Sob os holofotes: diversidade e inclusão
Saiba quais são as mudanças necessárias para construir uma sociedade mais justa para todos e quais passos práticos o setor de shopping centers pode dar para que o debate se transforme em realidade nos empreendimentos
Di-ver-si-da-de, uma palavra polissílaba que carrega um significado polivalente e plural em que o respeito às diferenças é a maior igualdade que o ser humano pode ter. O debate não é de hoje, mas vem ganhando cada vez mais força em toda a sociedade, o que só torna o ambiente em que vivemos melhor. Além de estar presente no nosso dia a dia, o tema diversidade também deve envolver toda a cadeia empresarial. Muitas conquistas já foram vivenciadas, mas há avanços ainda a serem alcançados o que requer muita resistência, principalmente de quem vive e enfrenta a discriminação. Dentro dessa pauta, é preciso trabalhar lado a lado com a inclusão de cada indivíduo, não importando a raça, a etnia, a religião, a orientação sexual, o gênero, a classe social, a estética, se é ou não uma pessoa com deficiência, entre outros aspectos. Somos todos iguais, porém diferentes. E a busca pela equidade deve ser um dever de todos, assim como a igualdade é o direito de todos.
Para reforçar a importância desse assunto, a Abrasce lançou a cartilha “Abraçando a diversidade e a inclusão” com o intuito de sensibilizar e incentivar os associados a assumir esse compromisso e se tornarem verdadeiramente agentes transformadores da sociedade nessa temática. O material é bem explicativo e está disponível no site da associação. Baixe, leia, compartilhe e pratique onde quer que esteja.
“Representamos cerca de 400 empreendimentos – entre shopping centers e outlets – que recebem juntos, mensalmente, 340 milhões de pessoas em uma diversidade de origens, credos, etnia, gêneros, orientação sexual, características físicas, idades, formação cultural, expectativas, comportamentos, entre outras singularidades. Promover a diversidade nos shopping centers significa primeiramente exercer a cidadania, e, também, criar espaços livres de discriminação a todas as pessoas. Além disso, acreditamos que a promoção de um ambiente diverso potencializa a inovação: pessoas diferentes trabalhando em conjunto têm mais possibilidades de produzirem ideias diferentes, inovadoras, que não são alcançadas por pessoas homogêneas, que pensam de maneira semelhante e possuem o mesmo repertório de vida, por exemplo”, analisa o presidente da Abrasce, Glauco Humai.
No mundo virtual
Na internet, 99% dos sites brasileiros não têm acessibilidade atrelada. Isso afeta cerca de 46 milhões de pessoas, que precisam de algum recurso para conseguir navegar. Jaques Haber, head de impacto da EqualWeb e founder da iigual inclusão e diversidade, explica como é possível tornar estes conteúdos mais acessíveis. “Geramos uma linha de código java sript e indicamos onde deveria ser colocado. Ao ter um site acessível, a empresa continua com um só portal, atendendo aos diferentes perfis de usuários e suas necessidades específicas”, explica Haber.
O portal da Abrasce também passou a ser acessível a partir da Inteligência Artificial da EqualWeb. De acordo com Haber, foram adicionados 25 recursos. “A Abrasce se antecipa e se torna um benchmark. Vai acabar liderando um movimento, inclusive, com seus associados que se preocupam com isso também”, ressalta. A tecnologia da EqualWeb é feita para sites e sistemas web como intranet, sistema de ensino (learning management system) e cursos on-line.
A acessibilidade na web não é um tema em evidência, o debate ainda é muito tímido. “As empresas estão investindo muito em tecnologia, nos próprios sites e e-commerces, mas estão deixando de lado esse tema que é superimportante, não só do ponto vista social, mas de negócios por não atender bem às pessoas que precisam de acessibilidade digital e do ponto de vista de governança. Se fala muito de ESG (Environmental, Social and Governance), mas a falta de acessibilidade digital é um ponto falho no S de Social e no G no Governance”, destaca o head de impacto da EqualWeb.
Haber ainda relata que sua esposa, Andrea Schwarz, fundadora da iigual inclusão e diversidade, uma consultoria especializada na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, é PcD e por ser do grupo de risco, tem evitado locais de grande circulação. Apesar disso, continua consumindo no ambiente on-line – seja produto ou conteúdo – e, por isso, é importante que o setor e o varejo deixem seus sites acessíveis para atender clientes como Andrea.
