A história do paratleta Fernando Fernandes é construída sobre um alicerce de foco e determinação para vencer seus próprios limites
“Ele é o cara!”. Quantas vezes usamos essa expressão para falar de alguém que admiramos e nos inspira. Fernando Fernandes é um deles. O modelo e paratleta acumula vários títulos de paracanoagem e se tornou uma voz de grande expressão quando o assunto é inclusão. Bem-humorado, determinado, focado e carismático, ele venceu barreiras e obteve grandes conquistas por meio do esporte.
Recentemente, ao lado de Flávio Canto, medalhista olímpico de judô e apresentador, Fernandes foi comentarista dos Jogos Paralímpicos de Tóquio no canal SportTV e também na TV Globo – parceria que eles já tinham feito na cobertura do evento em Londres, em 2012. E deram um show de novo. “Foi uma experiência diferente por ser ao vivo. Flávio é um cara generoso, sabe que eu sei o que estou falando, tenho muita propriedade e conhecimento quando o assunto é esporte. Foi muito bom e como Paris é logo ali, estamos prontos”, destaca Fernandes, que também já tinha apresentado os Jogos do Rio de Janeiro, mas, desta vez, em parceria com Cris Dias.
Além de ser um evento magnífico de acompanhar, as Paralimpíadas fazem o mundo parar para pensar e debater sobre a inclusão. “Tem o papel de quebrar preconceitos e ensinar as pessoas a enxergarem os problemas com outra perspectiva. Principalmente com a pandemia, ter visto os atletas dando o seu máximo e fazendo coisas extraordinárias durante as competições faz a sociedade refletir sobre a forma com que enfrentamos nossas dificuldades e como precisamos encará-las com a cabeça erguida, além de mostrar a capacidade destes atletas, que, muitas vezes, são vistos de forma errônea como incapazes ou limitados”, diz Fernandes.
Novas possibilidades
Quando sofreu um acidente de carro em 2009 e soube da grave lesão na medula, Fernando traçou uma meta para reconquistar sua sensação de capacidade, porque percebeu que o caminho para recuperar os movimentos das pernas seria muito mais longo do que ele imaginava. “No primeiro momento, achei que viria rápido, até porque eu tinha um desfile e o lançamento de uma campanha muito importante com perfume da Dolce & Gabbana, com as top models internacionais da época, como Claudia Schiffer, Eva Herzigova e Naomi Campbell. No entanto, ali mesmo no hospital, vi que o processo seria lento, percebi que voltar a andar não dependia de mim, mas que reconquistar a sensação de capacidade, dependeria do meu esforço e da minha atitude”, relembra.
Em pouco tempo, ele tinha um novo “Plano A” para sua vida. “Entendi naquele momento que o esporte seria a minha grande ferramenta, só que teria que descobrir essa forma nova de reconquistar o meu espaço e a minha capacidade. Foi utilizando o esporte que fui me desafiando e propondo pequenas metas diárias, que me faziam chegar nesse grande desafio”, conta. Na época, ter o apoio e a torcida de sua família e dos amigos foi essencial para que seguisse sua jornada com garra e descobrisse novas possibilidade na vida.
Seis meses após a lesão, veio o primeiro objetivo. “Participei de uma corrida da São Silvestre! Completei e cheguei em último lugar, mas digo que foi a minha maior vitória e o momento mais importante da minha vida, porque ali me reencontrei como ser humano e como pessoa”, recorda. O Brasil inteiro acompanhou essa vitória de Fernando Fernandes, que já tinha ganhado grande projeção nacional em 2002 após participar do reality show Big Brother Brasil.
Em sua biografia, ‘Inquebrável’, há trechos do diário que ele começou ainda internado no hospital. “Escrever me ajudou a pôr para fora tudo que sentia naquele momento incerto, sendo uma forma de entender e aprender a lidar com o processo”, explica. E ele não só passou por esse momento como hoje inspira outros indivíduos, dos mais diversos lugares, que também estão vivendo esta redescoberta como uma pessoa com deficiência. Segundo Fernandes, saber que sua história e seu trabalho influenciam positivamente a vida de alguém, traz mais motivação para continuar. “Sinto que estou seguindo no caminho certo. Acho importante esse papel de representatividade, justamente para mostrar como precisamos sempre ver o lado positivo da vida”, fala.
De longa data
Sua paixão pelos esportes vem desde a infância: ele foi jogador profissional de futebol e boxeador amador. Foi o boxe, inclusive, que o ajudou muito no início da prática da canoagem após o acidente. Um ano depois dos primeiros treinos, Fernando já conquistava seu primeiro título na paracanoagem. “Me sinto feliz e realizado pela minha trajetória, por perceber que mesmo com todas as adversidades, foi possível conquistar títulos como tetracampeão mundial e tricampeão pan-americano, por exemplo. Isso faz com que eu sempre queira me reinventar e dar o meu melhor em tudo que faço”, reforça.
E não é só a canoagem que está entre seus esportes favoritos. O paratleta também gosta de kitesurf, voo livre, paramotor e ciclismo. “Eles me dão novas sensações, emoções e descobertas, me encorajando a encontrar a minha forma de praticá-los”. Ele ama estar em contato com a natureza e encontra nesta paixão um motivador para a prática do esporte. Essa forte conexão faz com que ele aproveite os momentos de paz que só o meio ambiente proporciona para recuperar suas energias e se manter sempre encorajado para as atividades que precisa realizar.
“O esporte ajudou no meu desenvolvimento em todos os sentidos. Sou apaixonado por aventuras e encontro na atividade física uma forma de explorar e aproveitar essa paixão. Acredito que o esporte dá visibilidade aos atletas para mostrarem suas incríveis habilidades, transformando a mentalidade das pessoas e mostrando como todos nós temos um jeito de realizar aquilo que desejamos na vida”
Determinado e focado, ele diariamente acorda cedo, aproveita o silêncio da manhã e, em seguida, faz treinos aeróbicos e funcionais, baseados em seus próximos desafios. “Isso me traz equilíbrio emocional e disposição para o restante do dia”, conta.
Moda e malls
Antes de entrar no reality show Big Brother Brasil, Fernando Fernandes já trabalhava como modelo e continuou atuando nessa área também. Ele defende que a moda também precisa dar um passo importante em relação à inclusão. “Deve de fato incluir a diversidade em sua cultura, dando espaço e oportunidade para mais pessoas com deficiência e possibilitando mais acessibilidade a todos, além de oferecer mais peças com modelagens adequadas a todos os corpos”, destaca.
Ele destaca as boas práticas dos shoppings e sugere que haja um olhar mais atento para todas as barreiras que as pessoas com deficiência encontram durante o passeio, seja a inclusão de mais acessos com rampas, de corrimãos, calçadas regulares, pisos táteis e banheiros adaptados. Enfim, toda a sociedade precisa trabalhar melhor o tema inclusão e ouvir quem, além de dar voz para essa grande parcela da nossa população, também a motiva e a inspira. Fernando Fernandes, com certeza tem esse papel hoje: um campeão dentro e fora das águas.
