SET/OUT 2022 – Edição 243 Ano 35 - VER EDIÇÃO COMPLETA
ESG

ESG: uma nova forma de comunicar valor e mitigar riscos

13 de outubro de 2022 | por Solange Bassaneze | Fotos: Divulgação

A partir da sustentabilidade empresarial baseada na agenda ESG, são tomadas decisões para garantir lucro de forma segura, com menos riscos ambientais, sociais e de governança

A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) ganhou notoriedade depois que grandes investidores globais a adotaram, mas o termo foi citado pela primeira vez em 2004, quando Kofi Annan, na época, secretário-geral da ONU, provocou 50 CEOs de grandes instituições financeiras a integrar essas questões no mercado de capitais no Who Cares Wins, publicação do Pacto Global feita em parceria com o Banco Mundial. Com isso, os investidores passaram a tomar decisões baseadas no ESG, o que fez com que as companhias também passassem a buscar essa sustentabilidade empresarial. E isso reverbera para todos os setores, inclusive, o de shopping centers e varejo.

Segundo Marcus Nakagawa, professor da ESPM e coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental, a relevância do ESG ganhou uma projeção ainda maior em decorrência da pandemia. “Depois que tivemos esse impacto social muito forte com a crise sanitária, vindo do ambiental, com animais silvestres trazendo doenças, as empresas entenderam que é importante, dentro do possível, tentar minimizar e controlar esses impactos ambientais”, explica.

Com isso, as empresas estão tentando fazer a transparência das suas atividades por meio de relatórios, sites e muitas vezes com ações direcionadas aos steakholders para prestar contas. “Mas existe a necessidade de ter comprovações e validação, por isso, algumas companhias usam auditorias externas. É muito importante que não seja só o relatório, que se tenha um lastro por trás e que a transparência seja cada vez mais forte para que alimente todo o ecossistema. No caso dos shoppings ainda mais, como gerenciam muitos steakholders no mesmo espaço, então, é preciso que todos sigam o compliance. Ao mesmo tempo, existem inúmeras oportunidades para esse setor em relação ao ESG”, afirma Nakagawa.

Marcus Nakagawa também é ganhador do Jabuti com o livro ‘101 Dias com Ações Mais Sustentáveis’e TEDx Coutdown Speaker

A Ancar Ivanhoe, um dos maiores players do setor de shopping centers, está em um momento de planejamento estratégico.

Alexandre Santos, gerente de ESG da Ancar Ivanhoe
“Finalizamos um estudo de materialidade, que preconizou o nosso primeiro relatório de sustentabilidade, baseado na GRI (Global Reporting Initiative). Com isso, conseguimos identificar os temas mais críticos do nosso setor e do nosso negócio para podermos endereçar esses aspectos. Agora, estamos na fase final do nosso diagnóstico de maturidade ESG, para sabermos em qual nível a companhia está frente ao mercado e aos seus concorrentes”, explica Alexandre Santos, gerente de ESG da Ancar Ivanhoe.

A partir desses dois estudos, a Ancar Ivanhoe terá um road map para, então, estruturar a agenda ESG 2030. “Esse é o nosso grande passo onde apontaremos ao mercado os nossos compromissos ESG, respeitando o framework dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da ONU (Organização das Nações Unidas), e essa será a matriz que nos guiará nos próximos oito anos. Fizemos um recorte de quais ODS têm impacto da nossa atividade, onde teremos a certeza de que vamos contribuir efetivamente para esse avanço. Como agenda ESG precisa comunicar valor e é basicamente a mitigação de risco financeiro baseado no processo de inovação que mantém os negócios da companhia de maneira perene, temos buscado iniciativas que conversem com essa agenda de maneira mais macro. E o Comitê de ESG conta com membros do mais alto grau de governança”, explica Santos.

A Iguatemi Empresa de Shopping Centers, pioneira do setor, trabalha as questões de ESG desde sempre com um índice elevado de atividades e, por estar listada na Bolsa de Valores, está se adequando para atender à normatização de ESG. “Com o crescimento das exigências dos mercados de capitais no exterior e no Brasil, estamos coletando ordeiramente as centenas de ações associadas à sigla e empacotando-as de forma que possam ser mais aproveitadas e compreendidas pelos mercados de capitais. E essa adequação que acontece no mundo todo é um progresso bastante positivo para todos”, afirma Charles Krell, vice-presidente de operações da Iguatemi.

E esse trabalho de longa data com diversas práticas é realizado especialmente por dois motivos na Iguatemi.

“Primeiramente olhamos com tremenda atenção para steakholders – os nossos lojistas – e administramos espartanamente as despesas condominiais em muitas frentes, que são fundamentais para bem-estar econômico deles. À medida que operam bem, estão empregando, educando, treinando, vendendo, gerando impostos etc. E isso está atrelado a vários elementos ligados ao ESG. O segundo ponto está relacionado aos benefícios gerados para a sociedade e meio ambiente”, afirma Krell.

Entre as inúmeras iniciativas voltadas para sustentabilidade, uma das mais recentes e inovadoras é a Bike Station, instalada no Shopping Market Place.  O bicicletário conta com uma estrutura completa com elevadores exclusivos, 79 vagas para bicicletas ou patinetes com uso gratuito, lockers e ainda vestiários individuais muito bem equipado para banho, ao custo de R$ 15 por meia hora, com secador, toalha e amenities. “A Bike Station vem para reduzir a quantidade de carros e emissão de poluentes nas ruas, estimulando as pessoas a utilizarem bicicletas, um meio muito mais sustentável para vir ao shopping a passeio ou trabalho. É o único da rede e já estamos pensando em fazer outros. Temos lojistas, clientes e funcionários das torres utilizando esse espaço”, diz Christian Birmoser, gerente geral do Shopping Market Place.

