MAI/JUN 2024 - Edição 253 Ano 37 - VER EDIÇÃO COMPLETA

O paisagismo como protagonista nos shoppings

28 de junho de 2024 | por Solange Bassaneze / Fotos: Divulgação
As áreas verdes ganham cada vez mais relevância nos projetos

Natureza, quantos benefícios ela nos traz? Ela é força, energia, fonte, alimento… Sem ela, não vivemos. Tomar um banho de cachoeira, fazer uma trilha, relaxar entre as árvores ou apreciar o pôr do sol são sinônimos de bem-estar. Muitas vezes, os dias agitados impedem esse contato mais próximo. Mas quando isso passa estar presente em ambientes urbanos, os ganhos para a sociedade são imensuráveis. Com todas as mudanças vividas pela sociedade, o setor de shopping centers também tem se transformado e observado o quanto inserir elementos biofílicos agrega valor ao ativo, além claro, de fazer parte da agenda de sustentabilidade. 

Área de acesso do Galleria Shopping já torna a entrada mais agradável e convidativa | Foto: Divulgação/ACIA Arquitetos

Segundo o arquiteto Jayme Lago Mestieri, sócio-titular do JLM Arquitetos, a maioria dos greenfields em andamento no escritório tem de 30 a 40 mil mil ㎡ e é tratado do ponto de vista de urbanização, sendo concebido como pequeno polo administrado de varejo, serviços e ponto de encontro. “É como se de fato criássemos um minibairro e isso demanda um formato de produto mais adequado. Os shoppings buscam performance e esse modelo veio para atender uma maior diversidade de mix como se fosse uma rua comercial de uma cidade, em que é possível oferecer um custo menor de condomínio ao lojista.”

E isso é possível pelo projeto arquitetônico combinado ao paisagismo com áreas verdes ao ar livre ou cobertas, que favorecem a ventilação, diminuindo o uso de ar condicionado, o que se reverte para o condomínio do lojista.

Jayme Lago Mestieri, sócio-titular do JLM Arquitetos
“O aberto também dará condição de uma família ir para fazer uma visita exclusiva para um sorvete e para o verde. Fora isso, é possível fasear a construção, podendo desenvolvê-lo como se fossem pequenas quadras, interligadas com circuitos cobertos, porque não podemos abrir mão dos preceitos que os shoppings pedem”, explica Mestieri. 

De acordo com Fabio Aurichio, sócio-diretor do escritório ACIA Arquitetos, essa é uma tendência mundial, integrando o conforto do externo para o interno, e está associada à saúde, ao bem-estar e às sensações que a vegetação proporciona. “É a humanização dos espaços, pensando a arquitetura para as pessoas. O paisagismo é um elemento e o desafio é viabilizá-lo em ambientes artificiais de uma forma natural e espontânea. Há uma distorção disso quando se usa plantas artificiais. As áreas verdes não têm só um papel estético, elas ajudam na umidade do ar interno, no conforto, na sombra e em uma série de outros elementos”, diz Aurichio. 

Em áreas fechadas como a maioria dos shoppings brasileiros, a viabilização sempre é mais difícil, mas não é impossível. Há maneiras eficientes de implantar um jardim. No entanto, a equipe precisa ter no mindset de que necessita de cuidados especiais e profissionais capacitados. É um investimento a longo prazo.

O paisagismo do Galleria Shopping é trabalhado desde o estacionamento

Segundo Aurichio, existe ainda um movimento nos projetos de retrofit de trocar o estacionamento de superfície por área verde com árvores, água e playground, proporcionando essa convivência. “A ideia de levar o parque para o shopping faz todo o sentido em projetos de uso misto, porque ele é outro uso”, pontua. 

A maior permeabilidade para o meio urbano também conversa mais com o entorno, sem ficar agressivo, e a vegetação passa a mensagem ao visitante de que não é só um destino de compras. No entanto, esse paisagismo tem que oferecer usabilidade e um comportamento urbano. A vegetação tem um papel importante de amarrar isso tudo. Mestieri afirma que, em alguns dos empreendimentos, não existe uma praça qualificada na cidade, o poder público tem a limitação no desenvolvimento e sobretudo na manutenção. E a iniciativa privada faz isso. “No caso dos shoppings centers, ele desempenha e desenvolve recursos, emprega mão de obra qualificada e gera um equipamento urbano que terá muita recorrência”, afirma o sócio-titular do JLM Arquitetos. E isso faz com que o cliente o adote, deixando o equipamento forte e duradouro. Existe muito mais do que uma tendência, é um desejo coletivo. 

