NOV/DEZ 2023 - Edição 250 Ano 36 - VER EDIÇÃO COMPLETA

A trajetória multifacetada de Grace Gianoukas

10 de dezembro de 2023 | por Solange Bassaneze
Ela brilha nos palcos, no cinema e na televisão há mais de quatro décadas

Grace Gianoukas viveu mais uma personagem de sucesso recentemente nos palcos ao dar vida à extraordinária Dercy Gonçalves com o espetáculo ‘Nasci pra ser Dercy’, com texto e direção de Kiko Rieser e produção de Paulo Marcel, da Ventilador de Talentos. A turnê percorreu diversas cidades pelo país e o público já aguarda pela nova temporada em 2024, prevista para o segundo semestre. Esse intervalo será necessário, pois a atriz estará dedicada às gravações da nova novela de Daniel Ortiz, na TV Globo.

Foto Divulgação| Heloisa Bortz

A peça teve uma repercussão incrível, algo não imaginado pelos envolvidos no projeto.

“Tivemos o reconhecimento, não só do público, da classe artística, da crítica, mas como da família da Dercy. As pessoas saem emocionadas, com a bochecha doendo de tanto rir. É uma honra contar a história desse país do ponto de vista de uma mulher trabalhadora, criativa, corajosa e genial – uma grande artista -, mostrar a importância dela para a cultura brasileira e fazer justiça a injustiças enormes que ela passou ao longo carreira.”
Foto Divulgação| Heloisa Bortz

Ao interpretar essa precursora da comédia nacional, Grace foi indicada ao 10º Prêmio Bibi Ferreira como melhor atriz de teatro. Kiko Rieser venceu na categoria Melhor Dramaturgia Original em Peça de Teatro com esse espetáculo. Segundo ela, receber o reconhecimento da crítica é sempre muito bom e isso agrega valor ao projeto.

“Eu também fico feliz, tenho vários prêmios graças ao pessoal que curte o meu trabalho, mas o maior reconhecimento é o público. O grande prêmio para um artista é ter público e poder viver da sua profissão, graças a Deus, nesses 40 anos de carreira tem muita gente que investe um pouco do seu precioso tempo de vida para assistir o que faço.”

Pela mesma peça, Grace concorre também ao Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). 

Foto Divulgação| Heloisa Bortz

Em breve

Para 2024, tem a estreia do filme da cineasta Anna Muylaert, ‘O Clube das Mulheres de Negócios’, em que Grace interpreta uma das protagonistas.

“Eu sempre tive o sonho de trabalhar com a Anna e foi realmente incrível. Sou extremamente grata e eu estou ao lado de atrizes que admiro muito.”

Além disso, tem algumas viagens internacionais para se apresentar com ‘Grace em Revista’, lançado em 2022, quando completou 40 anos de carreira. A ideia desse espetáculo surgiu quando ela e seu marido, Paulo Marcel, se mudaram para uma casa um pouco antes da pandemia, com o objetivo de enfrentar menos trânsito na cidade de São Paulo e, ao mesmo tempo, ter um espaço independente para instalar a produtora Ventilador de Talentos assim como guardar seu acervo, que estava em um depósito. Com a pandemia, veio a oportunidade de organizá-lo. “Comecei a mexer em figurinos, cenários e clipping e identifiquei, com distanciamento crítico, a minha trajetória como criadora. O ‘Grace em Revista’ é resultado desse mergulho.” O monólogo reuniu personagens icônicas dela, como Aline Dorel, Santa Paciência, Advogada do Diabo, Adolescente Girassol, entre outras. 

