JAV/FEV 2019 - Edição 222 Ano 32 - VER EDIÇÃO COMPLETA

O varejo não é mais o mesmo. Ainda bem!

1 de março de 2019 | por Renato Müller
NRF Big Show 2019 reforça que as lojas físicas e on-line são operações complementares, evidencia importância das pessoas no negócio e coloca o cliente de vez no centro da estratégia de negócios

loja física tem passado por uma revolução nos últimos anos e o conceito de ter o máximo de conversão durante a visita vem ficando para trás, pois essa compra envolve apenas uma parte da jornada dos consumidores. Com a conectividade e clientes cada vez mais exigentes, as vendas on-line seguem em uma curva ascendente e a internet é utilizada com frequência como fonte para pesquisar preços e detalhes do produtos antes mesmo de se concluir a compra em uma loja física. Desta forma, o relacionamento com as marcas também passa pelo digital e os pontos de venda estão se adequando ao novo modelo de compra. O inverso, em relação ao mundo on-line, também acontece.

E isso não envolve somente o layout da loja: pessoas, processos, tecnologia, sortimento, reconhecimento do cliente e personalização são fatores que impulsionam o desenvolvimento desse novo varejo. A edição 2019 da NRF Big Show, o maior evento de varejo do mundo, realizado em Nova York, em janeiro, mostra que o setor está rapidamente se transformando.

“Hoje, 75% dos pedidos que passam por uma loja física são impactados pelo digital, seja porque começaram com uma busca on-line, seja porque são click & collect ou pedidos on-line enviados para o cliente a partir da loja física”, conta Brian Cornell, CEO da Target. O papel da loja física já não é mais de exibição de produtos. “On-line e off-line se complementam. As pessoas querem ir à loja para experimentar os produtos e estar em contato com as marcas. Isso não se resolve on-line”, afirma Gabriella Oliveira, gerente de Planejamento Estratégico da Abrasce, que participou da edição deste ano da NRF Big Show.

Drew Green, CEO Indochino

A loja física continua muito viva, e por razões bastante importantes como redução do Custo de Aquisição de Clientes (CAC) e a experiência direta do cliente com a marca. Na rede de moda masculina Indochino, o CAC era de US$ 130 em 2015, mas, com a abertura de 37 lojas físicas em quatro anos, caiu para US$ 80 e 87% das compras vêm de clientes recorrentes. “O PDV tangibiliza a experiência com a marca e, como nosso negócio depende de oferecer uma grande experiência para que os clientes retornem, faz todo sentido para nós”, comenta Drew Green, CEO da rede.

Eleanor Morgan, Chief Experience Officer da Casper

Outra razão é sobre a necessidade de adequação para atender clientes cada vez mais exigentes, que querem testar e conhecer de perto os produtos que irão comprar. A Casper é um bom exemplo: nascida no e-commerce para vender colchões, a marca abriu lojas físicas que são “centros de sono”, onde é possível experimentar os produtos e até mesmo tirar um cochilo de 45 minutos durante o dia. “Queremos mudar a conversa da venda de colchões para ‘como dormir melhor’, o que abre inúmeras possibilidades para nós”, diz Eleanor Morgan, Chief Experience Officer da Casper.

Foco no cliente

Brian Cornell, CEO da Target

Atualmente, o varejo americano se preocupa efetivamente em posicionar o cliente no negócio. “Você precisa pôr o consumidor no centro das decisões da empresa”, diz Brian Cornell, da Target. “É preciso cuidar dos clientes, e não dos produtos. Parece óbvio, mas representa uma mudança radical na organização e nos processos das empresas”, afirma Jill Standish, Global Head of Retail da Accenture. “Se a empresa se planeja em função dos consumidores, passa a oferecer seus serviços conforme a exigência dos melhores clientes, e não de um médio”, afirma.

Para Jill, os valores são essenciais para se tornar relevante no varejo. “O cliente que compartilha os mesmos princípios da empresa compra 31% mais dessa marca. Agora é hora de as empresas se comunicarem com quem tem os mesmos valores que ela”, acredita.

Falar de valores é falar de pessoas. “É preciso ter colaboradores capacitados para conversar adequadamente com o cliente, pessoas apaixonadas pela marca que transmitam emoção”, diz Gabriella, da Abrasce. “O consumidor não quer ser atendido como mais um: ele espera personalização nos produtos, nos serviços e na abordagem de vendas. Não existe roteiro para isso e, para lidar com clientes , o varejo precisa acompanhar esse ritmo de inovação e se adequar às novas  necessidades do consumidor”, completa.

Coquetel Retail Group

Durante a NRF, a Abrasce organizou um coquetel de integração com 300 executivos de delegações brasileiras na 5th Avenue. O evento contou com o apoio do Conselho do Varejo, da Associação Comercial de São Paulo e do Acelera Varejo. Foi patrocinado por Linx, Cisco, Comstor Americas, Brasil Varejo, Kimberly-Clark, Safrapay, AD Shopping, Ancar Ivanhoe e General Shopping.

