Ações sociais de combate à pobreza menstrual
Cresce o debate sobre o tema e também a adesão dos shoppings para esta causa. Com programas sociais próprios, os empreendimentos ajudam ONGs e as comunidades do entorno onde estão inseridos
Mesmo sendo um direito reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para cerca de 1,8 bilhão de mulheres que menstruam, a higiene menstrual está longe de ser realidade. Estima-se que uma em cada dez meninas se ausente das atividades escolares durante o período menstrual por falta de absorventes higiênicos. No Brasil, o índice é ainda mais grave: uma em cada quatro mulheres já deixaram de ir à escola pelo fato de estar menstruadas.
De acordo com o relatório LivreParaMenstruar, da Girl Up Brasil, usando como base os dados do censo demográfico do IBGE-2010, cerca de 30% das mulheres, meninas e trans do Brasil menstruam, ou seja, quase 60 milhões. Mas falta o básico todos os meses para muitas. Além do absorvente, uma boa parcela ainda sofre com a carência ou infraestrutura precária para o manejo da higiene menstrual, como banheiros, água e saneamento, além da falta de informação. Tudo isso leva à pobreza menstrual, um tema que tem ganhado cada vez debate na sociedade desde o veto do Projeto de Lei 4968/2019, que previa o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos em escolas públicas de anos finais de ensino fundamental e ensino médio e para mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema. A atuação tão importante de diversas ONGs pelo país, inclusive na luta para a criação de políticas públicas, tem trazido à tona dados importantes, como o da pesquisa Livre para Menstruar, que indica que o gasto estimado com absorventes ao longo da vida de uma pessoa fica entre R$ 3 mil e R$ 5 mil.
Movimentos sociais, assim como a iniciativa privada, se organizam cada vez mais para ajudar nessa causa, um trabalho que tem feito a diferença. Algumas vitórias nas Assembleias Legislativas já foram conquistadas. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a aprovação do projeto de lei 2667/2020 estadual reduziu impostos sobre absorventes, uma conquista do Girl Up – grupo que continua se mobilizando para que o alcance seja em nível nacional. O estado também aprovou, em dezembro de 2021, a lei 9508/2021, que isentou absorventes íntimos, internos e externos, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Estadual e de Comunicação (ICMS), referente a produtos destinados aos órgãos estaduais e municipais, em políticas públicas de distribuição gratuita dos itens. O Rio de Janeiro garante ainda a distribuição de absorventes e materiais sanitários junto com as cestas básicas dadas pelo governo do Estado.
Outros estados também sancionaram leis para distribuição nas escolas públicas estaduais. Em São Paulo, o Programa Dignidade Íntima investiu mais de R$ 30 milhões em 2021. No Ceará, a medida, que implementa a Atenção à Higiene Íntima Menstrual de Estudantes, beneficia mensalmente 115 mil mulheres da rede de ensino público estadual e das universidades estaduais.
Os shoppings também aderem à causa
O setor de shopping center também começou a abraçar mais esse movimento social. A Ancar Ivanhoe envolveu 16 empreendimentos da rede na campanha #fluxolivre para a arrecadação de absorventes.
Foram montados pontos de coleta em empreendimentos dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Ceará. Segundo Caroline Pereira, gerente de branding e comunicação da Ancar Ivanhoe, a companhia acredita que os shoppings são agentes de transformação social e têm um compromisso com a qualidade e desenvolvimento do entorno em que estão localizados.
“Estamos sempre atentos aos problemas sociais das comunidades em que estamos inseridos para identificar oportunidades de como os shoppings podem contribuir e fazer a diferença”, declara.
Cerca de 13.500 itens de higiene pessoal feminina foram arrecadados e destinados às mulheres apoiadas pelos projetos sociais parceiros dos shoppings da rede nesta ação. Entre as instituições atendidas, estão BEM da Madrugada, Sociedade de São Vicente de Paulo, Casa do Zezinho, Obra Social Dom Bosco, Human Hand, ONG Absorvendo Amor, Instituto Meduca, Girl Up Natal, Rede Mulheres Empreendedoras Sustentáveis, Centro Humanitário de Amparo à Maternidade e Associação AMEM.
“Apesar da ação ter acontecido no mesmo período de outras datas importantes como a Black Friday, por exemplo, o tema foi pauta da sociedade e, por isso, acreditamos que o engajamento dos nossos consumidores foi bastante positivo. Ao todo, conseguimos impactar mais de 10 mil mulheres em situação de pobreza menstrual”, enaltece a gerente de branding e comunicação.