Referência para a classe artística

Grace é admirada e muito respeitada por ter mudado a maneira de fazer humor no país. Quando já tinha quase 20 anos de carreira, criou o ‘Terça Insana’, o que lhe deu muita visibilidade por transgredir barreiras consolidadas. O projeto alternativo começou como uma forma de fazer com que os atores criativos pudessem se tornar autores dos seus textos e personagens, em busca da comédia contemporânea que traduzisse as mudanças, os pensamentos, os comportamentos, que ela via ocorrendo na sociedade brasileira. “No início dos anos 2000, não tinha mais sentido, permanecer em fazer algo que eu já odiava há muitos anos – piada de sexualidade, etnia, classe social… Então, criei o ‘Terça Insana’ para levar adiante um pouco dos meus estudos e a minha prática de linguagem de comédia, que eu já vinha praticando há quase 20 anos como autora. Esse projeto é uma consolidação de um estilo que criei por tentativas e erros, fracassos e alguns acertos. A gente pôde lançar muita gente e cravar um marco num terreno que estava muito perdido, nós abrimos um novo caminho na mata do respeito.” Foram anos de dedicação para fortalecer a indústria cultural brasileira, que deu espaço para muitos profissionais. 

Foto Divulgação|Priscila Prade

Antes do ‘Terça Insana’, ela circulou por ambientes diversos, não necessariamente em teatro, mas de underground e música, sempre com uma linguagem muito transgressora. Segundo ela, cada trabalho trouxe uma grande lição, amigos e experiências.

“Fui aprendendo a ser uma profissional, antes, eu era a extensão do meu coração, uma filosofia muito amorosa e ingênua, à medida que a gente vê as coisas acontecendo ao nosso redor, vai ficando mais experiente e tendo mais limites de doação. Eu sempre entrei de cabeça em tudo o que fiz, tanto que hoje eu olho para trás, e vejo que não precisava ter feito tanto.”

Por exemplo, em ‘Terça Insana’, era quase como um programa semanal de televisão, só que no palco, feito em pouquíssimas pessoas, com show novo toda semana e show fixo em turnê. Essa intensidade de trabalho afetou em certos momentos sua saúde, sendo alguns mais graves que a levaram parar no hospital e até na UTI. Com essa missão excelente cumprida, ela afirma ter se aposentado como produtora. “Quero continuar escrevendo, dirigindo e atuando, coisas que eu amo fazer.”

Grace também adora receber o carinho dos fãs, que pedem fotos e vídeos quando a encontram, muitos ainda em repercussão pelos trabalhos na TV.

“Nessa vida tão difícil que temos como sociedade, poder entrar na casa das pessoas e levar um pouco de leveza e alegria é uma benção. Receber um dom de fazer as pessoas rirem é uma dádiva.” Natural de Rio Grande (RS), essa gaúcha já nasceu em uma família em que se valorizava muito a cultura. Ela e seus cinco irmãos tinham muito com o que se entreter e cresceram cercados pela natureza. “Sempre tive um ambiente muito próspero para o conhecimento, para troca de ideias e sobre discussões filosóficas sobre a vida, quando isso é feito com bom humor, cria possibilidades enormes.”

Essência demasiada

Grace é uma gigante dos palcos. Consegue arrancar gargalhadas constantes da plateia, que sai do teatro com a alma mais leve, feliz e de bem com a vida. Para isso, ela diz que sempre busca uma verdade profunda em todas as personagens. “Eu preciso trazer o público para o entendimento delas, por mais que seja uma vilã, uma megera. A minha dedicação em humanizar as personagens que eu interpreto e trazer sempre uma mensagem atrás para que nós, como seres humanos, possamos nos reconhecer e acima nos perdoar.” E cada uma sempre é objeto de muito estudo, leitura, vivência e pesquisa para que possa conseguir traduzir da forma mais ampla possível a trajetória emocional de uma personagem. Em séries mais rápidas e programas de TV, Grace afirma que a personagem se molda ao gosto do público e daí cabe ao ator tem que ter versatilidade e profundidade emocional para isso.

