JAN/FEV 2024 - Edição 251 Ano 37 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Fim da obrigatoriedade de posto médico em shoppings paulistanos

29 de janeiro de 2024 | por Solange Bassaneze / Fotos: Divulgação
Supremo Tribunal Federal decide que leis municipais de São Paulo violam a livre iniciativa e a competência privativa da União para legislar

O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais as leis municipais de São Paulo, que determinavam a obrigatoriedade da implantação de ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro equipado para atendimento de emergência em shopping centers.

A defesa apresentada pela Abrasce contra as leis nº 10.947/1991 e 11.649/1994 e o Decreto nº 29.728/1991 teve início há uma década. Em 2013, a entidade ajuizou ação perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, mas foi julgada como improcedente.

Nesse mesmo ano, foi para o Supremo Tribunal Federal, um recurso extraordinário (RE 833.291), interposto pela Abrasce, contra acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de ação direta de inconstitucionalidade estadual. Tamanha a relevância da matéria, que o caso teve em 2019 reconhecida a Repercussão Geral, tema 1051. Vale ressaltar que o Tribunal julgou o mérito de 48 casos de Repercussão Geral em 2023 “, explica Gisele Pimentel, gerente jurídica e de compliance da Abrasce.

Esse é o instrumento pelo qual o STF seleciona recursos que discutam questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e define uma tese que deverá ser seguida por todo o Poder Judiciário.

Lembrando ainda que esse questionamento envolve aspectos de índole formal – competência legislativa para dispor sobre a matéria – e material – sobretudo as normas constitucionais que regem a ordem econômica, além dos princípios da livre iniciativa, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Gisele Pimentel, gerente jurídica e de compliance da Abrasce

Segundo José-Ricardo Pereira Lira, sócio do escritório de advocacia Lobo & Lira, são comuns as tentativas de intervenção estatal na atividade econômica, por meio de leis estaduais e municipais, em assuntos cuja competência para legislar é privativa da União.

“Normalmente, se repetem no território nacional, sendo certo que cada lei, estadual ou municipal, dependendo do tema, sujeita-se a seu respectivo enquadramento constitucional, a suscitar diferentes formas de agir perante o Poder Judiciário. No caso dos postos médicos, matéria de que cuidam as leis e o decreto, a arguição de inconstitucionalidade operou-se no Tribunal de Justiça de São Paulo. Outras leis, de outros estados, versando sobre o mesmo assunto, também foram impugnadas pela Abrasce, com sucesso, em outros Tribunais de Justiça.”

Desde quando teve o RE admitido em 2013, a Abrasce despachou com os ministros relatores, mas houve uma troca de relatoria, então, o despacho foi com a Procuradoria Geral da União, seguindo todo o trâmite legal. Após um longo tempo, o processo entrou na pauta virtual de julgamento, de 24 de novembro de 2023 a 1º de dezembro de 2023. Por maioria, firmou a seguinte tese dotada de efeitos vinculantes: o precedente reconheceu a existência tanto de inconstitucionalidade formal, pois a lei municipal legislou sobre tema de direito do trabalho e de direito comercial, cuja competência é da União, como de inconstitucionalidade material, referindo-se a violação à liberdade de iniciativa e desproporcionalidade. “O caso paulista, porém, foi o primeiro a chegar ao Supremo Tribunal Federal. Isso deu origem à importante decisão segundo a qual a obrigatoriedade de instalação de posto médico por lei municipal contraria a livre iniciativa e invade campo da competência privativa da União para legislar, ao tratar de temas afeitos ao direito civil, comercial e do trabalho, em especial quando impõe a empresários do setor varejista a prestação de serviços médicos, inclusive de ambulância, ou a contratação de médicos ou enfermeiras”, destaca Lira. 