Escassez de profissionais

É preciso ainda que a gestão tenha profissionais cuidando dessas temáticas para organizar e sistematizar essas informações, o que, muitas vezes, já vem acontecendo por questões jurídicas e de compliance. Mas faltam pessoas qualificadas no mercado para atender essa demanda, com isso, há uma grande procura por cursos de pós-graduação nessa área de ESG. “Geralmente, esses profissionais estão nas consultorias ou são docentes em universidades e as empresas contam apenas com colaboradores com conhecimento técnico, mas sem o conhecimento da gestão política e de entendimentos de como implementar o ESG. Por isso, muitas companhias contratam consultorias”, ressalva Nakagawa.

Como comunicar

Para poder elaborar seus relatórios, as empresas utilizam as diretrizes da GRI associadas aos 17 ODS da Agenda 2030. Os 17 ODS trazem 169 metas a serem atingidas. O professor da ESPM recomenda para o setor de shopping centers que cada empreendimento escolha alguns dos ODS e faça disso uma missão e vocação para se diferenciar. “Essa concorrência é saudável porque melhora os ODS, que são a base e o sonho comum de todos.”

O Maringá Park Shopping conquistou o selo Ouro no ano passado ao cumprir os 17 ODS. A certificação foi concedida pelo Instituto ACIM da Associação Comercial e Empresarial de Maringá. A superintendente Cláudia Michiura relembra que tudo começou por meio de um treinamento promovido pela ACIM no início de 2021. “Ao término do curso, vimos que já fazíamos diversas ações relacionados aos ODS, pois esse comprometimento sempre esteve presente em nosso dia a dia. Aderimos ao Pacto Global ainda em 2009. Então, contratamos uma consultoria de alinhamento para selecionar os projetos e, em 2021, fomos certificados com o Selo Ouro. Em agosto de 2022, fomos auditados novamente, mantendo a certificação. Com isso, o desafio aumenta para os próximos anos porque queremos manter o Ouro, então, precisamos incluir a busca por projetos novos e pensar em estratégias de crescimento dos já existentes. Acredito que temos um equipamento grandioso para trabalhar ESG e o shopping nos dá muitas possibilidades”, afirma a superintendente do Maringá Park Shopping.

Cláudia Michiura, superintendente do Maringá Park Shopping

Sempre fica a dúvida de como divulgar isso ao público. Segundo o professor Nakagawa, a partir do momento em que existe o lastro, indicadores, GRI, com auditoria externa, e a empresa faz mais do que a legislação exige, deve divulgar. “Quando se faz algo diferenciado além da lei, comunique, sempre trazendo referência, para que sirva de exemplo aos concorrentes, estimulando-os.”

O Grupo JCPM, que tem como compromisso social potencializar o impacto de investimentos olhando para as necessidades do entorno e da sociedade, agora também está na fase de estruturar a matriz de materialidade, se aproximando dos ODS. Em 2023, terá, pela primeira vez, um relatório inspirado no GRI. E há diversos projetos que vêm sendo construídos há anos. O trabalho com a juventude realizado pelo Instituto JCPM de Compromisso, por exemplo, impressiona. Apenas em 2021, 5.714 jovens foram atendidos. “Temos números bastante relevantes de atendimento a jovens de 16 a 24 anos com elevação de escolaridade, projeto de vida e a perspectiva de entrarem na universidade e de terem um emprego. E isso reforça o principal objetivo dos ODS que é erradicação da pobreza e da fome, um tema urgente no Brasil. Apesar de ser função dos governos, nos sentimos colaboradores à medida em que as comunidades do entorno são pobres e têm uma dificuldade de usufruir das políticas públicas”, declara Lucia Pontes, diretora de desenvolvimento social do Grupo JCPM.

Agora, a companhia busca uma parceria com a política pública de acolhimento da população de risco, para fazer um projeto de empregabilidade para que esse jovem tenha uma escolha. Estão tentando fazer isso junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco. “Sempre vamos ampliando os projetos e, nesse momento, estamos tendo uma discussão importante sobre diversidade e inclusão.”

Lucia Pontes, diretora de desenvolvimento social do Grupo JCPM

O consumidor

Além do olhar atento dos investidores, há uma pressão cada vez maior dos consumidores, que estão atentos a essas questões. Segundo a pesquisa da BrandLoyaltym feita em parceria com Kantar em 2021, 88% dos brasileiros têm seus valores vinculados à sustentabilidade. De acordo com Nakagawa, com o momento atual do Brasil, com inflação, salários baixos, com segurança alimentar em risco, o fator preço baixo acaba sendo decisivo na hora das compras, no entanto, quando a estabilidade voltar, esse consumidor, principalmente, das classes mais altas, começará a escolher produtos que tenham cunho social e ambiental positivo. “As gerações mais novas, Z e millennials, boicotam marcas que tenham problemas ambientais e sociais”, reforça o professor.

Como é uma cultura nova, muitas companhias têm colocado esses KPIs como metas para diretores e vice-presidentes.”O ESG é mais uma ferramenta de gestão que precisa ser incorporado em todas as áreas e departamentos”, afirma Nakagawa.

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