MAR/ABR 2023 - Edição 246 Ano 36 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Shoppings em edifícios históricos

6 de abril de 2023 | por Solange Bassaneze / Fotos: Divulgação
Empreendimentos que resgatam o passado, atuam no presente e projetam o futuro, tendo grande relevância na vida da população e no desenvolvimento das cidades

Desde o descobrimento do Brasil, em 22 de abril de 1500, há muita história para ser contada, relembrada e até mesmo questionada, sendo que muitas delas guardam registros de fatos relevantes. Por isso, preservar o patrimônio cultural é mais que essencial para manter viva a memória e a identidade de um povo. E uma das formas mais visíveis, de natureza material, são as construções e elas nem precisam ser tombadas para carregar em suas estruturas um pedaço do passado. Alguns shoppings do Brasil estão localizados em edifícios históricos e são um convite a esse estudo. Por isso, vamos fazer esse passeio no tempo e mostrar como os diferentes períodos – ainda que na Idade Contemporânea – são realmente instigantes.

Cartão postal de São Paulo

A arquitetura neoclássica do Shopping Light é um marco do centro da capital paulista. O prédio icônico Alexandre Mackenzie foi construído para ser sede da empresa de energia Light, posteriormente, Eletropaulo. Inaugurado em 1929 e tombado oficialmente pelo Patrimônio Histórico como monumento de interesse arquitetônico em janeiro de 1987, o imóvel foi colocado à venda em 1999, quando companhia de energia foi privatizada, e se transformou em um shopping center. “Em junho de 2015, foi adquirido pela Gazit Brasil e passou por um processo de manutenção com foco no tenant mix, sistema de ar-condicionado e escadas rolantes”, relembra Mia Stark, CEO da Gazit Brasil.

O edifício para abrigar a companhia de energia foi construído após a demolição do Theatro São José

Espaços antigos ainda fazem parte do imóvel como o balcão em que os clientes pagavam as contas de energia e os primeiros elevadores instalados em São Paulo, da marca Otis, originais do início do século XX, feitos de cobre, ferro e madeira. É possível também ver detalhes raros com lustres antigos e claraboias em mosaico. “Sem dúvida, uma das experiências mais impactantes são o uso dos elevadores de 1929 que dão acesso ao Complexo Priceless, uma área multifuncional com experiências gastronômicas e de entretenimento”, pontua a CEO da Gazit Brasil.

Entre as áreas preservadas estão as fachadas externas e internas, hall dos elevadores e escadarias. “Para executarmos a manutenção, precisamos manter contato direto com os órgãos de tombamento, informando as ações necessárias, desde as mais simples, como limpeza de fachada e substituição de toldos, até as grandes intervenções, como retrofit e reativação dos três elevadores tombados.” Para isso, a equipe de operações mantém um cronograma personalizado. Em casos mais específicos, é necessário alinhamento junto ao Condephaat e Conpresp para diretrizes e autorizações.

Escada tombada do Shopping Light

Em situações em que há a necessidade de recuperar algum elemento original do edifício, como recomposição de azulejaria, empresas especializadas em restauro são contratadas para realizar a pesquisa dos materiais e produzem peças que se aproximam dos itens originais, contando também com a consulta dos órgãos de tombamentos para validação da ação.

“Atualmente, nossos pontos de atenção são estruturas classificadas como tombadas, como fachadas internas e externas, tratamento de madeiras e pedras originais do prédio, manutenção de lustres e elevadores”, conta Mia. 

Com sete piso ativos e fluxo de 30 mil pessoas por dia, o Shopping Light mantém um laço com capital paulista. “Nosso prédio é cartão postal da maior cidade do país e um dos imóveis mais imponentes do centro histórico. É impossível pensar em São Paulo sem lembrar das icônicas janelas com toldos vermelhos e sentimos orgulho em saber que ele desperta memórias afetivas nas pessoas. Muitos de nossos visitantes ainda se recordam da época que frequentavam o prédio para resolver questões junto à empresa de energia Light”, destaca Mia.

A construção possui uma passagem subterrânea que leva ao Theatro Municipal de São Paulo e à Galeria Formosa, muita usada na época pela superintendência da Light para acessar as salas de espetáculo com conforto e segurança 

Com 18.774 m2 de ABL e 132 operações, o ativo passou pelas últimas obras de expansão em 2017, ampliando a área de lojas e mexendo no mix. Foi realizado ainda um retrofit completo, que envolveu a troca dos revestimentos dos pisos e a reforma dos sanitários. O empreendimento passa agora por um novo processo. “Queremos sedimentá-lo em outlet, tornando-o um ponto de encontro da população que frequenta o centro histórico com as maiores marcas do mundo.”