Assim, os shopping centers localizados no município de São Paulo estão liberados de manter um ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro em suas dependências, considerando-se, também, que a Lei Estadual SP que institui medidas análogas não possui regulamentação, estando, portanto, com eficácia contida. “Entendemos que o julgamento servirá de apoio ao questionamento de leis estaduais que versem sobre o mesmo tema. Além disso, cria bases jurídicas importantes para utilização pela Suprema Corte e Tribunais Estaduais em casos futuros cujas leis questionadas incursionem no núcleo de gestão dos shopping centers”, conta Gisele. Ou seja, trata-se de precedente precioso que pode contribuir para ações futuras em outros municípios ou estados.

Em sua análise sobre essa decisão, Lira diz: O argumento adotado para a declaração da inconstitucionalidade das leis municipais paulistas é igualmente válido para leis estaduais, quando admite que, em certo ângulo, os dispositivos impugnados teriam natureza de direito civil, comercial e/ou trabalhista, isto é, constituiriam matéria de competência privativa da União, quando é defeso a estados e municípios legislarem sobre o assunto. Em outra perspectiva, na ótica da livre iniciativa, os fundamentos da decisão podem valer para questionar também eventual lei federal, de modo que o precedente possui, realmente, importância especial.” 

A decisão do STF repercutiu muito entre os shoppings associados da Abrasce. “Ficaram extremamente satisfeitos com o deslinde da ação, afinal, um shopping ter estrutura de mini-hospital não faz sentido. Uma obrigação irrazoável e desproporcional exigir a prestação de serviços médicos pré-hospitalares à população, em condições que somente se poderia exigir do Poder Público”, reforça a gerente jurídica e de compliance.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade teve a estratégia inicial desenhada pela equipe do escritório Lobo & Lira, que seguiu com toda a inteligência e atuação até 2023. “Quando do julgamento no STF, acionamos nossos parceiros do Paixão e Côrtes, na figura do Dr. Osmar Paixão, além do Dr. Saul Tourinho Leal, do escritório Ayres Britto. Afinal, precisamos despachar com dez ministros, num curto espaço de tempo. Inclusive nesse caso, eu despachei presencialmente com o primeiro relator, Ministro Luiz Fux”, relembra Gisele.

Recurso extraordinário

Lira explica o que o RE 833.291 defendeu que não se pode condicionar o exercício de uma atividade empresarial do ramo varejista à prestação, pelo respectivo empreendedor, de serviços médicos, em nome da garantia constitucional de que todos têm direito à saúde.

José-Ricardo Pereira Lira, sócio do escritório de advocacia Lobo & Lira
“Segundo a Constituição Federal, compete ao poder público garantir o acesso da população à saúde. Exigir que um shopping center preste serviços médicos significa admitir que a lei transfira para o particular uma obrigação que é do poder público. Ao assim proceder, a lei viola dois princípios: o de que é dever do Estado – e não do setor privado – garantir à população acesso à saúde, assim como o de que é a todos assegurado o direito de empreender atividades lícitas, no âmbito da garantia constitucional pertinente à livre iniciativa, sem ter que suportar o ônus de prestar serviços diversos, que competem ao poder público.”

Com fundamento nesses dois princípios, Lira diz que nem mesmo uma lei federal poderia subordinar a exploração de um shopping center à prestação, pelo empreendedor, de serviços médicos. “Mas, ainda que assim não fosse, as leis em debate jamais poderiam ser editadas por municípios – ou por estados –, uma vez que, pela natureza da matéria, de cunho civil, comercial e/ou trabalhista, somente a União poderia editar leis sobre o tema,” conclui o sócio do escritório Lobo & Lira.  

Atuação constante

Há leis análogas a essa bem como Projetos de Lei. A Abrasce monitora e atua em todos. No caso do município de São Paulo, por exemplo, a entidade ajuizou nova ação sobre o tema, com liminar deferida em 15 de dezembro. “Em 6 de novembro 2023, foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Lei Estadual de São Paulo nº 17.832, de 1º de novembro de 2023, com vigência a partir da data de publicação, a qual impõe, através de seus arts. 194 e 195, obrigações em desalinho com a jurisprudência sedimentada do STF e de diversos outros Tribunais pátrios”, exemplifica Gisele. O departamento jurídico da Abrasce está sempre atento às iniciativas que ferem os princípios da liberdade econômica, livre iniciativa e do direito privado.

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