O paisagismo como protagonista nos shoppings
As áreas verdes ganham cada vez mais relevância nos projetos
Natureza, quantos benefícios ela nos traz? Ela é força, energia, fonte, alimento… Sem ela, não vivemos. Tomar um banho de cachoeira, fazer uma trilha, relaxar entre as árvores ou apreciar o pôr do sol são sinônimos de bem-estar. Muitas vezes, os dias agitados impedem esse contato mais próximo. Mas quando isso passa estar presente em ambientes urbanos, os ganhos para a sociedade são imensuráveis. Com todas as mudanças vividas pela sociedade, o setor de shopping centers também tem se transformado e observado o quanto inserir elementos biofílicos agrega valor ao ativo, além claro, de fazer parte da agenda de sustentabilidade.
Segundo o arquiteto Jayme Lago Mestieri, sócio-titular do JLM Arquitetos, a maioria dos greenfields em andamento no escritório tem de 30 a 40 mil mil ㎡ e é tratado do ponto de vista de urbanização, sendo concebido como pequeno polo administrado de varejo, serviços e ponto de encontro. “É como se de fato criássemos um minibairro e isso demanda um formato de produto mais adequado. Os shoppings buscam performance e esse modelo veio para atender uma maior diversidade de mix como se fosse uma rua comercial de uma cidade, em que é possível oferecer um custo menor de condomínio ao lojista.”
E isso é possível pelo projeto arquitetônico combinado ao paisagismo com áreas verdes ao ar livre ou cobertas, que favorecem a ventilação, diminuindo o uso de ar condicionado, o que se reverte para o condomínio do lojista.
“O aberto também dará condição de uma família ir para fazer uma visita exclusiva para um sorvete e para o verde. Fora isso, é possível fasear a construção, podendo desenvolvê-lo como se fossem pequenas quadras, interligadas com circuitos cobertos, porque não podemos abrir mão dos preceitos que os shoppings pedem”, explica Mestieri.
De acordo com Fabio Aurichio, sócio-diretor do escritório ACIA Arquitetos, essa é uma tendência mundial, integrando o conforto do externo para o interno, e está associada à saúde, ao bem-estar e às sensações que a vegetação proporciona. “É a humanização dos espaços, pensando a arquitetura para as pessoas. O paisagismo é um elemento e o desafio é viabilizá-lo em ambientes artificiais de uma forma natural e espontânea. Há uma distorção disso quando se usa plantas artificiais. As áreas verdes não têm só um papel estético, elas ajudam na umidade do ar interno, no conforto, na sombra e em uma série de outros elementos”, diz Aurichio.
Em áreas fechadas como a maioria dos shoppings brasileiros, a viabilização sempre é mais difícil, mas não é impossível. Há maneiras eficientes de implantar um jardim. No entanto, a equipe precisa ter no mindset de que necessita de cuidados especiais e profissionais capacitados. É um investimento a longo prazo.
Segundo Aurichio, existe ainda um movimento nos projetos de retrofit de trocar o estacionamento de superfície por área verde com árvores, água e playground, proporcionando essa convivência. “A ideia de levar o parque para o shopping faz todo o sentido em projetos de uso misto, porque ele é outro uso”, pontua.
A maior permeabilidade para o meio urbano também conversa mais com o entorno, sem ficar agressivo, e a vegetação passa a mensagem ao visitante de que não é só um destino de compras. No entanto, esse paisagismo tem que oferecer usabilidade e um comportamento urbano. A vegetação tem um papel importante de amarrar isso tudo. Mestieri afirma que, em alguns dos empreendimentos, não existe uma praça qualificada na cidade, o poder público tem a limitação no desenvolvimento e sobretudo na manutenção. E a iniciativa privada faz isso. “No caso dos shoppings centers, ele desempenha e desenvolve recursos, emprega mão de obra qualificada e gera um equipamento urbano que terá muita recorrência”, afirma o sócio-titular do JLM Arquitetos. E isso faz com que o cliente o adote, deixando o equipamento forte e duradouro. Existe muito mais do que uma tendência, é um desejo coletivo.