O mundo digital e os consumidores

O varejo tradicional acabou. Nos Estados Unidos, o fluxo de clientes nas lojas vem caindo cerca de 10% ao ano, mas as vendas continuam crescendo. Ao mesmo tempo em que a vacância nos shopping centers vem aumentando no mercado americano, a influência do digital é cada vez maior. Isso muda o papel do PDV. “O varejo físico não tem mais a ver com distribuição de mercadorias, mas com a criação de valor da marca”, afirma Lee Peterson, vice-presidente executivo de marca, estratégia e design da WD Partners. Lojas sem produtos existem para que as pessoas se socializem, tenham pontos de relacionamento com a marca e, com isso, aumentem sua afinidade com base em valores e propósito em comum.
Um dos grandes exemplos de transformação no varejo americano é a rede de supermercados Kroger, que mesmo com um faturamento anual de cerca de US$ 120 bilhões, vem abraçando novas oportunidades. Na NRF Big Show, Rodney McMullen, CEO da empresa, falou sobre a mudança de estratégia da companhia, “from grocery to growth”. Ela quer deixar de ser uma rede de supermercados e aproveitar todas as oportunidades de relacionamento com os clientes para crescer. “Para isso, precisamos experimentar e descobrir caminhos. Quem esperar o caminho ficar claro para saber para aonde ir vai acabar ficando para trás”, diz o executivo. Para descobrir o caminho, é preciso ter o cliente como foco. “O varejo precisa resolver problemas dos clientes. Se fará isso por conta própria ou em parceria com outras empresas é algo que o varejista precisa resolver”, completa o CEO.
O Walmart é hoje a terceira empresa que mais investe em tecnologia no mundo (US$ 11,7 bilhões em 2018), atrás somente da Amazon e Google. Seu foco está em criar uma cultura digital, trazendo uma mentalidade de startup para uma empresa de mais de US$ 500 bilhões em vendas anuais. Nesse processo, a varejista tem criado um ecossistema a partir do desenvolvimento de meios de pagamento próprios (Walmart Pay), unificação das estruturas on-line e off-line, desenvolvimento do marketplace em âmbito global e tratamento unificado das devoluções de produtos dos sellers (com possibilidade de devolução na loja física). “Até conseguiríamos fazer esse tipo de coisa mantendo uma visão tradicional do negócio, mas agora conseguimos fazer isso de forma muito simples e rápida, o que acelera nosso desenvolvimento e nos aproxima dos clientes”, explica Jeremy King, Chief Technology Officer do Walmart.

Dados de clientes

Pouco mais de um terço dos consumidores dizem que o varejo precisa fazer mais para oferecer experiências personalizadas (43% se concentram nas famílias de renda mais alta). Ainda assim, a preocupação com a privacidade é grande: mais da metade dos clientes se preocupa com o fato de o varejo saber muito sobre eles (59% estão entre as pessoas com maior poder aquisitivo) e 17% não querem compartilhar informação nenhuma. “Os consumidores estão céticos a respeito dos dados que são coletados sobre eles e como estão sendo usados. Essa é uma barreira que o varejo precisa superar se quiser conseguir oferecer uma melhor experiência a seus clientes”, comenta Sucharita Kodali, vice-presidente e principal analyst da Forrester Research.
A coleta e o uso dos dados são essenciais para que o varejo construa uma estratégia bem-sucedida de negócios e esteja próximo dos clientes. O que está acontecendo agora é uma mudança no tipo de informação que é acumulada pelas empresas: em vez de coletar todo tipo de registro, de qualquer fonte, as empresas estão buscando ter alta qualidade nos dados, para que seja possível fazer algo com eles. Uma das formas de gerar dados de alta qualidade é transformar o cliente em produtor de conteúdo. “São informações que o cliente gosta de compartilhar. Isso aumenta o engajamento e reforça nosso relacionamento com os consumidores”, disse Christiane Pendarvis, VP Sênior de e-commerce do grupo FullBeauty Brands, que conta com várias marcas plus size de moda feminina nos EUA. “Com informações de mais qualidade, ganhamos tempo para acelerar as ações baseadas nos dados”, completa.
A NRF Big Show não é somente um momento de debates. A Expo do evento apresenta tendências tecnológicas e muitas aplicações que poderão ser vistas em breve em lojas dos mais variados setores. Entre os destaques deste ano estão plataformas de Inteligência Artificial e machine learning que aumentam a quantidade de insights que o varejo consegue obter sobre seus clientes. Aplicações de voice commerce também ganharam espaço, embora a tecnologia ainda seja mais promessa do que realidade para vendas. Blockchain também vem amadurecendo rápido, especialmente na cadeia de suprimentos, para verificar a autenticidade das informações e melhorar a rastreabilidade na logística. A automação também é cada vez maior, já que a busca por eficiência, ganho de produtividade e redução de custo abre oportunidades para robôs na distribuição, gestão de estoques no PDV e definição do sortimento das lojas.
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