O Shopping Light é um polo de atração de investimentos para a região por meio de suas lojas e atividades terceirizadas, gerando mais de 600 empregos diretos. “Trabalhamos para ser um centro de compras e de entretenimento acessível e seguro. Nosso cuidado, paixão e dedicação com o prédio histórico no dia a dia acabam motivando outros empresários do centro a também manterem e preservarem seus imóveis.” 

O Shopping Light tem grande conexão com a área externa, que engloba o Teatro Municipal, a Prefeitura, e o Vale do Anhangabaú | Foto: Ale Santos e Diego Nata

Para quem quiser conhecer mais sobre a história, pode participar do Walking Tour, que começa na área interna do Shopping Light com informações sobre sua arquitetura e contexto histórico e segue com uma caminhada por outros pontos icônicos.

Sua arquitetura é explorada em alguns eventos, em 2021, por exemplo, o shopping recebeu o ballet aéreo do Ballet de SP em comemoração aos 469 anos da cidade 

 “Em 2022, promovemos 11 edições do passeio, com 50 participantes em cada uma delas. Devido à alta demanda, passamos a fazer dois Walking Tours por mês esse ano.” Além disso, o Museu do Light, que passa por uma reformulação, tem reinauguração prevista para o segundo semestre. Então, vem mais novidade por aí. 

Emblemático na arquitetura e na vida dos brasilienses

Desenvolvido pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa, o Plano Piloto de Brasília é tombado pelo Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco desde 1987. A capital federativa é um deleite da arquitetura. Na época de sua construção, o projeto previu a implantação dos setores de Diversões Norte e Sul. No primeiro, fica o Conjunto Nacional, cartão postal da capital federal, com imponente fachada, assinada pelo artista plástico Athos Bulcão. Seus letreiros luminosos são um dos marcos de Brasília e suas luzes podem ser avistadas com muita distância, inclusive, durante o pouso e a decolagem de aeronaves. 

O edifício conta com seis andares, o shopping ocupa do térreo ao terceiro piso

A história de se tornar um shopping começou a partir de um encontro de Donald Stewart, que era presidente e acionista da construtora Ecisa – uma das responsáveis para construir Brasília –, com Sérgio Carvalho, que tinha vendido o banco Andrade Arnaud e montado a holding Ancar. A aproximação entre os dois se deu quando Carvalho foi à Brasília após receber um convite para ser diretor do Banco do Brasil. O intuito de Stewart era buscar um financiamento para concluir a obra do Conjunto Nacional, mas isso não era possível. Então, a conversa avançou para uma proposta mais inovadora: um convite à Carvalho para se tornar acionista do Conjunto Nacional. E assim nasceu o primeiro shopping de Brasília em 1971. “Meu pai sempre teve um olhar inovador e até um pouco ousado para a época. Ele vinha de uma família que tinha uma das maiores instituições de crédito do país na década de 1960. Em 1970, com apenas 33 anos, liderou a venda da instituição financeira impulsionado pela gestão moderna que ele e seu irmão, Raul Luiz, tinham imprimido ao negócio. E foi por esse ímpeto que veio o convite para se tornar sócio do segundo shopping center a ser inaugurado no Brasil, o Conjunto Nacional, que segue sendo uma potência no país e tem mais de 50 anos de história”, relembra Marcelo Carvalho, copresidente da Ancar Ivanhoe.

“O empreendimento foi construído em três etapas: em 1971, 1974 e 1977. Em quase 120 mil m2 de área construída, tem uma ABL de 44 mil m2, com 282 lojas e torres com 410 salas comerciais”, detalha Hélio Ribeiro, superintendente regional da Ancar Ivanhoe. Ao completar meio século em 2021, passou por uma ampla reforma de modernização da área física.  No mesmo ano, teve concluído o retrofit das fachadas secundárias, que complementa a icônica fachada frontal, um dos cartões postais de Brasília. Recentemente, também inaugurou o Jardim Urbano, que conta com operações gastronômicas e recebe eventos culturais ao ar livre.

