A segurança dos shoppings em tempos de pandemia
Equipes bem treinadas e uso da tecnologia continuam sendo os maiores aliados dos shoppings
A porta automática ou a cancela do estacionamento se abre e os clientes acessam um dos locais em que se sentem mais confortáveis e seguros na hora de se entreter, divertir, fazer compras e até resolver questões do dia a dia. Para que os consumidores se sintam assim, não faltam investimentos contínuos na infraestrutura e na segurança dos shoppings. Com a pandemia, protocolos sanitários foram implantados e o uso da tecnologia avançou ainda mais.
Nelson Junior, gestor de segurança do Shopping Eldorado (SP) e membro do Comitê de Segurança da Abrasce, diz que houve uma readequação dos custos por conta da redução no fluxo de visitantes. Desde 2020, o empreendimento trabalha com a mesma formatação e apenas implementou alguns cuidados extras.
“Ao contrário do que as pessoas pensam, a diminuição no fluxo de visitante aumenta bastante o nosso risco. Um shopping mais cheio, é mais tranquilo. Então, temos que reforçar a segurança.”
De acordo com Thiago Pampurre, coordenador de Segurança do Norte Shopping (RJ) e membro do Comitê de Segurança da Abrasce, em uma situação de normalidade, a estratégia de segurança é a construção sólida dos três círculos concêntricos: shopping, loja e segurança pública. “Caberá ao gestor de segurança de cada empreendimento potencializar e equalizar esses três círculos por meio de pessoas bem treinadas, processos inteligentes e equipamentos eficientes, de forma que desestimule a intenção de criminosos no empreendimento e em seu entorno.”
Pampurre acrescenta que, com a pandemia, foi necessário acrescentar mais um círculo: o da saúde de colaboradores e clientes. “Nossas equipes foram treinadas para se fazer cumprir as medidas sanitárias de prevenção. Todos estão empenhados em garantir a higienização dos equipamentos individuais e coletivos do shopping; que nenhuma pessoa acesse o shopping com sintomas gripais ou febre; que se faça o uso de máscaras; higienize as mãos e se evite aglomerações, principalmente em filas ou praças de alimentação.”
Além da capacitação do quadro de profissionais, o controle de acesso passou por alterações. Segundo Cesar Leonel da Silva Neto, diretor executivo da unidade de Negócios de Segurança, da Verzani & Sandrini, muitas interferências temporárias na arquitetura foram executadas para se obter o comportamento pretendido pelos setores de segurança locais. Entre elas, a criação de barreiras físicas, medição de temperatura, fiscalizações para aferir o uso de máscaras e distanciamento social.
“Investimos pesadamente na formulação de protocolos específicos contra Covid-19, reunindo um time de especialistas. Depois, partimos para criação e implementação de treinamentos. Como temos a Universidade Corporativa Verzani & Sandrini, com capacidade de funcionamento 24 horas, criamos uma escola dedicada exclusivamente à pandemia. Nossas equipes passaram por diversos treinamentos, a princípio com a liderança para que ela pudesse ser multiplicadora e, ao mesmo tempo, fiscalizadora.”
A Gocil elaborou uma cartilha com todos os direcionamentos preventivos para o treinamento dos seus colaboradores. “O objetivo foi trazer algumas informações essenciais sobre o vírus, orientar sobre os procedimentos no atendimento ao público e fazer cumprir as exigências impostas por lei, evitando aplicação de multas e até mesmo do estabelecimento”, conta Marcelo Voltolin, diretor de operações da Gocil.
Junior relata que, no Shopping Eldorado, também houve um treinamento intenso relacionado à parte sanitária, mas os protocolos de procedimentos na parte técnica da segurança não mudaram. “O shopping é um lugar seguro para as pessoas frequentarem tanto na parte de segurança como sanitária e estamos preparados para enfrentar essa crise sanitária.”
Máscaras
Um dos pontos que exigiram a atenção redobrada foi o uso da máscara por todos os que acessam o shopping. “Assim como o ser humano precisou readaptar seus sentidos para reconhecer outras pessoas devido ao uso da máscara, nós também. Na prática, reforçamos aos nossos profissionais a básica teoria de que não há pessoas suspeitas, mas atitudes suspeitas. E os estimulamos diariamente a identificar esses sinais”, destaca Pampurre.
