Os principais debates da NRF 2023 Retail’s Big Show
O maior evento de varejo do mundo traz temas já conhecidos do mercado, mas que precisam ser revistos e colocados em prática pelos players em um curto prazo
A National Retail Federation, em Nova York (EUA), sempre traz muitos aprendizados com palestras brilhantes ministradas por executivos de grandes companhias, que influenciam o varejo mundial e ditam muitas tendências. As delegações brasileiras marcaram forte presença na edição 113 com um número maior de visitantes e voltaram com a missão de aplicar esses aprendizados em seus negócios.
A Abrasce também esteve mais uma vez presente e acompanhou as delegações da FFX, BTR Varese e Varejo180, tendo a oportunidade ainda de vivenciar muito dos insights que vêm sendo aplicados pelos players do varejo americano. Entre os assuntos abordados, a geração Z, tecnologia, inteligência artificial, cultura organizacional, engajamento, impacto nas comunidades, ESG, experimentação, web 3.0, análise de dados do cliente com foco na personalização e o uso de canais de comunicação para engajar e inovar tiveram mais destaque. No entanto, diferentemente de edições anteriores, não teve um tema impactante como, por exemplo, o metaverso em 2022.
Segundo Mônica Vianna, gerente de Relacionamento e Insights da Abrasce, a NRF trouxe temáticas que já são faladas há um bom tempo, que se fortaleceram nessa edição. “Foram apresentadas mais pendências do que tendências. Possivelmente, o atual cenário econômico dos Estados Unidos, com inflação, juros altos, escassez de mão de obra e problemas logísticos, fez com que fosse apresentada a importância da aplicabilidade de assuntos já mencionados anteriormente e isso pôde ser visto na feira com diversas empresas apresentando suas soluções.”
Gabriella Oliveira, gerente de Planejamento e Operações da Abrasce, reforça o quanto o maior evento de varejo do mundo teve como premissa a necessidade da volta ao básico e a urgência de se trabalhar esses conteúdos na prática.
“O varejo passa por um novo momento mais tático e de curto prazo. Há uma atenção para back to basic, à brevidade e à objetividade, mas, claro, sem deixar de olhar para outras frentes como as tecnologias emergentes, que são tendências que já podem ser vistas em funcionamento. Então, voltamos revigorados, com uma nova bagagem e com disposição em compartilhar com os nossos associados, já que a Abrasce, como instituição provedora de soluções, deve entregar as tendências internacionais para que elas possam ser aplicadas por esse setor tão pujante e resiliente”, diz.
A FFX (Fast Forward Xperience), que faz a curadoria da NRF e leva executivos brasileiros de todo o país para Nova York, realizou a master quarta. Em seguida, começou a agenda do pós-NRF, promovido pela Ancar Ivanhe para lojistas, em nove cidades onde a companhia tem portfólio, e também compartilhou seus takeaways com os associados da Abrasce em um evento on-line. Abaixo, você confere os principais aprendizados que as gerentes da Abrasce e os curadores da FFX, Mariana Carvalho, Guga Schifino e Tiago Mello, trazem da NRF.
Para colocar em prática
Geração Z
Os nascidos entre 1995 e 2009 fizeram mais uma vez parte do debate, pois eles influenciam as compras de toda a família, mesmo quando ainda não têm renda. O varejo tenta o tempo todo entender mais sobre eles. E ficou evidente mais uma vez que eles querem ser atendidos de diferentes formas, se preocupam com os propósitos da marca, pesquisam sobre a empresa antes da compra, traçam comparativos entre as experiências e são intolerantes aos erros – cancelando marcas com seu poder escolha. E, apesar de seguirem tendências e serem influenciados pelas mídias sociais, eles querem se diferenciar do outro, então, sempre buscam cada vez mais pela personalização. Se identificam, por exemplo com Hollister, que tem a sustentabilidade e a diversidade como práticas sólidas e ainda possui um projeto no qual financia os sonhos de jovens no Ensino Médio. Apesar de ser geração com muito acesso à tecnologia, eles querem ser atendidos da melhor forma em todos os pontos de contato. “Então, o varejo precisa oferecer todos os canais com o atrito mitigado”, aponta Mônica.
Cultura da empresa
Essa deve ser usada como estratégia por qualquer empresa porque a cultura é a grande responsável pela conexão com as pessoas – consumidores e colaboradores – e, hoje, os clientes também se conectam por meio dos propósitos das marcas. O painel comandado por Brian Cornell, CEO da Target, contou com a participação de quatro lideranças femininas da companhia e estava lotada. A plateia ouviu atentamente como a Target consegue fazer com que mais de 400 mil colaboradores se sintam cuidados e de que forma isso se aplica, consequentemente, com os clientes. “Ele mostrou que a cultura precisa ser trabalhada de forma contínua, pois é a maneira como se materializa valores e o propósito da companhia. E cultura é algo que se constrói diariamente”, pontua Mariana. Saber para que e por que a marca existe é vital para qualquer negócio. A Target trabalha a autenticidade, com uma escuta muita ativa, com programas de inclusão e equidade, tendo, inclusive, a representatividade da população em toda sua equipe. É realmente inspiracional.
