O despertar para o poder de compra dos 60+
A chamada economia prateada, terceira maior atividade econômica no mundo, ganha espaço no mercado brasileiro – e o país se mostra cada vez atento a esta nova oportunidade de negócios
A silver economy, termo criado pela Oxford Economics para se referir às atividades econômicas de pessoas acima de 50 anos, é a terceira maior do mundo, movimentando US$ 15 trilhões por ano. No Brasil, a economia prateada, como é conhecida aqui, movimenta R$ 2 trilhões. No entanto, apesar desse poder de consumo, a maioria não se sente representada pelas marcas e há muita oportunidade de negócios.
Segundo Cléa Klouri, sócia-fundadora do Data e sócia da Hype 50+, ainda não houve um despertar para isso.
A pesquisa, Tsunami 60+, realizada pela Hype 50+ e Pipe Social, mostra que 54% dos entrevistados acham que não têm serviços ou produtos para eles.
“Existe uma carência porque as marcas não estão conversando com esse público, deixando a oportunidade passar. Engloba o todo, desde alimento e eletrônicos até serviços bancários, por exemplo. Para se ter ideia, a pesquisa aponta que mais de 40% sentem falta de vestuário adequado, principalmente as mulheres. No setor de beleza e cosméticos, por mais que existam os produtos anti-idade, o foco também é conversar com o público mais jovem”, diz Cléa.
No Festival de Publicidade de Cannes, em 2019, durante um painel sobre a comunicação voltada para o público de 50+, Leo Savage, diretor executivo de criação da Grey de Londres, alertou que 70% dos criativos da empresa não receberam briefing de trabalhos voltados para esse público no decorrer do ano anterior.
Com 31,2 milhões de idosos, que correspondem a 14,5% da população, o Brasil mostra uma projeção de envelhecimento acelerado: até 2050 será o sexto país mais velho, com a estimativa de 68,1 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. Como esse aumento da expectativa é algo recente comparado a outros países, fica a dúvida do que fazer e, muitas vezes, as empresas desconhecem, inclusive, o poder de compra dos 60+. “Em 1940, a expectativa de vida era, em média, 45 anos e, em 2022, é de, aproximadamente, 77 anos. “Em 1945, quem se aposentava vivia, em média, mais 5 anos. Hoje, vive mais de 25 anos. E elas chegam nessa idade com muita saúde e disposição. O controle das doenças crônicas, a conscientização de atividade física e alimentação fizeram com que chegassem nessa idade muito bem”, detalha.
E eles têm um poder de compra muito grande: praticamente, 1/3 dos lares brasileiros tem uma pessoa com mais de 60 anos, e, dentro deste índice, 60% da receita familiar vem da renda do idoso. “De uma maneira geral, os 60+ vieram após uma geração do pós-guerra com o sentido de construção, então, foi a que mais teve acúmulo de bens, o que faz com que faixa dessa população tenha um poder aquisitivo grande”, diz Cléa. Segundo o estudo do Tsunami 60+, 86% dos 55+ possuem renda própria e esse índice chega a 93% com os 75+.
Os maduros da atualidade
O consumo dos 60+ nunca foi tão influenciado pelas gerações entrantes, em especial, alpha e Z.
“Existe um abismo na digitalização: 96% geração Z está conectada, esse número cai para quase 50% entre os com mais 50 anos. O sênior de uma geração anterior não se contagiava pelo que o neto sugeria como compra. Hoje, eles são muito impactados por isso”, afirma Guga Schifino, head of digital na DX.CO – grupo 4all, sócio e curador da FFX.
Eles querem usufruir de diferentes formas dessa fase da vida. “Não tem mais aquele estanque de chegar a uma determinada idade, parar de trabalhar e viver da aposentadoria. É tudo muito misturado. Continuam aprendendo e estudando, é o lifelong learning”, diz Cléa, referindo-se ao processo contínuo de aprendizagem. E esse é um dos pilares defendidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que considera que isso gera independência, controla saúde e acompanha a evolução tecnológica da sociedade.
Por isso, existe uma busca grande por cursos, turismo e empreendedorismo. Segundo o levantamento feito pelo Sebrae, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE de 2021, 7,3% do total de empreendedores do país possuem mais de 65 anos. Segundo Cléa, as pessoas querem empreender para continuar ativas, realizar um sonho ou por necessitar da renda. “É muito grande esse percentual, justamente, porque os veículos de comunicação, os franqueadores e os shoppings estão direcionando a sua atenção a esse público, que tem dinheiro, experiência e a capacidade”, complementa Shifino.