Manutenção
O shopping center climatizado é um ambiente adverso para a vegetação quando se analisa as condições de umidade, solo e insolação. Os ativos mais recentes que favorecem as áreas verdes com plantas implantadas diretamente no solo com luz solar direta e ventilação não precisam ficar lutando contra o ambiente e a manutenção se torna muito mais preventiva.
Por isso, esse formato vem sendo muito defendido nos novos projetos e sempre com o uso de espécies nativas da região. Não é mais um paisagismo restrito a canteiros com plantas em cachepôs. O objetivo é que a pessoa interaja, como se estivesse em um parque ou praça.
“Por isso, a gente incentiva muito o relevo, para que o próprio movimento da cobertura vegetal ganhe relevância. Queremos deixar a planta o menos comportada possível para que seja possível participar do visual, dos caminhos e da interação. E, claro, mudar o eixo de circulação para que o cliente usufrua disto”, reforça Mestieri.
Segundo Aurichio, a vegetação nativa está muito mais acostumada ao meio e se desenvolve melhor. É preciso trabalhar com as espécies daquele bioma, recriando-o mesmo que em menor escala. Por isso, geralmente, o trabalho se dá a quatro mãos com o paisagista, que detém um conhecimento botânico. “O paisagismo tem papel muito importante na qualidade de vida e na relação de espaço tanto física como psicológica, e é preciso olhar isso com carinho, mas sempre atento à questão operacional de mantê-lo”, diz o sócio-diretor do ACIA Arquitetos.
Aberto a todos
O Shopping Parque da Cidade, localizado na capital paulista, já nasceu sustentável, assim como todo complexo, que conta com torres comerciais, espaços residenciais e hotel em um parque aberto. Segundo Neliana Pucci, gerente de marketing do ativo, os principais benefícios estão relacionados ao bem-estar dos visitantes e colaboradores, bem como à preservação do meio ambiente. “São mais de 60 mil m², sendo cerca de um terço do complexo é ocupado por áreas verdes com dez espécies de plantas originais da Mata Atlântica –, já considerado o entorno e a implementação de tecnologias de ponta totalmente limpas.”
Mesmo com esse ambiente que tem livre acesso, se configurando como uma grande praça, em 2021, veio mais um investimento a partir da ideia de substituir os mais de 3 mil m² de jardim ornamental do telhado verde pela implementação de uma horta social urbana.
“No início, a meta era diminuir a temperatura do local, reduzindo o consumo de energia. Conseguimos ampliar esse objetivo, dando oportunidade de trabalho às pessoas em situação de vulnerabilidade social”, conta.
O projeto paisagístico do Complexo Parque da Cidade é de Pamela Burton e Sérgio Santana, enquanto a arquitetura é assinada pelo escritório Aflalo Gasperini. A horta, por sua vez, atualmente, tem a gestão do Sítio Sampa. O Parque da Cidade conta com dois selos (um Gold e outro Silver) de sustentabilidade LEED conferidos pela United States Green Building Council, devido à preservação ambiental e ao compromisso com o desenvolvimento humano, econômico e cultural. “O conjunto inédito de soluções considerou metas em otimização do uso do solo, transporte e acessos, redução de CO₂, além da gestão de água, energia e resíduos. A partir do parque linear, definido como eixo central, as disposições e orientações das torres atendem às funcionalidades previstas e, ao mesmo tempo, potencializam o propósito sustentável”, enaltece a gerente de marketing.
Por estar em uma área adensada por muitos escritórios, esses espaços ao livre repletos de vegetação atrai também muitas pessoas que trabalham na região. E Neliana reforça que as ações de ESG se tornaram pautas prioritárias para empresas e para a comunidade.
“Hoje, o cliente não quer apenas comprar, ele busca propósito. Além de trazer este contraponto da natureza em São Paulo, vamos ao encontro deste desejo do consumidor de optar por serviços e produtos alinhados com suas visões de mundo cada vez mais sustentáveis e inclusivas”, afirma Neliana.