“Ao comparar o Conjunto Nacional com o Conic, que fica no setor de Diversões Sul, é possível ver nitidamente a diferença de uma administração profissional. O Conic é muito depreciado e o Conjunto é um sucesso e faz parte do coração do brasiliense. Ao completar 50 anos em 2021, fizemos diversas ações com o mote “Feito de você”, para enfatizar o quanto ele sempre está se transformando e se adaptando àquilo que o brasiliense mais busca, seja em marcas, entretenimento, gastronomia… Elaboramos ainda um manifesto e fizemos uma websérie com 50 episódios para esse momento”, conta Ribeiro.

A fachada é a única área tombada, o que exige um movimento de luzes nos painéis de 12 m x 18 m. “No início, a iluminação era toda em neon, o que acabava queimando com mais facilidade. Então, fomos ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico) e pedimos para serem em frontlights, dando mais perenidade, mas mantendo a luz nas molduras”, diz Ribeiro. Em datas especiais, o empreendimento também explora esse jogo de luzes em campanhas como Maio Amarelo e Outubro Rosa.

A fachada do Conjunto Nacional sempre foi cartão de postal de Brasília

Quanto aos anunciantes que aparecem nos painéis é uma decisão comercial da Ancar Ivanhoe, que tem como responsabilidade fazer a manutenção da fachada e seguir os padrões do IPHAN, conforme as diretrizes do tombamento. “Sempre oferecemos essa oportunidade aos nossos lojistas do Conjunto e, posteriormente, às marcas que não são concorrentes em outros shoppings. Às vezes, ainda usamos para anúncios institucionais.”

Como está no coração de Brasília, ao longo dessa jornada de 51 anos, o Conjunto Nacional Brasília trouxe mudanças para o entorno e para a comunidade, proporcionando desenvolvimento contínuo e emprego. “Ele consegue atender todas as classes sociais de uma maneira muito democrática e o cliente encontra tudo o que precisa. Havia uma época em que 50% do total de geladeiras vendidas em Brasília eram provenientes de compras realizadas nas operações de eletrodomésticos do shopping. Então, ele está arraigado na vida da população em diferentes momentos”, recorda Ribeiro. É tão querido que os brasilienses simplificam seu nome e se referem ao local apenas como Conjunto. 

Ícone da Zona Norte do Rio de Janeiro

O Shopping Nova América, tombado pelo patrimônio histórico, preserva a arquitetura original da antiga Companhia de Tecidos Nova América, que funcionou de 1925 a 1991. “A fábrica, inaugurada na primeira fase da industrialização do Rio de Janeiro em um bairro em área rural, teve uma importância enorme para o desenvolvimento da região. No auge, empregou mais de 7 mil pessoas e, praticamente, construiu as casas para os colaboradores, pois não havia moradia por perto, dando origem ao bairro de Del Castilho”, relembra Carlos Martins, superintendente do Shopping Nova Iguaçu, que trabalhou como executivo na tecelagem por sete anos e, depois, no Nova América Outlet.

Além de ficar próximo à Linha Amarela, ao Estádio do Engenhão e do Maracanã, o Nova América tem um acesso direto ao metrô

Com o deslocamento do eixo industrial para áreas mais remotas e a abertura do mercado brasileiro para a importação de produtos, como tecidos e roupas, as fábricas do Rio de Janeiro passaram por dificuldades. “Diante disso, em 1991, a tecelagem foi desativada e, consequentemente, houve uma aceleração da degradação da região com o surgimento e crescimento de áreas de favelas ao longo do rio Jacaré e do trem/metrô e também do que veio a ser a Linha Amarela”, pontua Martins. 

A partir do momento em que se divulgou que seria aberto o Nova América Outlet Shopping, o processo de desenvolvimento foi retomado. “Então, surgiu um projeto precursor em 1995 jamais visto no país, tombado pelo patrimônio histórico, e preservando a arquitetura original da fábrica toda em tijolinhos, estilo inglês do início do século”, ressalta Júlio Ferrer, superintendente do Shopping Nova América. Na época, as pessoas ficaram animadas, pois sabiam que o empreendimento traria desenvolvimento, geração de empregos e valorização imobiliária. A inauguração da Linha Amarela impactou positivamente a operação, trazendo mais fluxo para o mall. 