A Ancar Ivanhoe também tem trazido a inclusão digital para seus negócios. De acordo com Marcelo Carvalho, copresidente da companhia, no Dia da Luta das Pessoas com Deficiência, comemorado em 21 de setembro, os sites de toda a rede ganharam um tradutor para a língua brasileira de sinais com os avatares Hugo e Maya, da Hand Talk. A ferramenta ainda permite com que todo o conteúdo seja acessado com audiodescrição, voltado para a inclusão de pessoas com deficiência visual. “Em paralelo, nossas redes sociais receberam a #PraTodosVerem, um texto alternativo que descreve as imagens estáticas das publicações, permitindo que recursos de audiodescrição consigam transmitir todas as mensagens contidas no conteúdo do Instagram e Facebook dos nossos shoppings”, revela o copresidente.
O setor em movimento
Os 601 shoppings brasileiros, que recebem milhões de visitantes por mês, precisam cada vez mais ser ambientes democráticos e livres de discriminação. Por isso, existe uma grande atenção dos empreendedores em trabalhar essa pauta de forma concreta.
Com a escuta de todos
O Grupo JCPM já tinha um olhar atento para seu processo de recrutamento, mas, ainda assim, sentiu a necessidade de criar um compliance de diversidade e inclusão. O trabalho começou em novembro de 2020 e foi formado um comitê, que envolve a alta direção, como o presidente e o vice-presidente executivo, e algumas áreas internas como Jurídico, Comunicação, Recursos Humanos e Desenvolvimento Social. “Ele foi constituído para que tivéssemos um olhar sobre nós e sobre os negócios, pois há uma presença significativa de visitantes em nossos shoppings e precisamos estabelecer procedimentos para que todos os colaboradores tenham a compreensão de que a diversidade e a inclusão são imperativos na sociedade de todo o mundo”, afirma Lucia Pontes, diretora de Desenvolvimento Social da JCPM.
A empresa decidiu antecipar esse comportamento e, atualmente, há uma consultoria fazendo uma sondagem com todos os colaboradores do grupo, para que a construção do compliance seja coletiva. Além disso, essa reflexão também foi levada ao público dos malls. “Fizemos um calendário e passamos a trazer campanhas em todos os shoppings do grupo para que possamos transmitir o nosso posicionamento em relação à diversidade e à inclusão com temáticas como trabalho infantil, LGBTQIA+, questões raciais e até mesmo o ageísmo, que é discriminação por conta da idade, principalmente com idosos. O shopping é um ambiente extremamente qualificado para que essas causas sejam colocadas”, afirma Lucia.
Nas primeiras campanhas, tiveram uma resposta muito positiva dos visitantes e, inclusive, dos colaboradores porque se sentiram contemplados pelo fato da companhia estar preocupada com essas situações. “A presença da diversidade traz uma contribuição extremamente importante de refletirmos sobre a nossa prática e as nossas ações”, destaca a diretora de Desenvolvimento Social.
Novos avanços
Em agosto deste ano, a Ancar Ivanhoe implementou um Programa de Diversidade e Inclusão, dentro do pilar de Cultura & Clima. “Para sermos mais diversos e inclusivos, precisamos ter colaboradores com diferentes pensamentos, culturas, etnias e opiniões, assim nos tornarmos plurais e democráticos. Afinal, as equipes começam a desenvolver soluções diferentes para atender os clientes que, assim como elas, também têm necessidades e características distintas. A rotina de trabalho flui, as sugestões que agregam valor às atividades ficam cada vez mais frequentes e tornam a realização das tarefas diárias mais produtiva e agradável”, reforça o copresidente da Ancar Ivanhoe.
O programa tem como objetivo promover a equidade em um ambiente de trabalho mais diverso e inclusivo. “O mundo mudou e é preciso pensar e fazer diferente para conseguir novos resultados e ir mais longe não apenas enquanto empresa, mas também enquanto sociedade”, destaca Carvalho.
Atualmente, o nível gerencial da Ancar Ivanhoe é composto por mais de 50% de mulheres e um time com 50,2% de negros. O que estão fazendo agora é trazer mais diversidade para a alta liderança, nas linhas de sucessão e, consequentemente, novos olhares para os desafios de um mundo BANI, termo que significa Brittle (frágil), Anxious (ansioso), Nonlinear (não linear) e Incomprehensible (incompreensível). O BANI é um conceito que reflete que o mundo em que estamos vivendo é frágil e indica que a certeza de hoje é uma incerteza de amanhã. Em suma, o mundo BANI pede que nós estejamos sempre preparados para enfrentar o imprevisível.
