JUL/AGO 2023 - Edição 248 Ano 36 - VER EDIÇÃO COMPLETA

O protagonismo da ginasta Rebeca Andrade 

7 de agosto de 2023 | por Solange Bassaneze / Fotos: Rodrigo Bueno
Superação, conquistas e representatividade fazem parte da história da atleta
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Rebeca Andrade já fez história na ginástica e isso todo mundo sabe ao acompanhar suas vitórias. A garota promissora que saiu de casa aos 9 anos para morar com técnica em busca de um sonho mostrou que é possível alcançar um objetivo com determinação e resiliência, qualidades que carrega desde a primeira infância.

Foram anos de dedicação e nada a impediu de seguir em frente, nem as dificuldades financeiras – já que sua família era humilde e sua mãe, doméstica na época, tinha que sustentar os oito filhos –, nem os momentos longe de casa ou as graves lesões sofridas ao longo da carreira. 

Em alguns momentos tão complexos e repletos de dúvidas, pensou em desistir, mas a Dona Rosa sempre lhe mostrou que a filha deveria tentar.

Ela não só tentou, mas se consagrou como a melhor ginasta do mundo ao ganhar o Ouro no individual geral e foi bronze no solo no Campeonato Mundial de Ginástica Artística, em Liverpool, no ano passado.

Em 2021, no Mundial de Kitakyushu, no Japão, também tinha deixado registros extraordinários e inéditos com a conquista do Ouro no salto e Prata nas barras, pouco tempo depois das medalhas de Ouro (salto) e prata (individual geral) nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020.

Anos brilhantes que guarda na memória e diz ser difícil de descrever até agora.

“Fiquei muito feliz e grata de ter conseguido mostrar todo o meu potencial e de acreditar que era possível. Ter duas medalhas em uma Olimpíada e conseguir medalhas no Mundial no mesmo ano e no ano seguinte é algo que faz eu olhar para trás e ver que tudo valeu a pena. É um sentimento muito gostoso ao saber que eu não cheguei sozinha e tive o apoio de toda a equipe”, conta Rebeca. 

Com metas já para as próximas competições, a ginasta segue uma rotina de treino intensa. Acorda cedo, treina de manhã e à tarde, faz fisioterapia, musculação, passa por consultas com a equipe multidisciplinar como psicólogo e nutricionista. Folga apenas às quartas-feiras e sábados à tarde e domingo. Rebeca está se preparando esse ano para o Campeonato Brasileiro, Copa do Mundo, Mundial e os Jogos Pan-americanos. Em 2024, tem mais com os Jogos Olímpicos de Paris pela frente. 

Preparada para tudo

Sofrer pressão e saber se concentrar diante de tantos olhares é algo que Rebeca aprendeu lidar com naturalidade e acredita que esse processo ao longo de sua carreira envolve o trabalho de sua psicóloga Aline Wolff.

“Ela trabalha comigo que vou apresentar o que eu treinei. Gosto sempre de sair com a sensação de que não poderia ter feito nada de diferente e isso já basta para mim. Sei que a gente pode errar ou acertar em todos os dias de competição. Então, estou preparada para todos os momentos. Ela me ajudou no processo de autoconhecimento, trabalho de concentração e, inclusive, em lidar com o momento pós-olímpico quando apareceram trabalhos não ligados ao esporte, como fazer propagandas, sair em capa de revista, em que me divirto, mas o corpo e a mente também cansam.”

Nos minutos que antecedem a apresentação, Rebeca coloca isso em prática. “Se percebo que não estou concentrada, começo a ‘conversar comigo’ para voltar. Sempre estou com a mente muito firme na minha equipe, no que eu preciso fazer. Caso aconteça algum erro, sei que foi algo do momento e faz parte do esporte.”

A atleta traz ainda representativa para as negras ao alcançar esse protagonismo na modalidade. “É muito importante ser referência no esporte e para a sociedade como mulher preta. A Dai (Daiane dos Santos) foi isso para mim. Como era nova, não entendia muito porque não sabia diferenciar, mas, hoje, adulta, vejo o quão importante ela foi no meu crescimento dentro do esporte. Saber que tinha alguém ali como eu. Agora, saber que eu sou um espelho e minhas ações vão refletir nas outras pessoas é muito importante para mim. Vou cuidar disso com muito carinho, mas mostrando sempre a realidade e a verdade. A ginástica é linda e incrível, mas é preciso correr atrás, não tem nada fácil.”

E não tem mesmo. Além dos treinos contínuos em busca da perfeição, muitas vezes, podem ocorrer fatos que fogem do controle do atleta de alto rendimento. Rebeca sofreu lesões graves, que a deixaram fora de grandes competições, mas pode contar com a força da sua mãe e isso fez a diferença para que conseguisse dar a volta por cima. Por isso, além de maior ginasta do Brasil, é um exemplo de superação por sua persistência.