A fachada da Martin Luther King Jr é tombada 

Na época da aquisição, os investidores analisaram o quanto a região era próspera, sem nada parecido por perto, tendo um olhar visionário para essa grande oportunidade. “Chegando aos dias atuais, é considerado um pioneiro no conceito de shopping multiuso e um importante aglutinador de tendências do varejo. Um local onde história e modernidade chegam ao alcance de todos”, enaltece Ferrer.

Inaugurada em 2002, a Rua do Rio conta com 17 bares e restaurantes em uma área ao ar livre muito aconchegante no Shopping Nova América

Em 2002, o ativo passou por reposicionamento, deixando de ser outlet, e aconteceu sua primeira expansão, trazendo o conceito multiuso e com o aumento de ABL – de 27.370 mil m2 para 63 mil m2. Nessa época, surgiram mais lojas, salas no CENA, a Universidade Estácio e a Rua do Rio. “Em 2012, com a segunda expansão, o Shopping Nova América se tornou o maior complexo multiuso da cidade com três torres comerciais, 22 mil m² de lajes corporativas, academia e dois hotéis com mais de 420 quartos”, explica o superintendente Ferrer. Durante as obras, o tradicional tijolinho do shopping não foi usado para que houvesse uma clara distinção entre o novo e o antigo. Quando aconteceu um incêndio de grandes proporções em 2015, parte da fachada foi atingida e houve a necessidade de restauração. 

Atualmente, são quase 84 mil m2 de ABL, por onde circulam mais de 1,7 milhões de pessoas por mês. O complexo conta com 304 operações. Entre as opções gastronômicas, a Rua do Rio oferece um ambiente acolhedor e com a cara da região boêmia da cidade. O complexo conta ainda com universidade, quatro bancos, clínica de diagnóstico e imagem, laboratório, clínica popular, loteria, cinema, correios, serviços de estética e bem-estar e muito mais. 

“O Nova América também assumiu o protagonismo com a comunidade por meio de diversas ações sociais e de sustentabilidade, trazendo mais qualidade de vida e renda para a população. Desde sua inauguração, por exemplo, mantém o projeto Plantando o Amanhã, uma unidade escolar para as crianças do entorno,”, relata Ferrer. 

Máquinas da antiga fábrica estão em algumas áreas como essa. Já o storytelling com a história pode ser visto no corredor do Espaço do Cliente e ainda há fotos históricas nas paredes do acesso ao subsolo

Quem acompanhou essa transformação e viveu esses dois momentos de perto como Martins pode ver o quanto o Nova América gerou mais empregos e prosperidade para a região, trazendo muita valorização imobiliária com a chegada de projetos residenciais, hotéis e empreendimentos corporativos com grandes e média empresas.

Tijolos com mais de 130 anos de história

A arquitetura do Bangu Shopping é uma aula de história na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O empreendimento foi construído no centenário prédio, tombado pelo IPHAN da antiga Companhia Progresso Industrial do Brasil, conhecida como Fábrica de Tecidos Bangu. A tecelagem, fundada em 1889, foi importantíssima para a urbanização e o desenvolvimento da região e até financiava casas para os funcionários. Essa indústria fez com que a área rural se transformasse rapidamente em um bairro urbano. Na época, foram construídas a Estação Ferroviária de Bangu, o ramal ferroviário de Santa Cruz e a Paróquia de São Sebastião e Santa Cecília.

Nas décadas de 1950 e 1960, a tecelagem ganhou projeção na alta moda, inclusive, promovendo desfiles de grande repercussão, recebendo estilistas de fora do país e exportando tecidos. No entanto, o setor têxtil foi afetado com a importação, especialmente, quando começou a entrada de produtos do mercado asiático. Como isso, o processo de decadência teve início. Em 2005, a famosa fábrica encerrou as atividades e o lugar foi ocupado pelo Bangu Shopping, que reativou o desenvolvimento dessa região, tornando-se o coração da região.

As obras para a instalação de um shopping envolveram outros cuidados. “Adaptar qualquer edificação a um novo uso é sempre desafiador, ainda mais uma edificação tombada e tão amada pela população do bairro e arredores. Então, preservamos os espaços construídos”, conta Lili Oliveira, gerente de marketing do Bangu Shopping.

O tombamento inclui as fachadas, todas as paredes de tijolinhos, vigas e pilares metálicos, madeiramento do telhado e telhas da cobertura. “Quando precisamos fazer a manutenção dessas áreas, contratamos empresas especializadas em conservação e restauração de patrimônio histórico, cadastradas no IPHAN/Secretaria de Patrimônio. Além disso, a equipe de manutenção do shopping é composta por profissionais com formação em arquitetura e engenharia”, destaca Lili. 

