Reforma tributária: como as propostas podem impactar o setor
Abrasce monitora o andamento do assunto no Congresso e monta grupo de trabalho para apresentar sugestões ao governo e Congresso Nacional
A reforma tributária segue em discussão no Congresso e as três propostas apresentadas geram impactos diretos em alguns setores, como o de shopping centers. De modo geral, os textos, analisados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, propõem simplificar a arrecadação de impostos, unificando vários tributos. Dessa forma, a carga tributária recebida pelo governo federal, em teoria, seria mantida. O que mudaria seria a forma de arrecadação, que passaria a ser sobre o consumo e não sobre a produção, assim como a redistribuição dos recursos arrecadados. Porém, a contribuição de diversos setores importantes da economia, inclusive o de setor de shopping centers, teria aumento, o que pode impactar toda a cadeia.
Momento inadequado
O Brasil ainda passa por uma crise econômica e sanitária, por isso, a Abrasce acredita que essa pauta deveria ser adiada. Segundo o presidente da entidade, Glauco Humai, não é viável discutir uma reforma tributária em meio à uma pandemia, já que diversos setores foram profundamente afetados.
Além disso, não há como se calcular os efeitos econômicos e fiscais que serão deixados no período pós-pandemia, principalmente se for levado em consideração a alta da inflação já anunciada para 2021 e o tímido crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Neste momento, os empresários não podem tirar o foco da recuperação de seus negócios e da manutenção dos empregos para debater o tema. “Antes dessa discussão, é preciso ter a aprovação da reforma administrativa, com a detecção do tamanho do Estado e os respectivos cortes de gastos. Posteriormente, podemos conversar sobre um novo modelo de tributação”, reforça ele.
Diante disso, a entidade montou e está liderando uma equipe de trabalho para levar suas sugestões ao governo e ao Congresso Nacional. Em breve, espera poder apresentá-las. Fazem parte do grupo diretores financeiros de grandes empresas desenvolvedoras de shoppings, economistas e tributaristas.
“Com esse grupo de trabalho vamos avaliar os impactos macroeconômicos das propostas de reforma tributária – PEC 45/2019, PEC 110/2019 e PL 3887/20. Essas não reduzem a tributação sobre consumo, impactando negativamente nas atividades essenciais para a população como saúde e educação, e nos demais serviços prestados diretamente ao cidadão”, explica Gisele Pimentel, gerente jurídica e de compliance da Abrasce. Por isso, o trabalho da entidade buscou por sugestões factíveis.
Na PEC 45/2019, por exemplo, a Abrasce enviará sugestões sobre os temas Imposto sobre Bens e Serviços, Aluguel, Creditamento, Repasse de IBS no contrato de locação, entre outros pontos.
“A Abrasce aguarda agenda com o relator da PEC 45/2019 para falar sobre o tema e evitar o aumento de carga tributária no setor que emprega mais de 3 milhões de pessoas”, Glauco Humai.
Sem data marcada
Por enquanto, é necessário aguardar, pois não há data definida para apresentação do relatório final pelo deputado Aguinaldo Ribeiro. Somente após o conhecimento do que realmente será apresentado é que o setor terá condições de se manifestar.
Passado isso, o colegiado será responsável por discutir as propostas, buscando um texto de consenso entre Governo, Parlamento e entes da Federação. O relator se posicionará através de um substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição nº 45, de 2019, não deixando, claro, de levar em consideração pontos da Proposta de Emenda à Constituição nº 110, de 2019, e nem mesmo de pontos do Projeto de Lei nº 3887, de 2020.
A previsão do presidente do colegiado é de que a votação ocorra em dezembro. Na avaliação do setor, seria imprescindível que o Congresso Nacional avançasse antes em outras reformas estruturantes, como a Reforma Administrativa, PEC Emergencial, Recuperação das Contas Públicas, para só depois aprofundar a discussão na Reforma Tributária.
“Nenhum país no mundo, hoje, está tentando votar uma reforma tributária, principalmente uma que implique em elevação de impostos sobre o consumo, o que reduziria a demanda e agravaria a recessão econômica. Na verdade, nenhuma reforma estruturante está sendo decidida nestes tempos”, ressalta Gisele.
Impactos
Caso alguma proposta seja aprovada de forma abrupta, que implique em elevação de carga tributária sobre o consumo, agravará ainda mais o cenário atual. “Em alguns setores, como no de shopping centers, não há créditos a compensar. Isso resultará em aumento de custo para os lojistas e, consequentemente, repasse nos preços ao consumidor. E nos setores que possuem essa possibilidade, não há clareza de como isso será feito”, diz o presidente da Abrasce.
“Os shopping centers estarão entre os mais prejudicados diante da impossibilidade de creditar-se sobre seus maiores gastos”, salienta a gerente jurídica e de compliance.
Humai e Gisele alertam que o período de transição trazido pelas PEC’s do Congresso Nacional é demasiadamente longo. Desse modo, não será possível observar os benefícios da reforma pelos próximos anos. “Muito pelo contrário, durante a transição, ocorrerá uma maior complexidade na tributação, com dois regimes em vigência. Isso acarretará em aumento de custos de conformidade e de gestão tributária; maior insegurança jurídica; e permanência dos conhecidos problemas das legislações dos atuais tributos até serem extintos em até 10 anos”, adverte Gisele.
Ainda sobre o período de transição, alguns pontos devem ser observados:
- O período de transição longo serve exatamente para melhor absorção das mudanças tributárias, principalmente para os contribuintes. Já para os consumidores não faz tanta diferença;
- A proposta inicial traz um período de transição longo, fato. No entanto, pode não ser o prazo que seja apresentado ao final. A análise pelo relator serve exatamente para ajustar um período mais razoável;
e
- A simplificação do sistema, com a eliminação de contenciosos administrativos e judiciais, contenção da guerra fiscal e diminuição de custos operacionais (contador e compliance), poderá compensar ou até superar eventuais ajustes de carga durante a transição.
O presidente da Abrasce alerta ainda que o potencial inflacionário está sendo ignorado: a rigidez para baixa dos preços pode não proporcionar redução em setores beneficiados, como a indústria. Por outro lado, os segmentos afetados terão aumento.
Como os shoppings estão no meio da cadeia produtiva e de comercialização, em tese, a isenção ou mesmo a imunidade, por si só não é a solução imediata. “Nosso setor está estruturado com múltiplos CNPJs. Os empreendedores, se forem contribuintes do IVA, a incidência será a redução de receita; o condomínio sofrerá aumento de custo sobre serviços adquiridos e o Fundo de Promoções e Propaganda tende a ser mais onerado na publicidade adquirida”, explica a gerente jurídica.
Há um outro agravante. Mesmo que não haja aumento de impostos sobre vendas, a tendência é a compra de serviços com custos muito mais elevados como vigilância, limpeza, energia, água, entre outros. “Se o aluguel não for taxado ou, pior, se o for, mas os custos forem incorridos em outro CNPJ, poderá haver um impacto duplo no modelo proposto”, acrescenta Gisele.
“A ocasião exige mecanismos para que se atravesse a crise. Não podemos ter a adoção de medidas que aumentem a complexidade do sistema e da carga tributária em si”, conclui Humai.