Diante de um cenário de instabilidade, como o gestor deve agir para liderar a equipe
Transparência, comunicação, proximidade e respeito são fundamentais na relação de trabalho
O desemprego atingiu quase 13 milhões de brasileiros. O país já vinha de um período de recessão e a pandemia causada pelo coronavírus acelerou rapidamente esse número. Muitos setores foram afetados e não há como prever o que acontecerá após a crise sanitária. Diversas empresas adotaram campanhas de não demitir. Porém, boa parte teve que reduzir seus quadros de funcionários e colaboradores ou adotar as medidas do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda do governo. Mas como o gestor deve lidar com a equipe neste momento?
Segundo Evelyse Gonçalves, psicóloga organizacional e gerente nacional de Staffing da Adecco Recursos Humanos, caso a empresa decida agir de acordo com a Medida Provisória 936/2020, alguns cuidados devem ser tomados. “A comunicação deverá ser sempre clara e objetiva, informando que essas providências são para proteger o emprego de todos, visando evitar possíveis desligamentos”, afirma.
Joel Souza Dutra, professor livre-docente da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária, da Universidade de São Paulo (FEA-USP), alerta que, independentemente do caminho escolhido pela organização, as ações devem ser realizadas com muita transparência e respeito às pessoas e com grande ênfase no processo de comunicação.
Dutra cita como exemplo a Azul Linhas Aéreas: “Diante da Covid-19, a empresa pactuou com os seus colaboradores algumas medidas. Entre elas, suspensão do contrato de trabalho de forma voluntária, acesso ao fundo de pensão e garantia de emprego pelo tempo de suspensão do contrato.”
A maioria dos colaboradores aderiu à proposta antes do vírus ganhar força no país. “A partir daí, se estabeleceu um processo de comunicação intenso entre o CEO e os colaboradores, além de uma rede interna de suporte e apoio à saúde física e mental dos mesmos”, relata.
“A antecipação de férias, férias coletivas e uso do banco de horas também devem ser feitos sempre de forma organizada e transparente. Deve-se explicar aos colaboradores que o RH formalizará as ações através do e-mail corporativo, com 48 horas de antecedência. Dessa forma, o colaborador poderá aceitar e ter ciência”, Evelyse Gonçalves.
O time
No caso da companhia aérea, pessoas do grupo de risco foram afastadas e uma parte passou por demissão, redução de jornada ou mesmo suspensão do contrato. A maioria dos colaboradores ativos teve que exercer suas atividades em home office. Os gestores que já tinham uma boa relação com a equipe tiveram mais facilidade e naturalidade em lidar com esse momento inédito.
Para Maria Elisa Moreira, psicóloga e professora do Insper, o gestor deve ser transparente no discurso coletivo, próximo da equipe e ter uma comunicação positiva. “Além disso, deve falar com a equipe diariamente ou, no máximo, a cada 48 horas”, afirma. Os gestores mais distantes tiveram maior dificuldade em trabalhar com o time à distância do que àqueles com uma equipe coesa e unida, trabalhando em clima amistoso.
Rendimento
Por ser um momento excepcional na vida das pessoas e das empresas, pode ser que o colaborador não seja tão produtivo durante o isolamento social. Pois, outros afazeres ou a vida doméstica podem comprometer a rotina. Nestes casos, as empresas também devem lidar com a situação de forma individual. “É necessário ter empatia, paciência, compreensão, generosidade e solidariedade”, diz o professor da FEA-USP.
“Todos os gestores precisam negociar com seu time, informar claramente o que estão esperando, e definir as prioridades, além, claro, de serem flexíveis com os prazos e a produtividade”, complementa Evelyse.
Trabalhar em casa é uma alternativa que deve permanecer de forma mais contundente depois da crise sanitária. Maria Elisa acredita na estabilização do home office por questões econômicas. “Manter a equipe à distância e usar plataformas para alavancar os negócios se mostrou uma estratégia vantajosa.”
Desligamento
No caso de demissão, o cuidado deverá ser tanto para os funcionários que serão demitidos, quanto aos que permanecem trabalhando. “No caso de home office, a sugestão é marcar um horário para fazer a comunicação do desligamento de forma individual, com todo o respeito. Nunca se deve fazer de forma fria apenas enviando um e-mail”, diz Evelyse.