Inaugurado em 2007, o Bangu Shopping é considerado um dos grandes centros comerciais da Zona Oeste do Rio de Janeiro, sendo um polo de serviços e entretenimento, com cinema, teatro, Poupatempo e até uma loja de material de construção, a Leroy Merlin. Com quase 58 mil m2 de ABL, possui 200 operações e recebe 1,8 milhão de visitantes por mês. 

Estátua de Thomas Donahoe, do artista plástico Clécio Regis

 Além da arquitetura industrial inglesa secular, o empreendimento também preserva a memória da fundação do time de futebol, Bangu Atlético Clube, em 1904, por isso, no acesso próximo à capela, foi construído um monumento em homenagem ao Thomas Donohoe, considerado por muitos banguenses o verdadeiro introdutor do futebol no Brasil. “Placas contam como sua história se funde com as da fábrica e do bairro. E, neste ano, somos um dos patrocinadores oficiais do Bangu Atlético Clube.”

Para contar toda essa trajetória instigante de dois propulsores do progresso da região, recentemente, foi inaugurado um espaço, em que é possível ver imagens da fábrica e de seus funcionários. “Além disso, vamos fazer uma pequena exposição pelo mall com itens e artefatos que guardamos como, por exemplo, o sino da torre. Não posso contar mais para não perder o gostinho de surpresa do que vem por aí.”

Lili reforça que a relação afetiva do empreendimento com os consumidores que vivenciaram os momentos com a tecelagem e, agora, com o shopping é de muito amor e identificação. “É incrível como os nossos clientes gostam de ver o quanto preservamos a fábrica e sua história. No dia a dia da operação, sentimos que somos abraçados pela comunidade.” No mall, todos os dias, às 9h55, uma sirene é tocada para avisar aos lojistas que o shopping já abrirá, aflorando a memória de todos.

Operários durante a visita de Getúlio Vargas à fabrica em 1936

O pioneiro de Curitiba 

O Shopping Mueller completará 40 anos em setembro desse ano, mas suas fachadas datam de 1878, mantendo viva a história da Fundição Mueller Irmãos no Centro Cívico de Curitiba. A fábrica se tornou um grande complexo industrial, contribuindo para o progresso da cidade. Nos anos 1970, foi vendida devido a problemas financeiros e, assim, desativada. Com o processo de modernização da época, empresários foram perspicazes e vislumbraram o potencial da edificação para desenvolver o primeiro shopping da capital paranaense. A compra se deu em 1978 e as obras do shopping começaram em 1981, preservando a fachada. No entanto, parte dela estava deteriorada e precisou ser restaurada. 

“Naquele momento, o que se entedia por preservação era manter o mesmo padrão. A fachada foi refeita para manter as características antigas do prédio e as intervenções aconteceram durante a construção. É possível observar o contraste do que é histórico, pois, ao longo dos anos, as mudanças se restringiram à adequação de logomarca”, conta Daniela Baruch, superintendente do Shopping Mueller. A fachada é patrimônio tombado na categoria Unidades de Interesse de Preservação (UIP). Com isso, são prescritas regras de restauro, sendo que uma delas é que as interferências construtivas não imitem a arquitetura do prédio, devendo haver contraposição arquitetônica. Por isso, fica nítido de se observar.

Imagem da construção no início dos anos 1980

No momento em que se decidiu construir o shopping, manter o nome Mueller foi uma decisão estratégica. A fundição era um ponto consolidado em que todos sabiam onde ficava, e, ao mesmo tempo, estavam trazendo algo novo: um shopping. Com essa forte referência à antiga fábrica, o nome foi mantido. “Por estar no Centro Cívico, essa região é o pulmão da cidade. Temos todos os órgãos públicos como governo do estado, prefeitura, fórum… A própria Avenida Cândido de Abreu, principal via do shopping, tem a paisagem tombada e é bem imponente.”

Registro da fachada voltada para Avenida Cândido de Abreu em 1990

Assim como a fundição, o Shopping Mueller continuou a jornada de desenvolvimento de Curitiba, estreitando os laços com a comunidade. “Todo mundo tem uma história para contar. É o shopping do coração do curitibano e existe uma relação de confiança tanto que as grandes marcas escolhem entrar em Curitiba por aqui. Apesar de completar 40 anos em 2023, sempre se manteve muito atualizado e renovado.”

