Shoppings se esforçam para auxiliar menores em situação de vulnerabilidade
Conheça dois exemplos de sucesso no tratamento de crianças e adolescentes em risco
O Brasil precisa cuidar melhor de sua juventude. Dados do Cenário da Criança e do Adolescente 2019, realizado pela Fundação Abrinq, mostram que 9,4 milhões de menores vivem em situação de extrema pobreza. Ou seja, 22,6% de brasileiros com idade entre 0 e 14 anos vivem com renda domiciliar mensal inferior ou igual a R$ 234,25. O levantamento ainda indica que 2,5 milhões de crianças e adolescentes até 17 anos trabalham e que 16,4% das adolescentes são mães antes dos 19 anos.
Essa questão social, agravada por alto desemprego, evasão escolar e omissão de pais e responsáveis, acaba por impactar muitos shoppings do país, já que menores em situação de abandono, mendicância e vulnerabilidade buscam conseguir dinheiro ou doações nos empreendimentos.
“Devido à ausência do Estado, dos responsáveis e da sociedade civil na proteção de nossas crianças, essa deficiência vem caindo sob a responsabilidade da administração dos shoppings, principalmente do departamento de segurança. Altamente estressados pelo ambiente, demandados por lojistas, consumidores e administrações, os vigilantes atuam eventualmente sem claras orientações, causando danos aos menores, bem como à imagem do shopping center”, relata Thiago Pampurre, coordenador de segurança do NorteShopping, na capital fluminense.
Visitado por 2,7 milhões de pessoas por mês e localizado a um raio de 5 quilômetros de comunidades atingidas pelo tráfico de drogas e pela ação de milícias, o empreendimento passava por um cenário bastante desafiador com crianças e adolescentes sofrendo risco iminente de acidentes ou atropelamentos, evasão escolar, trabalho infantil e práticas eventuais de atos infracionais.
Para auxiliar o NorteShopping a dar a volta por cima, foram organizadas diversas ações. A primeira delas foi o conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Recomendo que o shopping center não encare essa criança ou adolescente como um transtorno ao seu cliente, mas entenda que conforme rege a Lei Federal N° 8.069 do (ECA), é dever de todos cuidar dos menores: sociedade, shopping, Poder Público, Conselho Tutelar e Polícia, em se falando de atos infracionais”, reforça o coordenador de segurança.
“A truculência, a expulsão ou fingir que não está vendo nunca serão as melhores tomadas de decisão para o shopping center. Acreditem e façam cumprir o ECA. Tratem essas crianças de forma responsável e genuína”, Thiago Pampurre
Virando o jogo
Após a compreensão do ECA, é preciso buscar os órgãos públicos responsáveis para dar apoio ao empreendimento. Este momento pode ser difícil, porque as instituições podem interpretar como uma maneira de o shopping passar a responsabilidade e tentar se isentar. Neste caso, o NorteShopping obteve sucesso ao integrar Subprefeitura, Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social, Conselho Comunitário de Segurança, Guarda Municipal e Polícia Militar.
Auxiliados pelas instituições competentes, o shopping criou um ambiente dedicado em suas dependências para acolher os menores, onde são qualificados, acolhidos e recebem alimentos. As crianças e os adolescentes em situação de vulnerabilidade permanecem no local até o momento da chegada do Conselho Tutelar, que os encaminha para um abrigo com o objetivo de reintegrá-los à sociedade. Em casos de ato infracional, a Polícia Militar é acionada.
“Utilizamos como estratégia três fases: a primeira, de criação da relação individualizada do shopping com os órgãos correspondentes. Em seguida, fomos o pivô na construção da relação de integração entre todos os órgãos, os quais não interagiam entre si por causa de alguns entraves específicos. Por fim, após a criação de um relacionamento institucional público-privado saudável e legítimo, passamos a articular a realização de inúmeras ações cooperadas em favor das crianças. Poucos meses depois dessa estratégia, as crianças que frequentavam o NorteShopping nas situações de abandono ou vulnerabilidade passavam a ser acolhidas, alimentadas e, em paralelo, submetidas aos cuidados legais do Conselho Tutelar”, resume Pampurre.
AVANÇOS
* CEM CRIANÇAS RECEBERAM ATENDIMENTO NO NORTESHOPPING AO LONGO DOS ÚLTIMOS 3 ANOS
* 30 MENORES FORAM ASSISTIDOS NO SHOPPING METRÔ SANTA CRUZ NO ÚLTIMO ANO
Volta por cima
O Shopping Metrô Santa Cruz, situado na capital paulista, também enfrentava dificuldades envolvendo menores em situação de abandono e vulnerabilidade. Atos infracionais eram cometidos com frequência e os vigilantes trabalhavam sob grande pressão no empreendimento, que recebe 1 milhão de visitantes por mês.
Pampurre foi acionado para atuar no shopping, que também faz parte da brMalls. Neste caso, como não houve êxito no relacionamento com o Conselho Tutelar de Vila Mariana, foi necessário partir para o plano B e buscar a orientação de outra entidade. A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS), por meio de seu SAS, CRAS e CREAS, foi fundamental nesse processo. “Em parceria com a SMADS e a Rede Peteca, que luta pelos direitos das crianças e combate o trabalho infantil, montamos um núcleo social, contratamos assistentes sociais, criamos uniformes para os agentes, distribuímos uma cartilha de conscientização aos consumidores e lojistas e divulgamos a ação no mall”, conta Pampurre. Dessa maneira, e com o apoio do coordenador de segurança Adriano Alves da Silva, os problemas foram contornados com sucesso.
“A maior recompensa foi ver a redução drástica no número de menores nos shoppings e saber que geramos oportunidade de retorno aos estudos e ao esporte. Os pais foram notificados e responsabilizados pela negligência, com risco de perda da guarda em caso de reincidência. É gratificante receber um ‘muito obrigado’ dos conselheiros e das assistentes sociais após possibilitarmos um futuro e uma sorte melhor a essas crianças”, descreve o gerente de segurança do NorteShopping.
Questão jurídica
Sócio do escritório Lobo & Lira Advogados, Sergio Vieira Miranda da Silva, destaca que a proteção dos menores envolve os governos federal, estadual e municipal, os três poderes e a sociedade civil. De acordo com a Constituição, o Estado tem que promover ações sociais voltadas para a criança ou o adolescente, ao passo que o ECA indica o oferecimento de uma política de atendimento articulado de ações governamentais e não governamentais. “Uma diretriz do ECA é a municipalização do atendimento, porque o governo federal emite as ordens gerais, mas cada município tem as suas peculiaridades. Dessa forma, o shopping precisa ter um plano de ações conectado com o Sistema de Garantia dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, de acordo com o município em que está localizado”, explica.