O envolvimento e a evolução do setor são visíveis ao longo da última década e muitos projetos podem ser considerados modelos para a sociedade
A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos completará 10 anos em agosto e, ao longo deste período, muitas mudanças foram implementadas. Com a legislação nacional, as atividades da indústria, do comércio e de prestação de serviços têm que atender a uma série de normas.
No caso dos shopping centers brasileiros, que recebem 502 milhões de visitantes por mês, podemos constatar que houve uma evolução do setor em um de seus principais pilares: a sustentabilidade.
Segundo o Relatório de Sustentabilidade, realizado pela Abrasce em 2019, 92% dos shoppings do país fazem a coleta seletiva de cerca de 20 mil toneladas de lixo por mês, mas apenas 35% realizam a logística reversa. Então, há muitas metas ainda a serem traçadas e alcançadas, pois vivemos a era da economia circular, em que o recurso é utilizado, descartado e reaproveitado.
Alguns empreendimentos se destacam no assunto e servem de modelo para os demais. Um deles é o Shopping Eldorado, que há 10 anos iniciou um programa de gestão de resíduos com o objetivo de reduzir o lixo enviado ao aterro sanitário. “Começamos a fazer a coleta seletiva, mas percebemos que a nossa capacidade era pequena pelo fato de muitos clientes e lojistas descartarem o lixo orgânico no reciclável. A partir de então, iniciamos o processo de separação na Praça de Alimentação e tivemos um aumento significativo”, conta Sergio Nagai, superintendente do empreendimento.
Como a meta era diminuir o volume enviado ao aterro sanitário de forma drástica, criaram uma composteira, feita a partir do reaproveitamento de uma secadora de fumo. “Hoje, são recicladas quase 2 toneladas de lixo orgânico por dia, que vira adubo. Uma parte é utilizada na horta instalada na cobertura do shopping e o restante é doado. Hortaliças, legumes, ervas e temperos colhidos são destinados aos funcionários. Das 300 toneladas de detrito produzidas por mês no Shopping Eldorado, 60 toneladas são de lixo orgânico. Atualmente, conseguimos reciclar 80% do total de resíduos”, relata.
O material reciclável é encaminhado a uma cooperativa cadastrada na Prefeitura de São Paulo. “Esse resíduo não gera uma receita para o shopping, mas acaba sendo o salário destes cooperados.” Três funcionários cuidam do trabalho de compostagem, mas Nagai reforça que todo o time está envolvido. “É um projeto que todos têm orgulho. Os consumidores interessados também podem levar o adubo de forma gratuita, basta procurar o SAC do empreendimento”, diz.
Segundo Telma Bartholomeu Silva, advogada, auditora ambiental e especialista em projetos de sustentabilidade para shopping centers, esse modelo de centro de compras é um organismo vivo em termos de quantidade e qualidade de resíduos, por isso, não dá para tratar o shopping como uma indústria, que tem uma previsão de resíduos.
“É fundamental ter engajamento do lojista e da equipe de limpeza. Ambos precisam de treinamento e capacitação. Em nosso projeto, o lixo é segregado na ponta por andar e por galeria, assim, quando desce para as docas já está separado por container, de acordo com a Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), no padrão internacional de cores”, diz Telma. A dinâmica começa na loja e vai até a doca, envolvendo o processo de separação, a coleta seletiva, o correto acondicionamento e a retirada.
A auditora ainda alerta que, diferentemente da água e da energia, o lixo ainda é visto como gasto por boa parte dos empreendimentos, mas ele pode ser monetizado também. Os recicláveis são fáceis de serem comercializados já o orgânico gera custos para alguém retirar.
O que também não pode ser deixado de lado é a documentação que a gestão de resíduos exige. “É preciso que o empreendimento emita sempre o PGRS (Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos), obrigatório pela Lei Nacional. Todo grande gerador precisa ter esse certificado. Quem não tem isso em dia pode sofrer as penalidades previstas em lei como multas. O cerco está se fechando nos municípios, porque as prefeituras não querem carregar mais esse lixo de graça, então, estão legislando localmente para aplicar a legislação nacional”, alerta Telma.
Telma explica que, nos projetos de gestão de resíduos que cuida, existe a possibilidade de incluir uma composteira customizada de acordo com porte do shopping center. O composto de alta qualidade produzido pode ter dois aproveitamentos: ser usado em jardins do centro de compras ou doado para a Fundação SOS Mata Atlântica. “Quando é viável para o shopping ter uma composteira, é possível reduzir o custo do transporte e a disposição final dos orgânicos. Mas a compostagem exige cuidados também para não haver contaminação.”