Segundo gerente de Planejamento e Operações da Abrasce, Cornell tocou em um ponto sensível que, às vezes, pode parecer simples, mas que, muitas vezes, a rotina corporativa faz que esses valores sejam deixados de lado, quando deveriam estar na estratégia de qualquer companhia. É preciso ter uma cultura clara com funcionários e colaboradores engajados. Quando isso existe, todos se sentem cuidados e isso transparece para o cliente. Por isso, alguns executivos reforçaram em suas palestras a importância de conhecer a história de cada colaborador.
ESG ( Environmental, Social and Governance)
Qualquer empresa precisa se preocupar em buscar uma forma de gerar um impacto na comunidade em que está inserida. A curadora da FFX destacou o case da empresa Chobani, em que seu fundador e CEO, Hamdi Ulukaya, contrata refugiados, dando essa oportunidade de forma digna e rompendo barreiras e preconceitos. Em seu painel, disse: “No minuto em que um refugiado consegue um emprego. ele deixa de ser um refugiado”, incentivando a plateia a refletir. O executivo falou o quanto esses colaboradores, que são sobreviventes, contribuem para o negócio. Então, fica a pergunta: qual é o impacto que sua empresa gera? Lembrando que isso precisa ser genuíno, e, consequentemente, gerará um engajamento com a comunidade. Ter uma agenda ESG deve ser um dos pilares de qualquer marca, inclusive, é necessário envolver todos os colaboradores e, especialmente, vir da alta liderança da companhia. Hoje, está se vendo a evolução do que as companhias têm feito. “Não dá para uma empresa, não importa o tamanho, não ter uma política estruturada de ESG. Elas devem mostrar esse propósito na prática”, enfatiza Mônica. O tema ESG é recorrente e não sairá mais da pauta.
Dados dos clientes
Trabalhar o CRM de forma eficiente e personalizada precisa ganhar atenção imediata. O varejo evoluiu muito nos últimos anos nesse ponto, mas é preciso que as marcas conheçam melhor sua base de cliente, pois isso impacta positivamente nas vendas. “É necessário usar as informações para conhecer os clientes e personalizar seu atendimento, mas devemos ver isso mais na prática”, diz Gabriella. Segundo Mônica, a Expo trouxe várias soluções com base em dados, hoje muito mais acessíveis, mas que, para serem ainda mais estratégicas, é necessário ouvir quem está em contato direto com os clientes. E sempre lembrar que o consumidor compra conforme sua conveniência, mas espera ter a melhor experiência na loja física.
Inteligência artificial
Ela está aí para facilitar a vida de todos e para que o varejo possa direcionar seus esforços para o que a IA não pode fazer. Houve uma grande e rápida evolução e é essencial saber aproveitar as oportunidades que a IA oferece para ser cada vez mais favorável no alcance de resultados. “É preciso se adaptar. Só a IA é capaz de tratar milhares de consumidores como únicos, não tem outra fórmula”, enaltece Schifino. O GPT-3 (Generative Pre-trained Transformer 3), modelo de linguagem grande autorregressivo de aprendizado profundo, por exemplo, usa 175 bilhões de parâmetros e agora está aberto para uso público. Com ele, é possível criar textos, músicas e histórias. Ou seja, a tecnologia está aí para ser usada com toda a sua potência que só tende a aumentar já que a Openai, por exemplo, já anunciou a chegada do GPT-4, com 100 trilhões de parâmetos. Schifino reforça ainda quanto os processadores quânticos são mais produtivos e conectados do que os binários e toda a revolução que isso trará. “O que se levaria 9 mil anos em processador binário se faz em 36 segundos em um quântico. Por isso, o que temos que ter realmente é a capacidade interpessoal para sermos melhor no varejo.” O restante – que não é pouco – deve se deixar a cargo da IA. Ou seja, abra a mente e veja tudo o que ela pode te ajudar no seu negócio.
Metaverso
Apesar de ter sido o grande tema da edição anterior da NRF, o metaverso entrou na pauta também, mas, como algo que já está sendo cada vez mais praticado pelas marcas. Segundo Schifino, ele é a evolução natural da internet, porque é melhor fazer coisas em 3D do que 2D. “Precisamos entender que os processos de compra serão muito mais imersivos”, afirma Schifino.
Nos games, ainda se encontra a melhor experiência do metaverso, mas ele vai muito além com o compartilhamento de experiência e socialização. Roblox, que tem 5 bilhões de internautas, tem sido explorado por diversas marcas de moda e beleza. A Tommy Hilfilger, por exemplo, tem criado ideias surpreendentes no game e pretende continuar experimentando esse ambiente a longo prazo. “O metaverso se mostra inclusivo, pois, estamos em busca de um mundo melhor e com menos fricção. 35% das crianças americanas, por exemplo, preferem um item para seu avatar do que comprar algo para si. Por isso, precisamos entender o que está acontecendo e não julgar. Há uma baita oportunidade a ser explorada”, diz Schifino.