Segundo Maria Elisa, também é preciso estar bem ancorado com a legislação trabalhista que rege a categoria e ter apoio tributário, contábil e jurídico. “Além disso, a pessoa deve ter clareza por que está sendo demitida, se é por conta do desempenho ou pelo impacto da Covid-19. No momento do desligamento, sempre trace a performance do funcionário e agradeça as contribuições dadas à empresa”, destaca a professora do Insper.
Para quem fica, o sentimento é de ter sido escolhido, em um primeiro momento, mesmo que tenha ficado chateado com a demissão do colega. “Posteriormente, pode desenvolver ansiedade e angústia. A partir desse momento, o gestor deve saber transitar individualmente para detectar o problema e ajudar, fazendo com que a energia da palavra ‘escolha’ prevaleça”, diz Maria Elisa.
Para o restante do time, é recomendado marcar uma reunião por videoconferência e explicar que os desligamentos foram necessários e a empresa conta com a dedicação e o empenho de todos para alcançar os resultados.
“O processo de comunicação e a postura de transparência são essenciais para manter as pessoas comprometidas com a organização e dispostas a oferecer seu melhor na retomada”, complementa Dutra.
Apoio da empresa
O isolamento social desencadeou quadros de ansiedade e angústia na população e isso traz reflexo no trabalho. Por isso, é muito importante o gestor saber lidar com a equipe e identificar quem está precisando de apoio. O lado psicológico deve ser trabalhado no retorno ao trabalho. “Muitas empresas montaram uma rede de voluntários com formação em psicologia e assistência social para oferecer esse apoio e essa deve continuar a atuar na retomada”, reforça Dutra.
Além de muita conversa e esclarecimentos, as empresas podem ver a possibilidade de parcerias com planos de saúde para fazer palestras via webinar. Cuidados pessoais, com os colegas e outros temas de apoio psicológico podem ser abordados. “Caso seja possível, deve disponibilizar psicólogas de clínicas de Medicina do Trabalho para fazer conversas em grupo”, indica a gerente da Adecco.
“A gestão de pessoas deve ser baseada, principalmente, no respeito e cuidado. A prioridade é a saúde dos colaboradores e, dentro do possível, a preservação dos empregos. Entretanto, a organização deve pensar de forma estratégica, preservando as pessoas críticas para o desenvolvimento da organização”, Joel Souza Dutra.
Retorno ao trabalho
Vontade de voltar associada ao medo. O retorno às atividades pode gerar uma série de inseguranças enquanto cientistas do mundo todo buscam uma vacina ou remédio para a Covid-19. O professor Dutra defende que o processo deve ser trabalhado caso a caso, assim como algumas companhias fizeram durante a pandemia. “Empresas farmacêuticas, como a Fresenius Kabi, mantiveram suas atividades e discutiram essa necessidade com os colaboradores. Nessa empresa menos de 5% tinham restrições e temores e foram trabalhados individualmente, contando com todo o suporte da organização”, detalha.
É essencial ter um plano de ação, seguindo as determinações dos governos estaduais e municipais, com as medidas de segurança necessárias e fazer uma escala. Evelyse sugere que, aos poucos, cerca de 25% do quadro de empregados retome as atividades, depois de 15 dias, 50% da equipe, e, após um mês, cerca de 75%. “Voltar com 100% somente quando as autoridades liberarem, pois vale ressaltar que o grupo de risco deverá continuar em casa”, recomenda.
Além disso, os protocolos devem mudar. As empresas vão ter que manter material explicativo, em local visível, sobre os cuidados de higiene e distância no local de trabalho e os funcionários deverão usar máscaras. O álcool gel deve estar obrigatoriamente na recepção, banheiros, salas de reuniões e copa.
Resumindo, Maria Elisa vê o processo de reabertura do comércio varejista em três níveis. Primeiro, a adequação física das lojas, com o material de informação à vista, distanciamento do mobiliário, entre outras medidas. Depois, o preparo dos funcionários com o uso equipamentos de EPI’s adequados para cada segmento. Por último, o apoio psicológico e técnico com treinamentos, cursos e palestras sobre novos formatos de atendimento ao consumidor.