Cuidar do lixo é essencial, mesmo diante de uma doação dos materiais recicláveis. Em todos os casos, é preciso exigir certificados de destinação de resíduos e verificar cada um dos fornecedores. Essa cadeia ambiental tem que ser observada para não ter problemas futuros.
Os shoppings que possuem laboratórios e farmácias devem verificar ainda como são feitos a coleta e o transporte de resíduos de serviços de saúde para que todas as partes fiquem protegidas e tenham documentos que comprovem o cumprimento da lei. “Nenhum negócio sobrevive hoje sem ser sustentável. Resíduos causam multa, denúncias no Ministério Público, entre outros problemas. Quem não tem a documentação está vulnerável”, frisa Telma.
Já existem plataformas que gerenciam os resíduos sólidos com acesso remoto. Uma delas é o GreenNow, lançado recentemente, que permite ainda controlar os custos e gerar receita e é aplicável para shopping centers. O lixo também pode usar a tecnologia a seu favor.
“O shopping serve de modelo para o consumidor e reciclar deve ser um hábito. Como tem um papel transformador, social e de educação ambiental, deve trabalhar com o tema sustentabilidade internamente”
– Telma Bartholomeu Silva.
Vencedor do Prêmio Abrasce 2019
Desde 2016, o Shopping Center Norte e o Shopping Lar Center reforçaram as ações voltadas ao engajamento sustentável com a criação do Projeto Resíduo Zero. “Ele foi o guia para uma série de novas ações e implementações nos empreendimentos, inclusive, gerando impacto positivo na comunidade local”, reforça Giuliana Tavares, gerente de facilities dos empreendimentos.
Os benefícios proporcionam ainda conhecimento e boas práticas, que contribuem nos aspectos social, ambiental e financeiro, pilares importantes da sustentabilidade. A partir disso, várias ações e projetos foram criados como a Comissão Interna de Sustentabilidade e a Central de Gerenciamento de Resíduos.
“A operação se aprimora a cada dia e é já possível separar os recicláveis em 22 tipos de materiais. O Projeto Resíduo Zero gera rendas expressivas. O reciclável representa 21% da receita do Instituto Center Norte, sendo revertida integralmente no apoio de projetos da zona Norte da cidade de São Paulo.”
Mais de 3 mil pessoas são beneficiadas pelo Instituto Center Norte. Com um fluxo de 80 mil visitantes por mês, os dois empreendimentos reciclam em média 40 toneladas por mês. “O mais difícil foi o engajamento dos stakeholders. Trazer o tema de forma a conscientizar e fazer com que as ações fizessem parte da cultura foi um grande desafio”, relembra Giuliana.
Reaproveitamento de diversas formas
Implantado em 2017, o programa de gestão de resíduos do Shopping Nova América também tem como objetivo reduzir o volume enviado para os aterros, incentivando a reciclagem.
Para isso, são realizados trabalhos de conscientização de lojistas e clientes e, a partir da coleta do resíduo já separado em orgânico e reciclável, é feita a segregação por tipo, onde os materiais são enfardados e enviados para as empresas de reciclagem.
“Internamente, fazemos compostagem com parte do resíduo orgânico das lojas de alimentação, usando como adubo da horta, e reaproveitamos o óleo para fabricação de sabão e velas artesanais”, esclarece Rafael Lanzadera, gerente de operações do Nova América. A maior dificuldade na implementação foi justamente esse trabalho de conscientização.
Atualmente, o centro de compras recicla cerca de 14% de todo resíduo gerado, chegando a mais de 38 toneladas por mês. Os funcionários têm acesso semanalmente a verduras da horta orgânica. Mudas e velas artesanais também são entregues como mimo aos clientes. Ao todo, o projeto conta com 23 colaboradores envolvidos em todo o processo.
Em janeiro deste ano, mais uma ação foi colocada em prática. Em parceria com a White Martins, o Nova América lançou a campanha de arrecadação de anéis de lata, com o intuito de trocá-los por cadeiras de rodas especiais. “A coleta é feita por meio de garrafas PET de 2 litros: 770 garrafas cheias correspondem a uma cadeira de rodas para uma criança, que é selecionada pela One by One, ONG voltada para inclusão social de menores de baixa renda com deficiência”, afirma Lanzadera.
DICA DE LEITURA
A autora Telma Bartholomeu Silva comenta cada um dos artigos da Lei 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos. Aponta as possíveis implicações práticas e esclarece as obrigações, as responsabilidades e as situações jurídicas, técnicas e econômicas desde a publicação da lei.