São analisadas desde situações mais simples, como o uso de casacos de frio em dias quentes e mochilas aparentemente vazias nas costas, que, podem ser utilizados para guardar objetos furtados. E até mesmo circunstâncias suspeitas de maior perigo – pessoas como volumes na cintura, ou atraídas exclusivamente por joias ou aparelhos celulares sem nítida intenção de compra. Outro ponto de atenção são pessoas interessadas pelo trajeto pouco comum dentro do shopping, tentando acessar galerias técnicas ou sequencialmente entrar em banheiros. “Ou seja, necessitamos estar sempre em estado de alerta e com os sentidos da percepção e intuição bem aguçados”, diz o coordenador de Segurança do Norte Shopping.
Voltolin concorda e diz que, além das responsabilidades operacionais diárias que a segurança tinha como rotina, o novo cenário da pandemia trouxe uma preocupação ainda maior com a não visualização das pessoas entrantes (expressão facial), já que a máscara dificulta a identificação. “Esse fato exige dos profissionais de segurança a adoção de estratégias de atenção e criticidade ainda maior, com foco na riqueza dos detalhes sobre as atitudes pessoais, para que seja rapidamente analisado e reportado uma possível ação delituosa.” As novas demandas geram a necessidade da cooperação total entre prestadores e tomadores, para que o cliente tenha a experiência de melhoria no atendimento e, principalmente, aumente a sensação de segurança dentro dos shoppings.
Segundo Junior, o trabalho é sempre focado, especialmente, na prevenção, em que os vigilantes de piso observam atitudes corporais e expressões faciais. “A máscara fez o nosso risco aumentar e dificultou esse trabalho de identificação e percepção de alguma anormalidade. Então, intensificamos o monitoramento diretamente nas pessoas, por exemplo, uma pessoa parada em um determinado local por um certo tempo, o operador coloca a câmera nela e faz o monitoramento durante um período. Também criamos barreiras virtuais para que possamos verificar se pessoa avança determinado ponto, o que gera um alerta.”
Como o risco aumenta quando o shopping opera apenas com as atividades essenciais e serviços de delivery, a segurança também age com cautela, segregando áreas e reforçando o número de rondas e vigilantes, inclusive, os prestadores de delivery têm o acesso monitorado com acompanhamento físico do profissional da segurança e também pelo sistema de monitoramento da CFTV.
Reconhecimento facial
O reconhecimento facial já tinha resultados muito efetivos para reduzir o número de sinistros nos shoppings antes da pandemia, mas também teve que passar por atualizações. “O algoritmo foi submetido a alterações para que pudesse entender os limitadores e ter mais acurácia. Um indivíduo que já tinha a intenção de se esconder com óculos escuros e boné, agora, a máscara o ajuda. Por isso, é fundamental que a segurança do empreendimento fique mais atenta no piso. O reconhecimento facial sempre foi muito efetivo para a pessoa que achava que não seria notada, mas agora, é um fator muito mais de profiling porque a ferramenta não irá resolver esse tipo de problema”, esclarece Matheus Torres, CEO da Retina.
Segundo ele, antes da pandemia, quando não havia o uso de máscara, a acurácia do algoritmo de reconhecimento dos softwares da Retina era sempre 99,3% para cima. Com a atualização feita, está por volta de 85%. “É importante esclarecer que nunca vendemos o reconhecimento facial sem o elemento humano. Por mais que o alerta tenha 99,9%, o software nunca vai dar 100% ou gerar um incidente sem a participação do operador. Então, se faz necessário que o operador esteja mais engajado com o processo de olhar a ferramenta e observe o comportamento da pessoa no chão do mall.”
Para Jose Larrucea, sênior vice-presidente da RealNetworks, o uso da tecnologia passou a ser um facilitador nesse novo tempo. A multinacional lançou a SAFR 3.0, uma versão aprimorada de reconhecimento facial com o uso de máscaras. A ferramenta é submetida às perícias do Nacional Institute of Standards and Technology (NIST), uma agência regulatória do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, que mensura a sofisticação do empenho e performance de soluções de tecnologia, estabelecendo um benchmarking para o mercado.
A empresa sempre teve um nível de acurácia alto, em torno de 98%. “A inteligência artificial identifica mais de mil pontos em cada rosto durante o mapeamento, o que não foi mais possível com o uso da máscara. Então, foi necessário aperfeiçoar a ferramenta com datasets para identificar a pessoa com qualquer tipo de máscara e voltamos ao nível de mais de 98%”, explica Larrucea. O SAFR 3.0, da RealNetworks, ganhou essa nova versão para identificar rostos do mundo real com máscaras. A tecnologia ainda traz um dashboard para detectar se a pessoa está usando o EPI e tem filtros em que é possível analisar dados como idade, sexo, localização e hora.
