade. “Em geral, as equipes são muito semelhantes ao líder e não ao mundo e à comunidade em que estão inseridas. Então, a recomendação é que as companhias formem times diversos que pensem diferente, para ser possível entender qual é o melhor momento de se comunicar. Quem não tiver uma equipe que consiga enxergar toda a diversidade e inclusão que o mundo exige, provavelmente, será cancelado e isso será mais rápido do que se imagina”, afirma Schifino.
De acordo com Serrentino, a agenda ESG também foi tracionada pela pandemia, se popularizando e se tornando central. “Essa consciência socioambiental e de boa governança tem que caminhar integrada com essa visão estratégica. O mercado de investimentos passou a identificar uma correlação de boas práticas de ESG a mais valor a longo prazo porque gera empresas mais perenes, saudáveis e sustentáveis”, afirma o fundador da Varese Retail.
As gerações mais novas têm ainda um nível de consciência, vigilância e preocupação com esses temas maiores. Existe a tendência que elas sejam mais conscientes, empurrem as empresas para comportamentos mais transparentes, e isso deve ser muito positivo para sociedade como um todo e para os negócios. “São mais sensíveis, mas não significa que isso já seja um fato discriminante. Ao vermos o comportamento de compras não necessariamente estão preocupados com ética, mas muito por valor percebido”, pontua o fundador da Varese Retail.
Outro comportamento latente da geração alpha é o ativismo climático, tendo a jovem Greta Thunberg, ativista socioambiental sueca, hoje, com 19 anos, como espelho. “A questão é sobre o mundo existir ou não. Eles querem lutar pelas questões ambientais, conversar com quem discute e apoia iniciativas de sustentabilidade. Isso é muito profundo”, esclarece Beia.
Segundo o sócio e curador da FFX, a transformação acontece em muitas esferas, não só no varejo, mas no ensino, no entretenimento e no serviço. “Temos convicção de que o que nos trouxe até aqui não é suficiente para nos levar daqui para frente. Talvez, seja importante colocarmos a sandália da humildade e se dedicar a estudar sobre essa nova maneira de ver o mundo. Assim como as anteriores, a alpha e a Z têm muitas imperfeições, dificuldades e ansiedades. Então, é hora de ajudá-los e aprender com eles o que é novo para nós”, finaliza Schifino.