Retrofit com paisagismo
A evolução do setor de shopping center também se reflete na arquitetura. Um projeto de retrofit exige um alto investimento e quando ele sai do papel está antenado com as mudanças do comportamento do consumidor. O Center Shopping Uberlândia é um exemplo disto. Com obras em andamento, a revitalização traz um novo conceito que visa melhorar a experiência. “O paisagismo é parte integrante desta renovação e busca transformar os espaços em ambientes mais harmoniosos e sofisticados. Ele não só eleva o conforto estético como desempenha um papel crucial no design arquitetônico”, conta Jonathan Palmer, superintendente do Center Shopping Uberlândia, da ALLOS.
O novo conceito paisagístico se baseia no cerrado brasileiro. “Selecionamos espécies sofisticadas e de grande volume, alinhadas às tendências atuais de design de interiores e exteriores, garantindo uma conexão visual e emocional com a natureza local.” Além da flora, internamente, implementaram uma série de painéis artísticos que capturam as curvas montanhosas de Minas Gerais. “Essa escolha proporciona um impacto visual marcante e cultiva uma sensação acolhedora de ‘estar em casa’, fortalecendo a identidade regional e o vínculo dos visitantes com o shopping.”
Com a grande diversidade e riqueza dos biomas brasileiros aliada ao clima tropical, a natureza se torna um elemento-chave de conexão e é muito bem-visto pelo consumidor. “Buscamos o equilíbrio, criando ambientes que promovem sensações de tranquilidade, bem-estar e relaxamento.” São muitos benefícios gerados como melhoria da qualidade do ar – resultado da fotossíntese das plantas -, redução do estresse e da ansiedade, criação de refúgio e aumento da satisfação e fidelização do cliente.
O projeto de retrofit em andamento promete transformar ainda mais o shopping, especialmente com a criação do novo Boulevard voltado para a avenida João Naves, uma das principais entradas do empreendimento. “Será muito inovador para Uberlândia e região, oferecendo uma grande praça integrada aos restaurantes. Além de áreas verdes expansivas, contará com espaços dedicados ao lazer das famílias, incluindo as com pets.”
Para cuidar de todo o paisagismo após finalizado, a manutenção já está no planejamento. “Estamos revisando todos os processos nessa área, contando com a colaboração de novos profissionais de diversas especialidades desde o novo espelho d’água até as paredes verdes, que alcançam até 17 metros de altura. Esses incluem processos de fertilização e controle de pragas, essenciais para prevenir problemas que poderiam comprometer todo o projeto.”
Cercado por um parque
Inaugurado há pouco mais de um ano, o Pontal Shopping foi o primeiro life center do Sul do país e tem um parque público de 29 mil ㎡. O local se tornou um destino turístico. A área verde aberta ao público sempre proporcionou fluxo constante, principalmente aos finais de semana; além de ser uma ancoragem de destino, trazer experiência e ser uma opção de lazer e entretenimento. No entanto, cada detalhe foi pensado. “Procuramos utilizar a mesma leitura – elementos e vegetação – interna e externamente, fazendo com que o cliente se sentisse no mesmo local, independentemente de estar dentro ou fora do empreendimento. O autor do projeto de paisagismo foi o arquiteto Guilherme Takeda”, conta Angelo Boff, sócio-diretor da SVB PAR e empreendedor do Pontal Shopping.
Pensando na biofilia, a iluminação natural está presente em praticamente todos os nossos corredores, e os revestimentos em madeira natural também.
“A água é um fator determinante no nosso projeto, tendo em vista que o shopping encontra-se rodeado por um lago. Sua localização é privilegiada, permitindo uma conexão ainda maior com a natureza”, diz.
O ambiente verde e natural faz com que o cliente tenha uma sensação de bem-estar, proporcionando uma experiência mais prazerosa dentro do mall, o que pode, inclusive, aumentar o tempo de permanência no shopping e mesmo em conversão em vendas.
Quando o tempo está bom, a sinergia é muito comum de o cliente frequentar os dois locais – shopping e parque – em uma única visita ao local.