O diretor de operações da Gocil afirma que o uso de câmeras inteligentes associadas ao reconhecimento facial são ferramentas fundamentais para o monitoramento. Ele ressalta que, quando a pandemia chegou, a solução de reconhecimento facial com capacidade de checagens múltiplas já estava pronta e poucos ajustes nos analíticos de vídeo foram rapidamente empreendidos. “Os sistemas de videomonitoramento são capazes de promover o reconhecimento facial, mesmo quando uma pessoa está usando máscara. Inclusive, esses sistemas ajudaram muito na fiscalização da utilização obrigatória das máscaras. A tecnologia tem sido uma grande aliada neste momento”, complementa.
Lojas sensíveis
As operações de joias e aparelhos celulares serão sempre o maior alvo do crime organizado, inclusive com o uso de armas de fogo durante as ações de roubo. Com isso, requerem diariamente atenção especial e procedimentos dedicados pelos shoppings. “Agora, a atenção está ainda mais elevada. No ano de 2020, houve a redução da lucratividade dos grupos criminosos devido ao confinamento da sociedade e ao fechamento do comércio. O atual período está sendo marcado pelo crescimento de investidas contra as joalherias e telefonias nos shoppings centers, principalmente na região Sudeste do país. Há também uma modalidade que vem assombrando os empreendimentos durante as madrugadas: furtos qualificados com pernoite. São realizados por uma quadrilha da região Centro-Oeste do Brasil, que já está sendo investigada pelos órgãos públicos com suporte de integrantes do Comitê de Segurança da Abrasce”, detalha Pampurre.
Segundo Silva Neto, não apenas as lojas sensíveis estão tendo atenção redobrada. Cada vez mais os esforços em rever e aprofundar protocolos de segurança avançam com o objetivo de proteger os ativos e as pessoas. “Existe de fato um receio de que os índices de criminalidade se acentuem, dada a diminuição no fluxo de mercadorias, veículos e pessoas neste último ano. Como as cidades e os estados voltam a restringir a circulação de tudo, o risco de maior criminalidade cresce e a necessidade de resposta sobe em mesma medida, tanto para os agentes públicos de segurança, quanto para os agentes privados de segurança”, pontua o diretor executivo da Verzani & Sandrini.
Voltolin também concorda que a oportunidade continua a fazer parte da vida dos assaltantes, principalmente nesta época de pandemia, onde a otimização de mão de obra se faz necessário. Entretanto, há uma preocupação constante por parte do corpo de segurança local em todos os procedimentos de abertura e fechamento, tanto a segurança física quanto o monitoramento das lojas sensíveis. “Sem contar que, mesmo com a otimização em alguns pontos, a segurança é reforçada nessas localidades. Ainda vale ressaltar que o possível controle de acesso feito nas entradas dos shoppings, com a aferição de temperatura das pessoas, propicia ao corpo de segurança uma oportunidade de analisar rapidamente atitudes suspeitas”, complementa o diretor de operações da Gocil.
De acordo com Junior, foram criados protocolos de reforço nas operações de risco e os lojistas sempre recebem orientações para deixar a operação o menos vulnerável possível. Uma das recomendações é evitar a exposição de produtos de maior valor agregado na vitrine. Além disso, enaltece que não há concorrência entre os empreendimentos no que se refere à segurança e a ajuda é mútua. “Temos um grupo de segurança em shopping centers do estado de São Paulo e outro nacional. Então, as informações chegam muito rapidamente, praticamente quando a ocorrência terminou ou está sendo finalizada. Depois, pegamos o detalhe para criar protocolos ou fazer o planejamento para evitar que aconteça em outro empreendimento.”
Em caso de ocorrência
Além do acréscimo das medidas de controle sanitário, os protocolos de atuação em caso de ocorrências continuam os mesmos. A gestão de uma crise com marginais dentro de um shopping center deverá ter sempre o objetivo maior de preservar a integridade das pessoas, recuperando o bem furtado ou roubado somente fora dos limites do empreendimento. “Para que isso aconteça, equipes de campo, central de CFTV e polícia local devem estar cientes e integradas desta norma de conduta, facilitando durante o sinistro as saídas dos marginais do empreendimento e gerando as informações precisas à polícia para que a ação de abordagem seja realizada exclusivamente no ambiente externo”, indica o coordenador de segurança do Norte Shopping.