A Ancar Ivanhoe investe cerca de R$ 4 milhões por ano em programas e projetos sociais, patrocinados ou mantidos pelos empreendimentos.
“Para 2022, além do apoio às instituições parceiras, estamos prevendo uma agenda positiva endereçada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil para 2030”, revela Caroline.
Em outubro do ano passado, a Saphyr promoveu a campanha #TodosPorElas, em parceria com clubes do movimento Girl Up Brasil, e colocou pontos de arrecadação de absorventes em seus 10 shoppings, localizados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Acre, Roraima e Amazonas.
Com a iniciativa, a Saphyr quis colaborar para redução dos impactos na vida de tantas meninas como a evasão escolar. “Sabemos o quanto a pobreza menstrual impacta jovens no mundo inteiro e os números nos alertam sobre esse problema social. Como os shoppings são também um equipamento social que atende a sociedade em necessidades que vão além do abastecimento, buscamos, com a campanha, sensibilizar as pessoas para esse desafio, que carrega a desigualdade social de forma estrutural, e mostrar que, juntos, podemos vencer”, declara Caroline Alves, gerente de marketing do Shopping Metrô Tucuruvi.
Cada empreendimento doou os itens para uma ONG local, parceira do movimento Girl Up Brasil. Foram arrecadados quase 30 mil absorventes durante o mês de outubro de 2021, beneficiando diferentes meninas em situação de vulnerabilidade. E o engajamento do público ficou dentro do esperado. “O mais importante é ajudar quem mais precisa neste momento e mostrar para o nosso público que esse problema existe e precisa de atenção”, afirma Caroline Alves.
E novas ações deverão acontecer ao longo de 2022.
“Estamos sempre focados em realizar campanhas sociais que beneficiam diferentes pessoas e necessidades. Neste ano, não será diferente e estamos preparando mais campanhas como a do ano passado.”
Solidariedade
A indústria de higiene também tem se mobilizado e mostrado a importância de falar sobre o tema. Após lançar um estudo sobre o assunto, a Always fez uma campanha durante o mês de maio de 2021, em que a cada embalagem vendida, o fabricante doaria um absorvente. A meta de 1 milhão de unidades foi alcançada e destinados a instituições e organizações sem fins lucrativos.
O tema também sensibilizou, Gabriela Aguiar e Beatriz Garcia, moradoras do ABC Paulista (SP) e fundadoras da associação sem fins lucrativos T.P.M! – Transformando o Período Menstrual!. Abaladas com a situação dos mais vulneráveis durante a pandemia, as duas amigas decidiram ajudar e conseguiram arrecadar R$ 15 mil, que foram convertidos em alimentos e distribuídos em uma ocupação. Mas, logo nas primeiras entregas, os moradores falaram sobre a necessidade de itens básicos de higiene como papel higiênico, xampu, sabonete e absorvente. A dupla uniu forças, fundou a ONG e, em apenas um ano, arrecadou em torno de 30 mil unidades de absorventes. O projeto cresceu e, hoje, contam com mais oito voluntários.
“Quando soubemos que as meninas choraram ao receber os absorventes, resolvemos estruturar o projeto para conseguir suprir essa carência mensalmente e ajudar sempre”, relembra Gabriela Aguiar, presidente e cofundadora da T.P.M! e estudante de Medicina.
Hoje, através da T.P.M!, elas levam os itens de higiene básica e menstrual a abrigos, ocupações, centros de acolhida, entre outros locais, além de ajudarem ainda pessoas em situação de rua na Grande São Paulo. “No começo, procurávamos locais para entregar os kits, agora, eles nos procuram. O projeto cresceu muito. No caso das pessoas em situações de vulnerabilidade que vivem na rua, entregamos kits com absorventes, lenços umedecidos, sabonete, papel higiênico, toalha de rosto, escova de dentes e creme dental”, explica Gabriela
A ONG conta ainda com alguns pontos de coleta de doações em pontos comerciais (pet shop, farmácia, salão de beleza, consultório de ginecologia e centro de estética), mas ainda não há uma parceria com um centro de alto fluxo. Esse tema mobiliza muitas pessoas como Gabriela e Beatriz em todo o país e, com certeza, tem levado mais dignidade para quem mais precisa.