Mudanças começam a acontecer
Existe ainda um movimento global na publicidade de acabar com os estereótipos e mostrar em seus anúncios quem é seu público de fato e não mais o aspiracional. “Vemos companhias muito interessadas em acessar esse volume, fazendo muito mais anúncios e divulgação relacionados a eles”, reforça Schifino.
Cléa relembra que recentemente o Banco Mercantil homenageou o público de 50+ ao fazer a campanha Sua experiência nos inspira com o cantor Fábio Jr., convidando-o a regravar a música 20 e poucos anos, em versão para 50 e tantos anos. E os cases de mercado não param por aí. A Plié, marca de lingerie, fez uma campanha com quatro artistas da MPB, Fafá de Belém, Paula Lima, Luiza Possi e Simone Mendes, mostrando o respeito à diversidade de biotipos e gerações. A novela Um Lugar ao Sol, da TV Globo, trouxe essa discussão sobre os 50+ com a personagem Rebeca, interpretada por Andrea Beltrão, e o público se identificou. Recentemente, a Reserva também fez uma campanha de Dia dos Namorados da linha Reserva Underwear, celebrando que o amor não tem idade e teve uma grande aceitação. Para celebrar os 45 anos, O Boticário realizou uma campanha sobre etarismo, valorizando os aprendizados e conquistas após os 45. A Ikea, marca de móveis, desenvolveu uma linha para atender os idosos com mobilidade reduzida.
Segundo Schifino, no caso dos shoppings, é preciso identificar que esse público tem tempo e vontade de interagir, exatamente, o contrário dos mais jovens. E isso não é uma realidade no Brasil. “É um público crescente, existe um impacto do ponto de vista econômico e o shopping terá que se adaptar”, declara.
De acordo com Cléa, não olhar para esse consumidor é uma miopia mercadológica. “Os shoppings podem olhar para eventos e até oferecer uma assessoria para as marcas presentes no mix”, diz. Além disso, ela reforça o quanto a qualidade do atendimento é essencial. “Não é incomum ver uma pessoa mais velha ignorada quando entra em uma loja, o que cria uma rejeição e, provavelmente, ela nunca mais voltará. O atendimento tem que ser algo muito bem pensado e a marca precisa ter produtos para esse público”, pontua.
Como o consumidor brasileiro dessa faixa etária prefere o atendimento presencial, isso precisa ser considerado. “No mundo, os check-out sem humanos vêm crescendo de maneira acelerada. Por mais que exista o processo de digitalização, no Brasil, eles não gostam de ser atendidos por máquinas. Por isso, a terceira idade é a que mais estimula as empresas demandantes e prestadores de serviço de tecnologia a simplificarem os processos”, destaca Schifino.
Para Cléa, mudanças simples podem fazer toda a diferença para esse consumidor. “Com a digitalização, vale avaliar ainda o quanto é importante deixar alguém para tirar possíveis dúvidas, por exemplo”, diz. Quem deseja se comunicar deve ainda se aproximar de influenciadores dessa faixa etária. Eles estão substituindo o canal de TV pela rede social porque é sedutora. Mas Schifino diz que essa aderência é muito baixa com a geração silenciosa que tem mais de 75 anos. Cléa conta que o projeto Silver Makers, spin-off da Hype 50+, surgiu dessa necessidade de as marcas conversarem com esse público.
A internet 5G também fará diferença por meio do voice commerce, que deve funcionar muito bem para a terceira idade. A demanda de empresas que atuam nessa área de transformar toda a interação com comando de voz é bem aguda. A Amazon e o Google Home já têm muitas iniciativas assim. E Schifino, que considera que vivemos cada momento melhor do que o anterior, diz: “quanto mais digital estamos, mais humano precisamos ser. A evolução da idade humana conversa muito com isso. Vamos usar a tecnologia como meio de aproximação de quem está longe sem afastar quem está perto.”
Com a previsão do planeta ter 2,1 bilhões de idosos até 2050, as iniciativas públicas e privadas precisarão estar preparadas para isso. O desafio está na frente de todos e deve ser encarado globalmente. Então, fica a provocação. O que tem feito para esse público da economia prateada?