As ocorrências não envolvem apenas crimes contra o patrimônio, mas também processos de socorro às pessoas. Segundo Voltolin, por terem dimensionamentos diferenciados, possuem sua própria cartilha em relação aos protocolos de atendimentos sobre ocorrências diversas. “Especificamente sobre a crise sanitária, a Abrasce lançou em abril de 2020 uma cartilha informativa, com bases e referências internacionais sobre as recomendações a serem tomadas quanto ao tema. Nada foi publicado quanto a mudanças no atendimento de ocorrências por conta da crise sanitária. É claro que o bom senso prevalecerá e estamos fazendo o uso dos devidos materiais de proteção em toda a operação”, pontua.
Segundo Junior, na resolução de uma ocorrência, o procedimento é sempre o mesmo e uma pronta resposta não implica em risco maior do ponto de vista sanitário.
Lei Geral de Proteção de Dados
A Legislação Brasileira já garantia ao cidadão o direito de privacidade, baseados no Código Civil e na Constituição Federal, como exemplos magnos. “A LGPD, que entrou em vigor em setembro de 2020, vem centralizar esses direitos, tornando-os mais claros e eficientes. Inclusive, prevendo punições às empresas que os descumprirem”, relembra Pampurre. Antes mesmo da LGPD entrar em vigor, os shoppings já tinham Políticas de Ética e de Privacidade de Imagens e sólidas Governanças e Compliance, e se anteciparam na adequação às novas normas e processos.
“Além da criação ou atualização de um software de gestão de dados e treinamento aos colaboradores, creio que não há necessidade de relevantes investimentos financeiros para que o shopping center opere à luz da LGPD. O diferencial é que, tanto o shopping quanto seus fornecedores, adotem processos sérios para a correta finalidade, tratamento e arquivamento com rigoroso controle de acesso desses dados coletados em SACs, CFTVs, campanhas promocionais, fraldários ou outros pontos de contato on ou off com seu consumidor”, destaca o coordenador de Segurança do Norte Shopping.
No caso da Verzani & Sandrini, líder no segmento de facilities e segurança em shoppings, para se adequar à LGPD, houve a criação de um comitê especializado. A empresa vem investindo em processos, mapeamentos, sistemas, treinamentos, formalização de documentos, conscientização de fornecedores, colaboradores e clientes. “Na operação, desenvolvemos novos protocolos e investimos, principalmente, em recursos de proteção sistêmica para impedir vazamentos de dados dos sistemas de segurança eletrônica. Uma nova camada de softwares de proteção contra invasões a banco de dados foi adotada”, diz o diretor executivo.
De acordo com o CEO da Retina, atender às normas da LGPD no momento em que se quer criar uma base de dados é tanto responsabilidade de empresas que oferecem serviços de reconhecimento facial quanto do shopping. “No caso da Retina, somos certificados pelo RGPD (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), a mãe da LGPD. Também somos auditados há três anos, o que faz com que estejamos dentro do compliance das normas brasileiras e europeias, que preserva o direito do algoritmo gerado ser esquecido.”
Larrucea também reforça que a RealNetworks tem a privacidade na arquitetura da ferramenta. “Ela vem com uma definição que prepondera a salvaguarda dos dados pessoais. Está na idiossincrasia. Para quem tem essa sensibilidade sobre os dados é um divisor de águas, algumas empresas não têm esse cuidado.”
Colaboração mútua
A parceria com a segurança pública sempre existiu no setor de shopping center. Segundo Pampurre, ela deve ser ininterrupta e contínua, independentemente do momento econômico, político, social ou epidêmico que o país se encontre. “É imprescindível e vou além, é vital que shopping center, Segurança Pública, Defesa Civil e outros órgãos públicos se relacionem. Essas esferas devem articular e suportar umas às outras de forma legítima, republicana e à luz das legislações e políticas anticorrupções de cada empresa, garantindo a presença do Estado no entorno dos shopping centers que recebem diariamente milhões de visitantes em todo o país.”
É comum os gestores de segurança se reunirem também com autoridades da segurança pública local. Algumas vezes, esses encontros são feitos com todos os shoppings do entorno. “Trocamos informações, falamos sobre ocorrências e essa proximidade com o setor público sempre é muito produtiva porque discutimos ainda protocolos de atendimento e cooperação”, diz Junior. É união entre público e privado com um só objetivo: a segurança de pessoas e patrimonial.