“Com certeza, as minhas cirurgias me fizeram chegar ao topo do pódio porque elas foram me transformando de várias maneiras. Eu saí de menina para mulher. Me fez amadurecer, conhecer o meu corpo, saber os meus limites. As minhas lesões me ensinaram muito.  E por incrível que pareça, eu grata também, porque tudo que passei foi o que me trouxe até aqui.  Saber ver as coisas pelo lado positivo me fez chegar no topo.”
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Com tantas conquistas, Rebeca também diz que não se sente cobrada além do necessário, seja pela equipe ou pelo público após as maiores conquistas da sua carreira. “Penso apenas em como eu quero chegar, me apresentar e estar na competição e existe a cobrança normal do treinador de sempre querer tirar o melhor do seu atleta. Eu e o Xico (Francisco Porath) conversamos bastante sobre nossos objetivos e temos isso bem definido. Algo que venha de fora não me afeta. Sou bem tranquila com essa questão do que esperam que eu faça.”

Na hora da pausa

Nos momentos de descanso, Rebeca prefere a tranquilidade aliada ao descanso e lazer. “Gosto de ficar com meu namorado, com o meu cachorro, de falar com a minha família por videochamada, de assistir alguma série ou filme, de dormir também, porque, às vezes, eu estou muito cansada, de ir ao shopping e ao cinema…”

Quando o local de destino envolve um shopping, revela suas preferências: “Às vezes, eu vou só para passear, mas, na maioria das vezes, compro roupa, maquiagem e cosméticos.” Fora do Brasil, as compras também fazem parte do roteiro, quando existe um tempinho para a equipe conhecer o país. “Gostamos de testar novas maquiagens para as competições. Além disso, pesquisamos na internet para ver o que podemos comprar lá.”    

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O ambiente de shopping também está em sua memória afetiva. “Quando tinha 11 anos lembro que me diverti muito com a minha família em um shopping naquela área de jogos, em que se trocam as fichas por itens no final. Até perdi meu celular nesse dia, mas eu estava tão feliz, curtindo com os meus irmãos e com a minha mãe. Como era uma data próxima ao Natal, eu ainda consegui comprar super-heróis com um dos meus primeiros salários para os meus irmãos. Me recordo que eram o Hulk, o Capitão América e o Homem de Ferro que eles eram apaixonados. Outro momento muito especial e parecido, mas eu já era um pouco mais velha, tinha 14 anos, foi quando estava com meninas de treino, Julie, Milena e Thauany, e brincamos demais em um espaço de jogos também. Foi um dia muito gostoso porque nossas mães estavam com a gente.”

Base familiar

Rebeca sempre teve como fonte de inspiração sua mãe e os ensinamentos passados por ela fazem parte de sua personalidade. Falar a verdade, ajudar o próximo, ser resiliente, correr atrás dos objetivos, respeitar a todos e acreditar que é possível são alguns dos aprendizados.

“Minha mãe sempre colocou muita fé em mim. Ela sempre acreditou antes mesmo de eu acreditar. Ao invés de cortar as minhas asas, ela me deu impulso para voar. E um dos maiores ensinamentos passados foi a confiança; de ser sempre sincera em todos os momentos. Mesmo com a distância, ela se fez sempre muito presente. Por mais que eu sentisse saudades, quando eu conversava com ela por telefone e eu já sentia melhor. É incrível como ela consegue me acalmar até hoje.”

Rebeca relembra das sábias palavras de dona Rosa em um momento em que vivia um turbilhão de sentimentos. “Em 2015, ela estava no Rio de Janeiro, pois seria o dia de volta aos treinos após a minha primeira cirurgia. Eu não queria voltar para o ginásio e ela perguntou por quê. Só falei que não queria. Ela estranhou porque eu só falava em voltar a treinar quando estava em recuperação. Então, ela disse: não vou deixar que desista porque você está com medo de tentar. Se você tentar e não conseguir, volta para casa e vamos te receber de braços abertos como sempre. Vou levar isso para o resto da minha vida: não se pode desistir antes de tentar, principalmente por medo. No momento, eu estava de certa forma fragilizada. Pode parecer uma coisa simples, mas foi muito importante para mim”, relembra.

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E os familiares de Rebeca continuam sendo seu maior motor. “Minha família sempre acreditará em mim, independentemente do que aconteça. Eles moveram céus e terra para que eu pudesse alcançar os meus sonhos e eu me sinto muito grata. A gente fez tudo com muito amor. Saber que vão estar em todos os momentos, seja perto ou longe, é o que me move todos os dias para continuar e, claro, continuar dando muito orgulho para eles. Se não fosse por eles, eu não estaria aqui hoje.” O Brasil também agradece por essa trajetória iluminada e continuará na torcida para Rebeca Andrade, que mostra também o quanto o esporte pode transformar a vida de crianças e jovens da periferia. O aplauso é para você!

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