Só há ganhos para a companhia ao ter um time mais diverso e inclusivo, como alinhamento com uma nova demanda do cliente e da sociedade, melhor entendimento das necessidades de diferentes consumidores, maior capacidade de resolução de problemas complexos, além de mais inovação ao ter pessoas diversas, com vivências e visões de mundo diferentes. “A diversidade e a inclusão trazem riqueza para todos: para o negócio, para a sociedade e para cada pessoa que convive em um ambiente mais saudável e engajador”, ressalta o copresidente da Ancar Ivanhoe.
Desde julho, um Comitê de Identidade, formado por 44 colaboradores voluntários, de diferentes áreas e níveis hierárquicos, se reúne mensalmente para refletir e discutir as questões de diversidade e inclusão e, consequentemente, desenvolver ações práticas, contando com o apoio da consultoria Parangolé do Saber. A partir desta iniciativa, os voluntários serão divididos em grupos de afinidade (LGBTQIA+, Negros, Mulheres e Pessoa com Deficiência) com o intuito de revisitar políticas, rever processos e implementar iniciativas que promovam um ambiente mais inclusivo entre as equipes.
“Desde então, já realizamos workshops de sensibilização com a participação de mais de 60 líderes, sendo eles, da diretoria, superintendências e gerentes corporativos. Disponibilizamos para todos os colaboradores, na nossa Plataforma de Aprendizagem, a Universidade Ancar Ivanhoe, mais de nove cursos na nossa Academia da Diversidade que abordaram temas como Cultura e Gestão Inclusiva, Liderança Inclusiva e Vieses Inconscientes com nossos colaboradores. E este é apenas o começo!”, destaca Carvalho.
“Está no nosso DNA a crença de que somos agentes transformadores da realidade. Entendemos que essa força motriz que corre em nossas veias mobiliza a sociedade não apenas por conta do alto volume de passantes por nossos shoppings, mas também pelo número de pessoas que empregamos, direta e indiretamente e pelos valores que são perpetuados em nossa cultura e compartilhados entre nossos colaboradores e suas respectivas famílias. Por isso, entendemos que era preciso agir diferente e ser parte da mudança neste importante momento de virada de chave e adaptação a um novo mundo.”
Estratégias e iniciativas dentro e fora do mall
Em janeiro de 2020, um pouco antes do início da pandemia, a Syn, apoiada pelo Instituto Syn, criou um comitê com profissionais de diversas áreas da companhia para cuidar exclusivamente do tema de diversidade e inclusão porque acredita que as organizações que incorporam a diversidade como propósito sólido obtêm retornos positivos em múltiplos sentidos, tanto social quanto empresarial.
“Pesquisas como a Diversity Matters Latin America — Por Que Empresas Que Adotam a Diversidade São Mais Saudáveis, Felizes e Rentáveis, publicado pela McKinsey em junho de 2020, corroboram essa tese ao mostrar que as empresas engajadas com a diversidade têm melhor saúde organizacional quando comparadas àquelas que não desenvolvem iniciativas nessa direção. Para nós, a diversidade é um dos melhores caminhos para a promoção do respeito, da inclusão, da equidade e da sinergia entre pessoas e grupos.”
Esse comitê gera projetos que aumentam a visibilidade sobre o tema dentro e fora da empresa, como talks com especialistas e rodas de conversas. Segundo Thiago Muramatsu, CEO da Syn, ter a diversidade dá uma perspectiva plural e permite assumir e gerenciar um posicionamento que contribui continuamente para o ambiente saudável, para a redução de conflitos, promoção de engajamento, de ideias e, entre outros benefícios, ajudando significativamente a impulsionar a criatividade, que é uma virtude estratégica para o nosso negócio. “Mudamos recentemente nossa identidade, de CCP para SYN, com o objetivo de reforçar um compromisso histórico que temos com a inovação, nos tornando ainda mais capazes de gerar sinergia entre pessoas e grupos. Investir na diversidade é investir no aumento desse potencial de inovação e agregar ainda mais vantagens competitivas”, diz o CEO.