Com 32 mil m2 de ABL, o shopping conta com 185 operações e recebe um fluxo de 35 mil pessoas por dia. Por estar em uma área comercial e residencial, tem movimento constante nos sete dias da semana. O empreendimento também atrai muitos turistas, por fazer parte das áreas históricas da cidade. “Estamos em uma região onde há construções bem preservadas. Então, a própria arquitetura motiva essas visitas. Além disso, ele fica em frente ao Passeio Público, o mais antigo parque da cidade”, conta Daniela. 

Imagem do empreendimento em 1992, em que é possível ver como era o estacionamento

 No início dos anos 2000, o empreendimento ganhou um cinema com oito salas, atendendo ao desejo dos clientes. Como prédio não tem capacidade de expansão na área edificada por ser uma UIP, a solução encontrada foi desativar o estacionamento de um dos pisos e erguer um edifício-garagem que suprisse e aumentasse o número de vagas. Os espaços foram interligados por uma passarela suspensa com esteiras rolantes com vista panorâmica, sendo a primeira em via pública da América Latina. E isso tudo aconteceu há 20 anos.

Passarela que interliga o shopping ao edifício garagem 

Em alguns corredores, registros fotográficos detalham a história do prédio secular, mas os depoimentos dos moradores são os que mais enriquecem essa memória e, muitas vezes, são compartilhados em redes sociais. “Nossos clientes nos ajudam muito a contar essa história. Com certeza, estaremos resgatando essa memória agora setembro, quando o shopping completará 40 anos.”

A iluminação externa é bem impactante e, por isso, quando chega o Natal, há uma grande expectativa da população pela decoração Foto: Marcelo Stammer

Antigo quartel

Uma construção de 1896, projetada para abrigar a sede do 5º Batalhão Logístico do Exército. É esse edifício que, hoje, abriga o Shopping Curitiba, mais um empreendimento que leva o visitante a uma imersão ao passado da cidade.

Foto: Priscilla Fiedler

 “Em 1989, iniciaram-se as negociações para a venda do local e, em 1996, o empreendimento foi inaugurado. A fachada original foi mantida e está com grande parte do seu formato preservada. O principal desafio é realizar as manutenções necessárias e pequenas ações de restauro, devido aos danos causados pelo tempo, respeitando sempre sua memória e seu entorno. É uma Unidade de Interesse de Preservação (UIP) e contamos com profissionais capacitados para realizar as ações de conservação”, explica Luciano Koiti Abe, superintendente do Shopping Curitiba.

Em 2022, a fachada foi revitalizada durante cinco meses. Para esse trabalho, por exemplo, fizeram um escaneamento a laser do local, possibilitando a captura de todos os seus detalhes. “A quantidade de informações produzidas por este equipamento especializado é enorme, na casa das dezenas de milhões de pontos por ponto escaneado”, relata Abe. 

Imagem do 5º Batalhão Logístico do Exército

Com arquitetura eclética, a fachada é formada por figuras geométricas, semiarcos e esquadrias de madeira. Nos anos 1940, ganhou uma escadaria em granito e dois portões de ferro. “O ecletismo despontou como movimento arquitetônico em diversas cidades do Brasil no final do século XIX. Utilizando-se do gótico, do barroco, do renascentista, do neoclássico, entre outros estilos, é marcado pela mistura deles, o que dá mais liberdade na composição e pode ser vista na edificação”, descreve o superintendente.

Aqui é possível ver a antiga escadaria, que depois foi revitalizada 

Para relembrar essa ligação do Shopping Curitiba com o passado, já foram promovidas algumas ações no mall, como uma exposição gratuita com mais de 75 itens que marcaram a história do lugar, com uniformes, fotos, álbuns, revistas e utensílios dos soldados da época.

Por ser um dos primeiros da cidade, o Shopping Curitiba contribui fortemente para a valorização da região e se tornou um dos mais queridos dos curitibanos. “Temos um público bastante fiel, principalmente de moradores do entorno, atingindo um fluxo mensal de 750 mil visitantes por mês. Praticidade, organização, comodidade e um ambiente agradável, onde o cliente se sente muito à vontade, estão entre os nossos diferenciais. É também frequentada por turistas, com hotéis, restaurantes, praças e pontos turísticos. Temos operações que atraem especificamente esse público.” 