WEB 3.0
A Web 3.0 revolucionará o varejo, já que seu grande diferencial é o de fazer negócio. Muitas palestras e soluções da feira mostraram sua aplicabilidade. Os seus principais diferenciais são que os ativos digitais têm certificados de originalidade tokenizados emitidos pelo blockchain. “Web 3.0 é a maneira de dar valor ao asset digital. O token rastreável que dá legitimidade a um produto”, afirma Schifino. O CEO da LVMH Inc., Anish Melwani, mencionou em sua palestra, por exemplo, que os diamantes da empresa são vendidos com certificados da matéria-prima emitidos no blockchain, o que garantem a autenticidade dos produtos.
A força da loja física
A necessidade de se prover experiência com menos atrito e explorar parcerias dentro ponto de venda foram temas muito debatidos assim como o retailment. Na palestra com Martin Urrutia Islas, head global de inovação no varejo do Grupo LEGO, ele mostrou de que foram essa gigante do varejo consegue inovar e engajar os consumidores, oferecendo diversos modelos de negócios desde lojas físicas até filmes e jogos de videogame. São experiências memoráveis para os consumidores, que, por exemplo, esperam horas para poder entrar na loja de Nova York e interagir com as esculturas de LEGO.
“Ele enfatizou ainda importância de trabalhar essência da marca e a experimentação, sem criar divisão entre o físico e o digital, algo que já está superfalado. Ser apenas digital não faz sentido hoje em dia para a marca. Ao ter o ambiente físico, se amplia a capacidade digital. É o phygital que precisa ser cada vez mais trabalhado. E a experimentação e vivência reforçam esse potencial da loja física”, afirma Gabriella.
Outra questão muito discutida em alguns dos painéis foi a importância de se conectar com marcas que atraem e gerem paixão no consumidor. Isso tudo alinhado com propósito. Por isso, se faz necessário que o varejo esteja preparado para esse novo grau de exigência do consumidor.
Ainda dentro do tema, Mello, durante o pós-NRF, reforçou o quanto a loja física é um meio de aquisição de clientes e essencial para trazer fluxo para outros canais. Por isso, é preciso potencializá-la. “A loja física vale muito além do que a própria venda que ela gera. Ela virou o melhor lugar para se fazer marketing e branding.”
Fora isso, Mello destacou que é necessário ainda buscar meios para ter a atenção do cliente, algo cada vez mais difícil, sendo que uma das formas está em fomentar parcerias com outras marcas, ter vendedores empoderados, promover eventos, criar programas de fidelidade etc.
“Deve-se ainda criar algo que não pode ser replicado no mundo on-line, como experimentação e customização; desenvolver o conceito de retailment dentro da sua empresa e ser data-driven”, completa Mello.
Resale
Muitas marcas já têm o resale com uma meta e colocaram em prática as mais diversas soluções. E isso está diretamente ligado a proteger o ecossistema, utilizando menos recursos naturais, mas, ao mesmo tempo, se torna uma nova fonte de receita dentro do negócio. Mello também destacou que o resale deve ser considerado como extensão do negócio e é um caminho inevitável. “Essa tendência está muito forte e é esperado que esse mercado cresça 16 vezes nos próximos quatro anos, já que 92% das pessoas disseram que comprariam um produto usado.” De acordo com a pesquisa da WD Research, o fator preço é o que influencia mais nessa decisão de compra, sendo 74%, e 71% afirmam que compram um produto usado uma vez por mês e 38% uma vez por semana. Ou seja, hoje, já é hora começar a pensar no resale em seu negócio.
Meios de comunicação
As marcas estão antenadas na linguagem visual e na capacidade de atração e retenção de público, querendo entender de fato quem é o consumidor. No painel com Jacob Hawkins, chief of marketing e digital da Forever 21, mostrou como tem sido positivo o resultado de parcerias com grandes marcas na criação de collab, como Barbie e Hello Kitty, associado à divulgação por meio de micro e nano influenciadores e também phoshoot com influenciadores. Com essas parcerias, se amplia o ecossistema e se alcança um maior número de seguidores de diferentes públicos, multiplicando esse investimento e aumentando as chances de retorno. “Por isso, existe uma necessidade muito grande de conhecer esses nano influenciadores de forma ágil”, diz Gabriella.
Em outros debates, palestrantes mostraram o potencial do Tik Tok – rede social cada vez muito utilizada pela geração Z – como canal de negócios, pois muitos dos usuários da plataforma pesquisam sobre a usabilidade de um produto com a possibilidade de comprar o item desejado logo no link abaixo à publicação.
“Entender o comportamento do consumidor e saber utilizar a linguagem e o canal de comunicação mais adequados para atingir e reter o público dentro do curto prazo é o que o varejo também precisa fazer”, declara Gabriella.
Leia os artigos sobre a NRF escritos por convidados da Abrasce:
- NRF2023, Varejo e Shopping Centers, por Alberto Serrentino
- Uma NRF pragmática, por Guga Schifino
- A volta ao normal na NRF2023, por Ronald Nossig