As iniciativas dos shoppings da Syn, realizadas com o apoio de parceiros, fomentam o desenvolvimento das capacidades de indivíduos, gerando prosperidade e mobilidade socioeconômica. A atuação está ancorada pelos pilares empregabilidade, empreendedorismo, voluntariado e relacionamento. “Eles norteiam várias atividades que procuramos colocar no entorno dos nossos empreendimentos. Desenvolvemos ações de treinamento, primeiro emprego, mentoria para jovens e várias outras iniciativas focadas em beneficiar grupos em condições menos favorecidas”, destaca.
Essa inclusão envolve alguns pontos de venda também como a Loja Colaborativa, do Tietê Plaza Shopping e Shopping D, que permite a refugiados e imigrantes comercializarem seus produtos com custos reduzidos de operação. Muitas vezes em condições de vulnerabilidade social, esses públicos também são apoiados pelo “Moda Sustentável”, projeto que os ajuda no acesso a conhecimentos técnicos e oportunidades para alavancar negócios.
Há ainda duas minilojas da ShopBlack, no Shopping D, que buscam dar chances ao empreendedor negro de se profissionalizar e vivenciar uma experiência fundamental para o aprendizado prático, convergindo com uma de nossas prioridades, que é estreitar o relacionamento com as comunidades do entorno.
Mais um importante exemplo de diversidade é o projeto pioneiro do Grand Plaza Shopping, chamado “Banheiro Inclusivo”. Inaugurado em outubro de 2020 e desenvolvido com base em referências internacionais, trata-se de uma área de 240 m², equipada com ar-condicionado, seis cabines-família, duas cabines para pessoas com deficiência e 43 cabines individuais. Não há separação das cabines por gênero, mas todas são individuais e fechadas para garantir privacidade.
“O Banheiro Inclusivo foi pensado como um lugar para uso de todos, sem distinção. É um tipo de serviço que reforça o nosso propósito de oferecer um ambiente democrático, em que todas as pessoas, independentemente do gênero, possam exercer seu direito de escolha, usufruindo de conforto e comodidade com segurança”, destaca Muramatsu.
Fortalecimento da cultura
A Aliansce Sonae, a maior administradora de shoppings no país, também está ainda mais engajada em abraçar a diversidade e a inclusão. Desde a fusão das duas empresas, as forças se somaram também no pilar de sustentabilidade, onde o tema está presente.
“No início do ano, institucionalizamos essa questão da diversidade e inclusão e criamos nossa política de sustentabilidade, um compromisso que já começa com o statement do próprio Rafael Sales, CEO da companhia”, conta Renata Côrrea, diretora de Gente e Performance da Aliansce Sonae.
Agora em setembro, tiveram a primeira semana de diversidade e inclusão com uma série de ações de desenvolvimento para o time, discutindo letramento, viés inconsciente, equidade racial e de gênero. Aconteceram workshops para todos os líderes e depois um plano de desenvolvimento para todos os colaboradores. “Hoje, nos conectamos com o tema pelo business e pelo propósito pessoal. Temos isso muito forte na nossa cultura, mas precisávamos consolidar e criar um compromisso comum”, diz.
Durante essa semana de diversidade e inclusão, a Aliansce Sonae também lançou um censo com o objetivo de conhecer o ambiente atual, analisar a composição demográfica, bem como o nível de afinidade e a visão dos colaboradores. A pesquisa foi feita com os colaboradores e, em seguida, com os prestadores. Fecharam o evento com um Manifesto da companhia e o lançamento dos programas de desenvolvimento.
Em junho deste ano, a Aliansce Sonae ainda se uniu a outras 45 empresas no MOVER – Movimento pela Equidade Racial – , coalizão formada pela iniciativa privada que tem como foco a empregabilidade, conscientização e promoção da diversidade racial.
“Nosso compromisso de promover a equidade racial tem como meta gerar 10 mil empregos em posições de liderança para profissionais negros e impactar 3 milhões de pessoas nesse processo”, diz. Em equidade de gênero, a companhia já faz um trabalho há algum tempo, que traz resultados como ter 43% de mulheres em cargos de liderança.
“A diversidade é presente nos milhares de consumidores que temos em nossos shoppings, precisamos estar muito bem preparados e apoiar muito essa questão cultural que tem um papel social, que nos leva a tomar essas ações. No aspecto humano e de negócio, temos que permitir que as pessoas tenham liberdade para viver suas verdades em um ambiente de respeito”, reforça Renata.