Com 26.700 m2 de ABL, o ativo tem 162 operações e, em 2009, foi totalmente revitalizado com intensa renovação do mix, agregando lojas e restaurantes de alto padrão, além do Largo Curitiba, um charmoso espaço de música, cultura e gastronomia com ares de vilarejo e referências arquitetônicas ao estilo de vida curitibano. 

À noite, a iluminação destaca a beleza da edificação

Em algumas datas, a arquitetura do empreendimento é explorada de forma a evidenciar ainda mais sua beleza. “No Natal, iluminamos toda a fachada com mais de 30 mil microlâmpadas, essa ação já é tradicional na cidade e é um grande atrativo tanto para turistas quanto para os moradores locais.” Também já usaram o recurso das luzes por diversas vezes durante o Outubro Rosa. E, no aniversário de 329 anos de Curitiba, a escadaria foi decorada com centenas de balões, fazendo um grande sucesso.

Dos trens às compras

As ferrovias brasileiras foram importantes para o progresso do país, possibilitando o transporte de pessoas e a comercialização de produtos. E muitas vezes, era o único meio existente. Em alguns casos, foram desativadas como é o caso da antiga estação ferroviária no bairro Rebouças, em Curitiba (PR). Seu lugar foi ocupado pelo Shopping Estação. “Inaugurado em 1997, o empreendimento, originalmente projetado como um local de entretenimento, uma inovação para a cidade e o Estado, foi pensado e realizado para manter a concepção original da construção, integrando o antigo e o novo, valorizando a iluminação natural e os jardins internos”, diz Fabio de Oliveira, superintendente do Shopping Estação.

Com isso, todas reformas foram elaboradas e executadas seguindo as orientações da Coordenadoria de Patrimônio do Estado do Paraná, órgão responsável pelo tombamento da Estação e de seu entorno. “Os projetos passavam por revisão do referido órgão e somente eram executados com a anuência do mesmo. Tudo foi pensado para manter a identidade do prédio, até na cobertura de vidro do telhado, em algumas partes não foram aplicados filtros, para não alterar a vista original.” 

O Shopping Estação teve a primeira expansão e revitalização em 2002, com a chegada de operações como Renner, Riachuelo, Americanas e Marisa

O shopping abriga ainda o Museu Ferroviário, uma área preservada, em que todo o mobiliário existente é removível e as paredes antigas foram conservadas e as novas, construídas para a exposição, são de drywall. Para mantê-lo em perfeito estado, foram realizados cuidados especiais como climatização apropriada, manutenção da pintura original do prédio e restauração de peças. Além do Museu, a fonte de água do Shopping Estação faz o maior sucesso, é praticamente outro ponto turístico e histórico da cidade.

Nas visitas ao Museu, é comum ver tanto pessoas que têm relação com o passado desde avós com netos, pessoas que já trabalharam com trens até aqueles com alguma história de família para contar. “Mas há também os que desconhecem esses fatos e, quando entram no local, conseguem entender um pouco de como foi a cidade e a importância que a estrada de ferro teve”, reforça Oliveira.

Para preservar ainda mais essa memória, em 2019, o empreendimento investiu em um novo atrativo: o Expresso Estação, que traz uma experiência interativa para que o visitante conheça os segredos da ferrovia estadual, projetada pelos irmãos engenheiros Rebouças. “O vagão, ambientado como um trem de época, faz a viagem de Curitiba a Paranaguá pela Serra da Graciosa. Cada sessão dura 15 minutos e é gratuita.

O maior conjunto privado tombado do Rio Grande de Sul

A famosa cervejaria dos Bopp & Irmãos, inaugurada em 1911, tornou-se na época a principal fábrica da bebida em Porto Alegre (RS), seguindo o movimento de industrialização do século XIX devido ao processo de imigração com a chegada dos primeiros colonos alemães ao estado. Mais tarde se fundiu à Cervejaria Continental, e, em 1946, foi adquirida pela Brahma, e permaneceu em funcionamento até o final dos anos 1990, quando a companhia decidiu mudar a sede para Viamão. Anos depois, foi vendida para implantação do Shopping TOTAL, inaugurado em 2003. 

