Os desdobramentos da Reforma Tributária
Após o reconhecimento de tratamento conferido às operações com bens imóveis, a atenção agora está voltada às Leis Complementares
A Reforma Tributária, aprovada e promulgada em dezembro de 2023, chega à segunda etapa, que envolve a regulamentação e as Leis Complementares, e a Abrasce segue atenta. Com o tratamento diferenciado conferido ao setor de locação de bens imóveis, surgiram possibilidades da aplicação de alíquotas especiais, alterações na base de cálculo e até nas regras de creditamento. E é isso que o setor aguarda agora.
De acordo com Murillo Allevato, sócio da área Tributária do Bichara Advogados e atuante da Reforma Tributária, com a emenda constitucional publicada, fica a pendência de ser regulamentada toda a reforma. Isso pode demorar mais do que o desejado já que 2024 é um ano eleitoral, são muitas leis complementares – mais de 70 – e há anteprojetos, fatores que tendem a dificultar a celeridade.
“A Constituição determina as regras gerais e a Lei Complementar estabelece as regras específicas. Foi dedicado um tratamento especial para as operações com bens imóveis, o que inclui incorporação, locação e administração. Daí, entra o papel da Abrasce e estamos colaborando para que o tratamento referido à locação e à administração dos bens imóveis se adeque à realidade do setor.”
A Secretaria da Reforma Tributária designou diversos grupos para tratarem de temas específicos que vão ser endereçados nas leis complementares. “A nossa atuação está direcionada para o grupo de bens imóveis, no qual apresentamos a nossa contribuição de como a lei deveria ser editada.”
Segundo Gisele Pimentel, gerente jurídica e compliance da Abrasce, o setor de shopping centers, assim como o setor imobiliário, possui especificidades que foram reconhecidas na recém-aprovada EC 132/23 ao ser previsto regime específico para operações com bens imóveis. “E essas regras gerais serão objeto de regulamentação por Lei Complementar, a qual está sendo debatida em Grupos de Trabalho voltados para a criação do anteprojeto de Lei, nos termos da Portaria MF nº 34/2024. Esses devem elaborar, no prazo de 60 dias, os anteprojetos para regulamentar o IBS e a CBS. Nesse sentido, enviamos as sugestões da Abrasce em relação às regras que disporão a respeito da locação e do arrendamento de bens imóveis pelo IBS e pela CBS”, relata Gisele.
O grupo é formado unicamente por representantes das unidades fiscais – federal, estadual e municipal. Com isso, a Abrasce apresentou os pleitos e espera um retorno para que possa continuar contribuindo não como participante, mas como convidado que é a posição da sociedade civil nessas circunstâncias. Segundo Gisele, a Abrasce mantém constante diálogo com os atores envolvidos nesse processo no Congresso. “Essa comunicação se dá tanto pela nossa assessoria federal, quanto pela palavra de nosso presidente, Glauco Humai, junto ao GT 4”, conta Gisele.
Allevato acredita que é muito difícil que tudo seja aprovado ainda esse ano. Quando for para o Congresso, além de apresentar a emenda, haverá diálogo com as bases eleitorais e discussões legislativas e isso não é rápido. “Apesar da Lei Complementar exigir um quórum menor do que uma PEC, ela terá normas específicas, o que leva tempo. Além disso, há uma multiplicidade de temas, então, existe uma grande complexidade também, que não deve ser subestimada”, reforça Allevato.
Shopping centers
A Reforma buscou simplificar o sistema tributário nacional, extinguindo os tributos cobrados atualmente – ISS, ICMS, PIS e COFINS – e criou dois: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios, e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União. E esses novos tributos se dizem totalmente não-cumulativos, de modo que todas as aquisições, que qualquer empresa ou participante da atividade econômica faz, geram crédito a serem compensados com o valor a ser recolhido na saída e isso gera um arrefecimento da carga tributária. Só que há setores que, na essência, não acumulam créditos e os créditos são muito concentrados. E aí está o de locação de imóvel. “Há um valor muito alto que se paga para a construção do imóvel e os imóveis de grande parte dos shopping centers já foram construídos. Tem alguns em obras e outros a serem lançados, mas o boom imobiliário do setor foi há alguns anos. Então, não tem crédito e o regime cumulativo não funciona. Por essa razão deve ser outorgado um tratamento que seja um regime cumulativo, mas que a carga tributária seja menor, tendo em vista que não haverá possibilidade de compensação“, explica o sócio do Bichara Advogados.