Manutenção 

O shopping center climatizado é um ambiente adverso para a vegetação quando se analisa as condições de umidade, solo e insolação. Os ativos mais recentes que favorecem as áreas verdes com plantas implantadas diretamente no solo com luz solar direta e ventilação não precisam ficar lutando contra o ambiente e a manutenção se torna muito mais preventiva.

Fabio Aurichio, sócio-diretor do ACIA Arquitetos

Por isso, esse formato vem sendo muito defendido nos novos projetos e sempre com o uso de espécies nativas da região. Não é mais um paisagismo restrito a canteiros com plantas em cachepôs. O objetivo é que a pessoa interaja, como se estivesse em um parque ou praça. 

“Por isso, a gente incentiva muito o relevo, para que o próprio movimento da cobertura vegetal ganhe relevância. Queremos deixar a planta o menos comportada possível para que seja possível participar do visual, dos caminhos e da interação. E, claro, mudar o eixo de circulação para que o cliente usufrua disto”, reforça Mestieri. 

Segundo Aurichio, a vegetação nativa está muito mais acostumada ao meio e se desenvolve melhor. É preciso trabalhar com as espécies daquele bioma, recriando-o mesmo que em menor escala. Por isso, geralmente, o trabalho se dá a quatro mãos com o paisagista, que detém um conhecimento botânico. “O paisagismo tem papel muito importante na qualidade de vida e na relação de espaço tanto física como psicológica, e é preciso olhar isso com carinho, mas sempre atento à questão operacional de mantê-lo”, diz o sócio-diretor do ACIA Arquitetos.

Aberto a todos

O Shopping Parque da Cidade, localizado na capital paulista, já nasceu sustentável, assim como todo complexo, que conta com torres comerciais, espaços residenciais e hotel em um parque aberto. Segundo Neliana Pucci, gerente de marketing do ativo, os principais benefícios estão relacionados ao bem-estar dos visitantes e colaboradores, bem como à preservação do meio ambiente. “São mais de 60 mil m², sendo cerca de um terço do complexo é ocupado por áreas verdes com dez espécies de plantas originais da Mata Atlântica –, já considerado o entorno e a implementação de tecnologias de ponta totalmente limpas.”

Além do paisagismo com espécies da Mata Atlântica, o Complexo Parque da Cidade contempla espelhos d´água e grandes paredes envidraçadas, que fornecem luz natural para o shopping e vistas para a área verde do empreendimento

Mesmo com esse ambiente que tem livre acesso, se configurando como uma grande praça, em 2021, veio mais um investimento a partir da ideia de substituir os mais de 3 mil m² de jardim ornamental do telhado verde pela implementação de uma horta social urbana.

Neliana Pucci, gerente de marketing do Shopping Parque da Cidade

“No início, a meta era diminuir a temperatura do local, reduzindo o consumo de energia. Conseguimos ampliar esse objetivo, dando oportunidade de trabalho às pessoas em situação de vulnerabilidade social”, conta.

O projeto paisagístico do Complexo Parque da Cidade é de Pamela Burton e Sérgio Santana, enquanto a arquitetura é assinada pelo escritório Aflalo Gasperini. A horta, por sua vez, atualmente, tem a gestão do Sítio Sampa. O Parque da Cidade conta com dois selos (um Gold e outro Silver) de sustentabilidade LEED conferidos pela United States Green Building Council, devido à preservação ambiental e ao compromisso com o desenvolvimento humano, econômico e cultural. “O conjunto inédito de soluções considerou metas em otimização do uso do solo, transporte e acessos, redução de CO₂, além da gestão de água, energia e resíduos. A partir do parque linear, definido como eixo central, as disposições e orientações das torres atendem às funcionalidades previstas e, ao mesmo tempo, potencializam o propósito sustentável”, enaltece a gerente de marketing.

Paisagismo na praça central do interior do Shopping Parque da Cidade

Por estar em uma área adensada por muitos escritórios, esses espaços ao livre repletos de vegetação atrai também muitas pessoas que trabalham na região. E Neliana reforça que as ações de ESG se tornaram pautas prioritárias para empresas e para a comunidade.