A atriz também gosta muito de ser dirigida, tendo o olhar de alguém para discutir o que está chegando para o público. “Às vezes, a gente acha que está contando uma coisa e não está se comunicando, então, a direção é muito importante. Estou em fase da minha vida que preciso muito ser dirigida. Quero ir velhinha para o palco aprendendo a cada dia de espetáculo, sei lá quantos anos vou viver, mas estarei no palco e espero estar sendo dirigida por pessoas que respeito e admiro.” Mas o fato da sua ampla experiência como produtora, diretora e autora, sempre ajuda na hora de atuar e facilita a troca com o autor, diretor e outros atores. Além disso, reforça que entende todos os perrengues da produção e diz: “Todo produtor deveria ter um seguro de vida porque, às vezes, é um trabalho insalubre de muito estresse.”

E ela tem muitos projetos ainda guardados. “Sou uma criativa compulsiva, nesses anos, talvez esteja mais calma e ajustada com a minha criatividade, mas eu tenho projetos para redes sociais, internet, ideia de séries e de programas de televisão, projetos de teatro, mas eu não sei se tenho a energia que eu tinha alguns anos atrás para levar adiante porque isso consome muito da nossa vida pessoal. Mas aceito parceiros, gente que esteja afim de entender e seguir adiante.”

Nos malls 

Por o teatro ser uma extensão da sua vida, a diretora enaltece os shoppings que têm essas opções de entretenimento no seu mix. 

“É muito inteligente por parte da administração, porque não pode ser apenas um lugar de compras, é preciso ter lugares que alimentem também a alma. É importante ter livrarias, cinemas, teatros, fora que isso diversifica o público para todas as lojas. É um branding activación de marketing cruzado e de vários interesses. Com o aumento da violência nas cidades, as pessoas se sentem mais seguras em shoppings. Então, é essencial ter teatros pequenos e maiores, que podem ter desde um monólogo até uma orquestra.” 

E é comum encontrá-la em um dos shoppings de São Paulo, pois costuma frequentar bastante esses ambientes para almoçar com amigos, tomar um café e fazer reuniões com a facilidade de ter estacionamento. Além disso, programa essa visita, geralmente, a cada 15 dias. “Vou ao shopping e resolvo tudo: mercado, hidrato o cabelo, faço pé, mão e depilação, claro, sempre passo por uma loja para ver ou comprar algo. Não sou uma pessoa que consome muito, o que eu já tenho me basta, preciso de pouco para viver, aliás, estou reduzindo muito meu consumo. Estou em uma pegada sustentável. Não é moda. Não há outra opção para o nosso Planeta, precisamos produzir menos lixo, e consumir menos supérfluos.” Entre seus shoppings preferidos, frequenta Pátio Higienópolis, Bourbon Shopping São Paulo e Shopping Frei Caneca, coincidentemente, todos com teatro. Desde que se mudou para o outro lado do Rio Pinheiros, também costuma ir ao Shopping Butantã e ao Shopping Taboão. 

Momento atual do humor

Segundo Grace, a experiência recente política mostra que a sociedade está bastante dividida, às vezes, desesperançada, procurando heróis e carrascos, para que a salve ou seja o motivo de sua desgraça. “Isso reflete também na busca de uma religião que diga o que fazer, que as pessoas não são responsáveis por suas escolhas e se elas escolherem da forma que a religião dita, talvez, Deus tenha alguma compaixão. Soluções mágicas não existem, mas as pessoas, por muito sofrimento, já que é difícil ter uma vida tranquila com tantos estímulos e acontecimentos, reagem e escolhem turmas com quem se identificam mais e se sentem mais protegidas ou mais diluídas. O humor reflete isso.” Grace sempre gosta de fazer referência ao pensador Goethe que já dizia que o caráter de uma pessoa se mede pelas coisas que ela acha engraçada. 

“Hoje temos manifestações de humor para todos os gostos e tipos e para todos os caráteres. Eu não vou julgar ninguém, procuro as coisas em que acredito. As manifestações de entretenimento refletem a sociedade e tem muita gente boa, muita gente oportunista e tem muita gente ruim. O tempo irá peneirar tudo isso.”
Foto Divulgação | Priscila Prade
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