Segundo Gisele, por isso, a Abrasce tem contribuído significativamente com os debates em prol do adequado tratamento tributário às operações com bens imóveis, visando a uma justa tributação dos setores, o que trará impactos positivos para toda a sociedade.
“A emenda constitucional trouxe importante disposição adicional ao definir que operações com bens imóveis contemplam atividades de construção e incorporação imobiliária; parcelamento do solo e alienação de bem imóvel; locação e arrendamento de bem imóvel; e administração e intermediação de bem imóvel. Especificamente em relação às atividades de locação e arrendamento de bens imóveis, a relevância da inclusão neste regime específico se dá em razão das peculiaridades do sistema imobiliário como um todo, o qual não se coaduna com as regras gerais da tributação por valor agregado, sendo excepcionalizado, com regras próprias, por diversos países da União Europeia”, diz a gerente jurídica e compliance.
Como representante de parcela representativa do mercado imobiliário, no que diz respeito às operações de locação comercial, a Abrasce tem atuado para contribuir com o anteprojeto de lei complementar a ser elaborado e apresentado ao Congresso.
Outra particularidade do setor de locação é a Lei do Inquilinato, que proíbe que seja aumentado o valor da locação do imóvel, diante desse cenário, haveria uma dificuldade para o locador repassar o valor do imóvel ao locatário. “Por essa razão, se revela essencial que haja possibilidade de repasse obrigatório desse tributo para o locatário, justamente para que não haja necessidade de negociar o aumento da locação. Esse valor será recolhido diretamente para os cofres públicos. Outro ponto relevante diz respeito aos condomínios edilícios e associações sem fins lucrativos que são construídos ou constituídos para administrar as despesas gerais dos imóveis (água, luz, propaganda…). Essas entidades não são contribuintes, não auferem lucro e não praticam atividade econômica”, explica o advogado tributarista Allevato.
Conforme já dito pelo Governo, a reforma vem para aumentar a arrecadação e gerar superávit. “O próprio secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, fala que não será neutra para todos, alguns setores vão sofrer uma maior oneração do que outros. E os setores que justamente são mais carentes em créditos devem ser afetados, o que estamos defendendo muito é que seja neutra no sentido de que não gere nenhum benefício, mas não aumente a arrecadação, pois hoje já é bastante elevada”, afirma Allevato.
Por isso, a antecipação da Abrasce foi estratégica e muito louvável. Sua atuação começou antes, assim que a primeira minuta da reforma da PEC 45 foi apresentada, se engajou no tema, abraçou o assunto e começou a discutir com as lideranças particularidades do setor. Isso foi fundamental para o setor ter sido contemplado como especial.
Allevato reforça ainda o quanto faz a diferença quando o grupo é coeso e unido e há consenso, pois é muito mais fácil defender os interesses. “Só que o setor está apreensivo do que pode acontecer na reforma tributária, por enquanto, tivemos um reconhecimento que foi muito valioso, mas agora vamos ver como será esse tratamento específico, está todo mundo ansioso para saber como isso resultará”, pontua.
Como existem riscos de aumento da carga tributária, a Abrasce segue constantemente explicando o negócio. “A atividade de locação apresenta peculiaridades que podem justificar a coexistência de diferentes modelos, em especial dadas as diferentes características dos adquirentes de tais operações, como pessoas físicas ou jurídicas, submetidas, ou não ao regime do Simples ou ainda não sujeitas à tributação pelo IBS/CBS”, ressalta Gisele.
Para manter seus associados informados, a entidade divulga informativos pelo WhatsApp e por meio de seu mailing. Além disso, realiza reuniões com Conselho Diretor e CFOs dos shoppings associados.