Recentemente, a companhia firmou uma parceria com a iigual para trabalhar com a inclusão de pessoas com deficiência da forma adequada. “Queríamos construir um banco de dados com alguém que entendesse de verdade sobre essa questão da inclusão”, conta a gerente de Gente e Performance.
Grandes vozes que agem e engajam
Mais do que empresas, há pessoas engajadas em várias causas que buscam a igualdade das pessoas. São incansáveis e lutam diariamente para que o direito do outro seja respeitado.
Diversidade étnico-racial
À frente da EmpregueAfro, primeira consultoria de Recursos Humanos do país focada em diversidade étnico-racial e inclusão, a CEO e fundadora Patrícia Santos viu o mercado evoluir nos 16 anos de atuação. “Atendemos 90% das empresas que trabalham com diversidade étnico-racial de acordo com a pesquisa do Instituto Ethos e da Revista Exame, o que representa 30% das maiores e melhores companhias do país, diz. No ano passado, mesmo diante da pandemia, recolocaram 212 pessoas e esse ano atingiram essa marca só no primeiro semestre. A empresa, por meio dos treinamentos que ministra, já impactou mais de 50 mil pessoas. “Crescemos muito graças à sociedade que está evoluindo e debatendo cada vez mais a questão racial”, explica.
Os negros e os pardos representam 56% da população brasileira, mas falta representatividade nas empresas. Trazer a diversidade para dentro das companhias vai muito além de uma estratégia de negócio. “É cumprir com sua responsabilidade social. Uma equipe diversa traz soluções diversas e alcança clientes diversos. A diversidade traz inovação, criatividade, produtividade e impulsiona os negócios. Quando uma pessoa negra tem essa oportunidade no mercado de trabalho, ela representa toda essa potência e somos uma potência consumidora que não está sendo enxergada por empresas que não investem nessa questão. Representamos 55% da força de trabalho do PIB no Brasil e somos a maioria da classe média e da classe C, composta por mais de 50% de negros”, analisa Patrícia.
A pessoa preta ainda enfrenta muito preconceito no mercado de trabalho, principalmente pelas barreiras do racismo estrutural que se personificam de diferentes formas. “Desconfiam sempre da nossa competência, não nos dão oportunidades por causa do tom da nossa pele, do lugar onde a gente mora ou da faculdade onde estudamos.”
No caso das mulheres, elas enfrentam o racismo e o machismo. Segundo o Instituto Ethos, os homens negros representam menos de 5% dos cargos executivos e o índice cai para 0,6% no caso das mulheres. “Na pirâmide da exclusão do nosso país, o homem negro está atrás do homem branco e da mulher branca, mas ele ainda chega um pouco mais longe do que as mulheres negras”, avalia.
Nas empresas em que a EmpregueAfro atua, o trabalho sempre começa com ações de treinamento e desenvolvimento com a organização inteira com workshops e palestras sobre racismo estrutural, desigualdade entre brancos e negros no Brasil, a importância de ações afirmativas, e como as empresas e cada indivíduo podem se posicionar para defender e ser um forte aliado na causa antirracista. Depois são realizadas as etapas de recrutamento e seleção específico da população negra. Em seguida, é feito um acompanhamento dos profissionais contratados.
Além das campanhas mais inclusivas realizadas para o consumidor final como trazer um Papai Noel negro, Patrícia recomenda que os shoppings tenham ações internas de conscientização para que os casos como desconfiança e perseguição das pessoas negras por parte dos seguranças não aconteçam dentro dos malls.
“Valorizar diversidade e inclusão não é uma moda, é a coisa inteligente a ser feita, porque quanto mais a gente investe na valorização, reduz as desigualdades, consegue dar a oportunidade e transformar nossa sociedade como um todo. É importante que as pessoas tenham essa consciência.”
Pela inclusão das pessoas com deficiência
Em 13 anos, a Talento Incluir já mudou a vida de mais de 8 mil pessoas com deficiência, inserindo-as no mercado de trabalho e, atualmente, atende mais de 500 empresas. A empresa atua desenvolvendo projetos de consultoria e assessoria executiva baseados em quatro pilares: conscientização e engajamento, contratação, acessibilidade e consultoria estratégica de marketing e comunicação.
Sempre na vanguarda, Carolina Ignarra, sócia-fundadora e CEO da Talento Incluir, vem quebrando as barreiras físicas e atitudinais ao longo desses anos ao lado de seus sócios e de toda sua equipe. É um trabalho constante com o propósito de alcançar a equidade das pessoas com deficiência na sociedade.
No Brasil, cerca de 46 milhões de pessoas têm alguma deficiência. Em abril desse ano, a Talento Incluir inovou mais uma vez com o lançamento da UinHub, primeira plataforma de inclusão do país que reúne lojas, produtos, informações e serviços voltados para os consumidores com deficiência.
A ideia surgiu de oportunidades, inclusive, quando desenvolveram um projeto de venda on-line para uma empreendedora que produz máscaras transparentes para que as pessoas com deficiência auditiva possam fazer a leitura labial. Com diferentes demandas em diversos segmentos, a organização decidiu criar essa plataforma para atender esses consumidores e conectar os empreendedores. “Por ser uma mulher PcD, interagir com esse público e ter outras pessoas com deficiência na equipe da Talento Incluir, sei o quanto somos negligenciados pelo varejo e pela sociedade de forma geral”, afirma Carolina. Desde o lançamento, a plataforma vem crescendo.
No caso dos shopping centers, Carolina destaca a importância do setor de inserir as pessoas com deficiência em suas equipes. “Aprendemos a fazer inclusão estudando e convivendo junto. Se não existir um time diverso, é muito difícil conseguir levar a melhor experiência ao cliente, que tem a mesma vivência. O caminho de acertar na inclusão é somar o que queremos fazer para o cliente com o que vivemos dentro do negócio”, explica.
São muitos desafios vividos pelas pessoas com deficiência no mercado de trabalho, a começar pelo número de empregados formais, que chega a pouco mais de 500 mil, correspondendo quase ao exigido pela Lei de Cotas. “Além dos rótulos do capacitismo, a sociedade não entende a necessidade das cotas e parece que a pessoa só entra por esse processo como se não tivesse competência para exercer o cargo. Além disso, a liderança não está acostumada em fazer a gestão desses funcionários por falta da convivência com a sociedade. Ainda há o desafio de que as pessoas com deficiência não foram preparadas para uma carreira corporativa”, fala Carolina.
Por isso, além de contratar, é necessário capacitar toda a organização para que esses profissionais sejam inseridos de forma integral e respeitosa nas equipes, fazendo, enfim, que seja uma cultura dentro da empresa. É necessário ainda que os negócios pensem em planos de carreira para esses colaboradores, invistam em acessibilidade no ambiente de trabalho e reservem vagas em cargos de liderança.
Carolina destaca o trabalho desenvolvido pela Rede Raia e Drogasil, pois é a empresa que mais emprega pessoas com deficiência intelectual do mundo. Exemplos a serem seguidos não faltam a começar pelo trabalho desenvolvido pela Talento Incluir.
Pela igualdade na identidade e expressão de gênero
A luta da comunidade LGBTQIA+ é permanente, pois o preconceito ainda existe e precisa ser combatido. No caso de homens e mulheres trans, essa é a maior dificuldade enfrentada no mercado de trabalho. A ativista Maite Schneider, cofundadora da TransEmpregos, destaca que são muitos anos de ignorância em que a pessoa trans era vista apenas pelo lado excludente, como artista de programa de auditório, cabeleireira ou mesmo prostituta. “Na TransEmpregos, temos 25 mil currículos cadastrados, sendo que 40% dos profissionais têm graduação, mestrado ou doutorado. Então, são pessoas extremamente capacitadas tanto em hard skills quanto em soft skills. E não conseguem emprego por preconceito. Em uma sociedade que se diz meritocrática e quer os melhores talentos perto, não ter as portas abertas para pessoas trans só conota uma das maiores fake news”, relata.
Em sete anos de atuação, Maite viu acontecer conquistas significativas. “Em meados de setembro, atingimos a empresa de número 1.275, cada uma representa um degrau no combate às desigualdades sociais e econômicas”, destaca Maite. Só na Atento, empresa de telemarketing, a TransEmpregos já conseguiu recolocar 1.300 profissionais trans. Há vários varejistas também parceiros como o Carrefour e o Grupo GPA, que capacitam e criam planos de carreiras internos para os profissionais não ficarem estagnados. “A diversidade é a maior igualdade que a gente pode ter. É muito bom ver companhias que nem imaginávamos se aproximando e mudando seus discursos, tentando construir e aprender. As que não levam a diversidade e a inclusão a sério vão ser deixadas para trás. No mundo VUCA e na velocidade que tudo acontece, empresa boa não é só aquela que entrega um bom serviço ou bom produto – isso é obrigação -, é a que deixa um legado para o mundo”, exemplifica.