Os prédios 1, 2, 3, 4, 6 são tombados Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, que, atualmente, contam com operações múltiplas, parte do hub de saúde e educação, a Unimed, Senac Distrito Criativo, a Faculdade Moinhos de Vento e lojas-âncoras 

“A revolução das cidades exigiu que as fábricas descontinuassem suas atividades nas áreas mais urbanas, indo para distritos industriais para não criar conflitos como transporte de cargas e de acesso e ainda preservar o meio ambiente. E recebiam atrativos tributários para realizar essa mudança. Com a fábrica desativada, os empreendedores se encantaram ao ver essa alternativa para a construção do Shopping TOTAL, em um terreno de 70 mil m2 com uma edificação simbólica da cidade, no qual era permitido que fossem agregados prédios com características modernas para compatibilizar o histórico”, conta Eduardo Oltramari, superintendente do Shopping TOTAL.

Inicialmente, receberam os prédios tombados em suas posições originais e agregaram construções para dispor de um shopping, hoje, com mais de 450 lojas. “Primeiramente, foram inauguradas as áreas novas, em seguida, o prédio 7 e a compatibilização do prédio 6, que, hoje, conta com o supermercado Zaffari. Na sequência, os demais.”

Com 21 mil m2 de ABL, os seis edifícios tombados têm restrições de uso, porque existe um compartilhamento dos espaços, e ainda têm os túneis preservados, levando a um passeio pela história da época e das cervejarias. O prédio 4 é o mais impactante e transporta o visitante para o século passado por ter muitos detalhes arquitetônicos e alegorias, objetos de estudo dos historiadores. “É o maior conjunto de prédios privados tombados do Rio Grande do Sul, com frente para diversas ruas e uma representatividade muito grande.”

As obras para abrigar o shopping sempre seguiram diretrizes do IPHAN, Epahc, e Comphac para não criar qualquer conflito entre o novo e o histórico.

Um dos maiores desafios foi fazer a identificação histórica para realizar o restauro adequado do prédio original, especialmente porque alguns detalhes estavam descaracterizados pela ação do tempo. A história do início da indústria cervejeira em Porto Alegre é retratada na composição das fachadas com grandiosas estatuárias de cunho mitológico e figuras simbólicas ligadas à produção cervejeira. Os túneis, as caldeiras, as alamedas e a consagrada chaminé de 86 m de altura compõem um cenário único que desperta curiosidade e memórias.

Detalhes do edifício de 1911

Inserido em uma região nobre da cidade, o empreendimento revolucionou o bairro. “Era uma área degradada, que não se restringiu ao patrimônio e aos imóveis periféricos, mas socialmente também, pois a fábrica ficou fechada por um bom tempo até conseguirmos fazer essa negociação e iniciar a implantação do shopping.” O TOTAL permitiu uma revitalização com um boom e as áreas periféricas também passaram a ser atrativas. “No momento, em que oportuniza compras, entretenimento, lazer e gastronomia, os imóveis do perímetro tiveram valorização imobiliária de até 30% porque o shopping proporcionou acessibilidade, criando ruas por dentro do empreendimento”, diz o superintendente. 

Registro fotográfico da antiga cervejaria

Com 34.451 m2 de ABL e fluxo de 750 mil visitantes por mês, o complexo multiuso foi se lapidando às mudanças, evoluindo para dar espaço às demandas que foram surgindo. Mais recentemente, houve expansão na Faculdade Moinhos de Vento e a chegada de uma academia maior. Em breve, o Senac ocupará cinco andares do prédio 2. Com um mix muito diversificado, o Shopping TOTAL sempre se caracterizou por suas promoções, um grande atrativo para o público. Agora, que completa 20 anos, prepara uma programação de premiações a partir de maio. Além disso, segue com diversas ações culturais e sociais, muitas sendo realizadas nas grandes áreas abertas, limitadas pelo distanciamento dos prédios tombados, como Total Fest, uma exposição de carros antigos; Ceva no TOTAL, maior festival de cerveja do Rio Grande do Sul; Arraial do TOTAL, a festa em celebração a São João com direto a fogueira de 2 metros. 

O Shopping TOTAL atrai ainda muitos turistas por estar em frente a Rua Gonçalo de Carvalho – eleita como uma das ruas mais bonitas do mundo. Para conhecer detalhes da história, o empreendimento promove visitas técnicas a cada dois meses em parcerias com instituições de ensino ou órgãos públicos e também sob demanda da comunidade. “Vamos potencializar ainda mais esse processo de contemplação dos edifícios tombados em comemoração aos 20 anos”, revela Oltramari.

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