“Hoje, o cliente não quer apenas comprar, ele busca propósito. Além de trazer este contraponto da natureza em São Paulo, vamos ao encontro deste desejo do consumidor de optar por serviços e produtos alinhados com suas visões de mundo cada vez mais sustentáveis e inclusivas”, afirma Neliana.

Retrofit com paisagismo

A evolução do setor de shopping center também se reflete na arquitetura. Um projeto de retrofit exige um alto investimento e quando ele sai do papel está antenado com as mudanças do comportamento do consumidor. O Center Shopping Uberlândia é um exemplo disto. Com obras em andamento, a revitalização traz um novo conceito que visa melhorar a experiência. “O paisagismo é parte integrante desta renovação e busca transformar os espaços em ambientes mais harmoniosos e sofisticados. Ele não só eleva o conforto estético como desempenha um papel crucial no design arquitetônico”, conta Jonathan Palmer, superintendente do Center Shopping Uberlândia, da ALLOS.

O novo conceito paisagístico se baseia no cerrado brasileiro. “Selecionamos espécies sofisticadas e de grande volume, alinhadas às tendências atuais de design de interiores e exteriores, garantindo uma conexão visual e emocional com a natureza local.” Além da flora, internamente, implementaram uma série de painéis artísticos que capturam as curvas montanhosas de Minas Gerais. “Essa escolha proporciona um impacto visual marcante e cultiva uma sensação acolhedora de ‘estar em casa’, fortalecendo a identidade regional e o vínculo dos visitantes com o shopping.”

Com a grande diversidade e riqueza dos biomas brasileiros aliada ao clima tropical, a natureza se torna um elemento-chave de conexão e é muito bem-visto pelo consumidor. “Buscamos o equilíbrio, criando ambientes que promovem sensações de tranquilidade, bem-estar e relaxamento.” São muitos benefícios gerados como melhoria da qualidade do ar – resultado da fotossíntese das plantas -, redução do estresse e da ansiedade, criação de refúgio e aumento da satisfação e fidelização do cliente.

Jonathan Palmer, superintendente do Center Shopping Uberlândia

O projeto de retrofit em andamento promete transformar ainda mais o shopping, especialmente com a criação do novo Boulevard voltado para a avenida João Naves, uma das principais entradas do empreendimento. “Será muito inovador para Uberlândia e região, oferecendo uma grande praça integrada aos restaurantes. Além de áreas verdes expansivas, contará com espaços dedicados ao lazer das famílias, incluindo as com pets.” 

Para cuidar de todo o paisagismo após finalizado, a manutenção já está no planejamento. “Estamos revisando todos os processos nessa área, contando com a colaboração de novos profissionais de diversas especialidades desde o novo espelho d’água até as paredes verdes, que alcançam até 17 metros de altura. Esses incluem processos de fertilização e controle de pragas, essenciais para prevenir problemas que poderiam comprometer todo o projeto.”

Cercado por um parque

Inaugurado há pouco mais de um ano, o Pontal Shopping foi o primeiro life center do Sul do país e tem um parque público de 29 mil ㎡. O local se tornou um destino turístico. A área verde aberta ao público sempre proporcionou fluxo constante, principalmente aos finais de semana; além de ser uma ancoragem de destino, trazer experiência e ser uma opção de lazer e entretenimento. No entanto, cada detalhe foi pensado. “Procuramos utilizar a mesma leitura – elementos e vegetação – interna e externamente, fazendo com que o cliente se sentisse no mesmo local, independentemente de estar dentro ou fora do empreendimento. O autor do projeto de paisagismo foi o arquiteto Guilherme Takeda”, conta Angelo Boff, sócio-diretor da SVB PAR e empreendedor do Pontal Shopping. 

Angelo Boff, sócio-diretor da SVB PAR e empreendedor do Pontal Shopping

Pensando na biofilia, a iluminação natural está presente em praticamente todos os nossos corredores, e os revestimentos em madeira natural também.


“A água é um fator determinante no nosso projeto, tendo em vista que o shopping encontra-se rodeado por um lago. Sua localização é privilegiada, permitindo uma conexão ainda maior com a natureza”, diz.


O ambiente verde e natural faz com que o cliente tenha uma sensação de bem-estar, proporcionando uma experiência mais prazerosa dentro do mall, o que pode, inclusive, aumentar o tempo de permanência no shopping e mesmo em conversão em vendas.

Quando o tempo está bom, a sinergia é muito comum de o cliente frequentar os dois locais – shopping e parque – em uma única visita ao local. 

  • GOSTOU? COMPARTILHE: