MAI/JUN 2021 – Edição 235 Ano 34 - VER EDIÇÃO COMPLETA

A importância da livre iniciativa nos contratos de locação

4 de junho de 2021 | por Solange Bassaneze | Fotos: Divulgação
Shoppings mantêm diálogo constante com lojistas em negociações individuais e reforçam comprometimento com o setor
Gisele Pimentel fala sobre livre iniciativa nos contratos de locação - Revista Shopping Centers
Gisele Pimentel, gerente jurídica e compliance da Abrasce

Desde o início da pandemia, o setor de shopping centers já abriu mão de mais de R$ 6 bilhões para ajudar os lojistas a equilibrarem os prejuízos durante a crise. A maior parte deste valor é resultado de negociações individuais relacionadas aos contratos de locação, regidos pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que acumula alta de 32% nos últimos 12 meses.

A cláusula de reajuste baseado em um índice de preços é comum em contratos de locação de longo prazo e tem o objetivo de corrigir o valor ao decorrer do tempo para que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro inicial pactuado entre as partes. No entanto, em casos de aumento expressivo, o diálogo é fundamental para equilibrar a saúde financeira de ambas as partes. Segundo Gisele Pimentel, gerente jurídica e compliance da Abrasce, a entidade acompanha e monitora esse tema, que tem grande impacto no setor. “Empreendedores e lojistas são livres para negociar, cabe a Abrasce zelar para que não haja interferência do Estado nessa relação contratual. Afinal, um dos nossos objetivos institucionais – talvez o maior deles – é lutar pela defesa da livre iniciativa”, pontua. 

Negociações 

Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, afirma que proprietários e locatários vêm negociando. Um resultado disso é que as ações locatícias nos Tribunais de Justiça tiveram queda em 2020 comparado a 2019, o que vem se repetindo em 2021. Em sondagem realizada pelo Secovi-SP, nas últimas três semanas de abril de 2021, imobiliárias da capital e do interior paulista relataram que 46% dos inquilinos de imóveis comerciais solicitaram renegociação dos valores locatícios. 

Diante desta situação, a recomendação do Secovi-SP é que o indexador IGP-M seja mantido nos contratos e que proprietários e inquilinos sentem para negociar. “A lei não obriga o uso de nenhum índice, sugere que, se houver um índice de correção monetária, esse deve ser acertado logo no início do contrato com livre negociação. Nesse momento, recomendamos que seja negociado um índice de repasse. É importante que proprietário se sensibilize com essa situação para não perder um bom inquilino. Por outro lado, os locatários devem ter muito cuidado de solicitar a troca desse indexador para que não caiam em uma armadilha, que pode ser o próprio Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”, ressalta Sartori. 

Cálculo do IGP-M

O IGP-M e o IPCA andaram alinhados a maior parte do tempo nos últimos 10 anos. De certa forma, eles reproduziram nos contratos de locação o que estava acontecendo com a inflação. O IGP-M é composto por três índices e 60% do indexador é representado pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA). A alta do índice se deve aos preços das matérias-primas e commodities impactados pelo câmbio, já que boa parte dos itens medidos são cotados em moeda estrangeira. 

“Toda vez em que há um descasamento do IGP-M gera essa discussão. Isso é compreensível, mas deve haver muita cautela na hora de se criar um índice específico para um determinado setor de atividade porque ele é muito díspar e heterogêneo. É muito complicado elaborar um índice de mercado atrelado à variação do valor de locação em um país tão grande como o Brasil. A relação de oferta e demanda são muito diferentes, mas todo estudo é válido”, opina Sartori. 

Adriano Sartori fala sobre livre iniciativa nos contratos de locação - Revista Shopping Centers
Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP

Parecer econômico

A Abrasce atua para o fortalecimento, o desenvolvimento e a defesa dos interesses dos shoppings centers, como um modelo de negócio especial. 

Já que o tema se tornou recorrente na rotina dos empreendimentos, a entidade tem recebido muitos pedidos de esclarecimentos sobre o assunto. Diante desse cenário, a associação contratou um parecer da consultoria econômica Tendências – Consultoria Integrada sobre os aspectos da utilização do IGP-M na indexação de contratos. 

É significativo que um parecer econômico explique os índices de inflação. “Ou seja, é essencial entender qual a finalidade e a metodologia de cada indexador, bem como a racionalidade econômica subjacente à escolha por um ou outro indicador frente ao objetivo da negociação. Nesse sentido, é importante que as partes busquem conhecimento para que a escolha se adeque aos propósitos desejados. Um parecer econômico é, portanto, muito relevante para melhor compreensão dos temas envolvidos”, afirma Rodolfo Oliveira, economista e um dos responsáveis pelo parecer da Tendências.

De acordo com Gisele, o assunto ficou mais claro para os associados. O estudo descreveu os conceitos de cada índice de preços, discutiu a questão da indexação nos contratos, trouxe um detalhamento do IGP-M, traçou uma comparação com o IPCA e deu respostas aos quesitos levantados pela Abrasce. 

Intervenção do Estado 

A associação também decidiu contratar o parecer para demonstrar o equívoco da solução via intervenção do Estado nos contratos de locação. “O estudo esclarece as principais características dos índices de inflação, em geral, e do IGP-M, em particular. Dessa forma, o leitor, que está apenas assistindo o embate, pode entender os aspectos conceituais relevantes ao entendimento dos índices de preços, sobretudo os chamados IGPs e seus subíndices calculados pela FGV”, pontua Gisele. 

A gerente jurídica ainda salienta que, na imensa maioria dos casos, esses contratos não estão judicializados. As partes, considerando o histórico de negociações da pandemia, reavaliam se o IGP merece ou não algum tratamento transitório e, quando é o caso, pactuam algo sobre o assunto.

“Empreendedores e lojistas vêm se entendendo há mais de 30 anos em suas negociações. O parecer visa contribuir para a continuidade desse processo, sem soluções unilaterais, de intervenção do Judiciário em negócios privados.”  

Gisele ressalta também a importância de se resgatar o real conceito econômico dos índices. “Dessa forma, é possível compreender melhor o significado do uso dessas distintas metodologias, na perspectiva da liberdade conferida por lei a empresários para que escolham o índice que melhor mede a inflação, segundo suas conveniências recíprocas e objeto do consenso no momento da celebração do contrato”, completa. 

Os efeitos de uma possível mudança

Um dos pontos que entraram no debate é o Projeto de Lei 1.026/2021, de autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos). O PL está em trâmite na Câmara dos Deputados e defende que índice de correção dos contratos de locação residencial e comercial seja o IPCA.

A Abrasce avalia o PL como arbitrário, casuístico e inconstitucional. Seu impacto para a economia nacional é incomensurável, sendo indispensável que a tramitação permita o amplo debate e análise dos impactos e efeitos para toda sociedade. “Não se pode alterar milhões de contratos sem ouvir todos os setores envolvidos. De outro lado, a mensagem que fica é: se um setor está descontente com algo que contratou, é só pedir uma lei que o contrato será desfeito. O precedente impacta gravemente a segurança jurídica e a imagem do Brasil junto aos setores produtivos”, reforça Gisele. 

Sartori salienta que, por mais grave que seja o momento, é preciso entender que a crise econômica tende a reverter e qualquer solução deve considerar o equilíbrio financeiro dos contratos vigentes. “Qualquer mudança e intervenção estatal em um contrato privado gera uma enorme insegurança jurídica, muito difícil de ser reconstruída no futuro. Traz ainda um forte impacto nas empresas que já contrariam dívidas para produzir imóveis porque muitos dos contratos de dívidas são atrelados ao IGP-M. À medida que se cria um teto sem negociação para os recebíveis, ou seja, os aluguéis, se causa um descasamento muito grande frente ao que recebe e ao que tem que pagar. Ou seja, isso pode ser fatal para muitas empresas.” 

A Abrasce acredita que o PL 1.026/2021 não passará no Congresso, mas, se isso ocorrer, ainda poderá ser barrada no Supremo Tribunal Federal. “O tema tratado no PL não é de direito monetário, já que se limita a intervir em uma modalidade específica de contrato: a locação. Essa circunstância sui generis é que configura violação ao ato jurídico perfeito, se pretender que a lei porventura derivada do PL se aplique a contratos em curso”, destaca a gerente jurídica.

O parecer da consultoria Tendências aponta que o reajuste em contratos de locação não se trata de uma taxa de juros, que busca compensar oportunidade, risco e outros tipos de remuneração. A indexação é apenas uma maneira de se evitar uma redução do valor real dos montantes devido à inflação. 

Portas Abertas

O terceiro episódio do podcast da Abrasce, o Portas Abertas, traz uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. Participaram do debate Glauco Humai, presidente da Abrasce, Denise de Pascoal, diretora comercial da Tendências – Consultoria Integrada, e José Ricardo Lira, advogado e sócio da Lobo & Lira Advocacia. 

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