Nos três primeiros meses da pandemia, Maite conta que houve uma paralisação das contratações e, em seguida, as empresas parceiras tentaram não demitir esses profissionais, por entenderem que os grupos marginalizados e mais vulneráveis têm mais dificuldade de inserção. Após o sexto mês, voltaram as contratações. Em agosto, a TransEmpregos atendeu mais 200 empresas e vale reforçar que todo o trabalho de consultoria é gratuito. Assim como Maite, a idealizadora e fundadora do projeto, Marcia Rocha, e a cofundadora, a cartunista Laerte Coutinho têm um sonho em comum na busca pela igualdade de todos. “Nosso projeto de sucesso será quando a gente falir a TransEmpregos”, enaltece.
Os três mercados mais fechados para as pessoas trans são os ramos automobilístico, imobiliário e de publicidade e marketing. O telemarketing é a área com maior abertura, seguida do varejo. O mercado de shopping centers ainda é restrito, mas a TransEmpregos entrou há pouco tempo na Iguatemi Empresa de Shopping Centers.
“Ter a diversidade presente torna as equipes mais potentes e traz representatividade, o que é bom para o negócio em termos de visibilidade. Mostra que a empresa está antenada com os propósitos de um mundo melhor, que só pode ser melhor, se for bom para todos.”
Pela equidade das mulheres
O Movimento Mulher 360, uma organização sem fins lucrativos, começou com a iniciativa de oito empresas fundadoras. Após seis anos de trabalho, já somavam 86. E esse é só um demonstrativo do avanço. “Temos um impacto não só direto como as empresas associadas, mas como fonte e referências no tema de equidade de gênero. Construímos uma inteligência coletiva de melhores práticas, de como avançar os caminhos e os desafios, compartilhando e sistematizando o conhecimento. O que foi muito positivo e que tem auxiliado na nossa missão, que é acelerar o avanço da equidade de gênero, da liderança feminina no mundo corporativo”, afirma Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360 e CEO da Goldenberg Diversidade.
Há varejistas associados como Magalu, Via Varejo, Carrefour e Droga Raia e Drogasil que têm colocado a equidade e a diversidade como pauta central. “Essas empresas entenderam que é uma pauta estratégica para o negócio. Não é somente uma questão de justiça social, mas de equidade de oportunidade de direitos humanos, mas é um diferencial competitivo nos negócios.” E o Movimento Mulher 360 trabalha junto para mostrar como avançar e superar as barreiras e muitas delas já avançaram em muitos pontos percentuais em mulheres na liderança no headcount.
“É uma jornada, ainda há muito para se avançar. É importante lembrar que os desafios e as barreiras estruturais das mulheres não nasceram nas organizações, são reflexos culturais da sociedade brasileira, que é patriarcal e machista”, fala Margareth.
Muitas empresas estão engajadas com essa questão e tendo iniciativas e práticas para superar as barreiras da maternidade, que ainda têm um viés muito forte de associar o fato de ser mãe a ser pouco dedicada e competente, o que impacta diretamente na carreira das mulheres. É um desafio constante de transformação cultural que algumas empresas vêm fazendo. O Movimento Mulher 360 faz um importante trabalho em cima do desafio interseccional de gênero. “É preciso ampliar o olhar para mulheres e falar com todas, somando os marcadores identitários (raça, orientação sexual, pessoas com deficiência, idade, entre outros). Quando você olha o desafio de mulheres negras, por exemplo, a experiência delas na jornada profissional é muito mais desafiadora e repleta de barreiras do que mulheres brancas”, reforça Margareth.
É necessário que o fortalecimento da cultura inclusiva seja genuíno, inclusive, como, no caso dos shoppings, quando fazem campanhas. É essencial falar o que se faz. Os grandes riscos reputacionais é quando se quer parecer algo que não é. Para a executiva do Movimento Mulher 360, o que se tem visto com frequência é que muito se discute sobre diversidade, mas quando as empresas analisam seus times, os headcounts possuem um padrão de maioria homens brancos e sem deficiência, principalmente na liderança. “É fundamental entender e fazer um retrato da situação atual da atividade e da pluralidade e entender quais são as oportunidades de avanço, com diretrizes muito claras e com ações intencionais e afirmativas para reverter os desafios para conseguir ter um time plural em todos os sentidos”, explica.