
Saúde mental em tempos de pandemia
Como dar apoio psicológico necessário aos seus colaboradores no presencial e no trabalho remoto
Medo de contrair o coronavírus, crise de ansiedade, depressão, síndrome de burnout, sensação de culpa e impotência e síndrome do pânico. A pandemia desencadeou esses e outros problemas psicológicos de forma muito intensa na sociedade e um sinal de alerta se acendeu. Muitos terapeutas, psicólogos e psiquiatras começaram a atender on-line, em alguns casos de forma gratuita. Além disso, as empresas também tiveram que entender quem precisava de ajuda em suas equipes. Não é uma tarefa tão simples, mas é essencial manter esse olhar atento para a saúde mental de cada colaborador tanto no trabalho presencial como no remoto.

De acordo com Gabriella Nerici, mestre em Psicologia pela Universidad de La Serena, é fundamental criar um ambiente onde o diálogo seja reconhecido e estimulado. “É preciso deixar claro que os funcionários podem e devem falar sobre seus medos, anseios e dificuldades nesse momento em que estamos vivendo. Ao mesmo tempo, os gestores devem criar uma cultura de apoio e valorização da saúde mental. As intervenções devem ser implementadas como parte de uma estratégia integrada que abrange prevenção, detecção, apoio e reabilitação”, lembra.
Juliana Picoli, psicóloga especializada em luto, diz que é essencial que gestores e dirigentes estejam atentos a sinais de alerta. Entre eles, queda no rendimento, atrasos constantes, manifestações verbais de insatisfação e de dificuldades em entregar tarefas. “É necessário oferecer espaços de escuta e acolhimento, atividades remotas, que compreendam a participação e a interação da equipe. Além disso, campanhas que divulguem e ofereçam auxílio psicológico especializado são imprescindíveis”, reforça Juliana. Caso a empresa não tenha a possibilidade de ter estes serviços, pode fomentar campanhas que visem desconstruir o estigma que existe acerca do sofrimento psíquico e incentivar a busca por ajuda especializada.
Medo de contrair o vírus

Ao retornar ao trabalho presencial, a empresa deve adotar rigorosamente as medidas de segurança. Se perceber que o local onde trabalha ou os colegas não estejam seguindo o protocolo, o colaborador deve conversar com o supervisor.
Medo da morte
A pandemia mostrou de uma forma muito clara o quanto a vida é vulnerável e as pessoas passaram a ter mais medo da morte. Para lidar com isso, é necessário trabalhar com esse sentimento. A psicóloga Gabriella mostra como enfrentá-lo:
- Busque apoio profissional para falar sobre ele;
- Mesmo estando fisicamente longe, procure meios como telefone e videochamadas para sentir-se mais próximo dos entes queridos;
- Crie uma rede de apoio, em que seja possível conversar sobre medos e sentimentos em geral;
- A busca excessiva por informação também potencializa o medo. Por isso, mantenha-se informado de forma equilibrada e busque fontes fidedignas;
- Não guarde o medo ou sentimentos ruins para si. O medo da morte não surgiu por conta da pandemia, mas foi intensificado. Quando ele passa a ser constante, privando o sono e gerando ansiedade extrema, a busca por ajuda precoce é essencial para evitar possíveis crises psicológicas.
Como lidar com o luto
A psicóloga Juliana diz que, antes de tudo, é fundamental compreender que o luto é uma experiência universal. Porém, ele é sentido de maneira distinta e singular por cada pessoa. “Nem sempre é simples compreender o curso de comportamento de uma pessoa enlutada. Principalmente, se não houver na organização algum profissional especialista para prestar assistência ao enlutado e à equipe. O luto não é uma fase a ser superada com o tempo, pelo contrário, jamais acaba. Pois, a história vivida com a pessoa morta está inscrita na vida e na memória de quem ficou.”
Dessa forma, é fundamental que a temática seja abordada de maneira delicada. Também é necessária a compreensão de que oscilação de humor, queda na produtividade, retraimento social e dificuldades em retomar as atividades do cotidiano são comportamentos que poderão existir.
A orientação é que a empresa, dentro de suas possibilidades, ofereça aos seus colaboradores algum serviço de orientação e psicoeducação, prestado por um profissional capacitado.
Deve-se considerar ainda que manifestações de pesar e dor podem ser recorrentes e podem impactar na produtividade e constância do profissional. O gestor precisa de atenção e delicadeza suficientes para orientar na busca por auxílio especializado, caso perceba expressões prolongadas de sofrimento emocional.
Medo de perder o emprego

O desemprego no país cresceu e o Brasil vive um período de recessão econômica bem difícil. Com isso, o receio de perder a renda invadiu os lares da maioria dos brasileiros. “Esse sentimento não deve se tornar perigoso, gerando crise de ansiedade, pânico e outros sintomas. Para isso, o colaborador precisa de um canal de comunicação com seu superior para expor essa preocupação. Além disso, pode tomar medidas como conversar com a rede de apoio; pesquisar e avaliar alternativas de trabalho; rever gastos; quando possível, criar uma reserva financeira; fazer terapia on-line; procurar realizar atividades que permitam a pessoa se desconectar, como, por exemplo, atividades físicas ou de lazer”, recomenda Gabriella.
Home office e homeschool
De acordo com Juliana, o trabalho remoto trouxe demandas e fenômenos que muitos de nós jamais havíamos experimentado antes. Dentre eles, a sobrecarga de trabalho, o acúmulo e a necessidade de organizar as tarefas domésticas com as demandas de trabalho na organização, a quebra daquilo que chamamos de “mundo presumido”.
Pais em home office e crianças em EaD também passaram por momentos de estresse, pois é um desafio ajustar todas as atividades. “A pressão aumenta com o acúmulo de tarefas. Isso acontece porque há dificuldade em conciliar e criar uma rotina familiar que satisfaça as necessidades e compromissos de trabalho de adultos e o auxilio e acompanhamento dos filhos para as atividades escolares”, diz Gabriella. A empresa deve ter um olhar para os colaboradores com filhos e, quando possível, pensar em como tornar essa jornada de trabalho mais saudável.
Casais separados

O número de divórcios também cresceu durante a pandemia e uma separação nunca é fácil. Segundo Juliana, vários papéis sociais exercidos por uma pessoa estão profunda e continuamente interligados: quando a vida pessoal não vai bem, existem repercussões diretas e expressivas nas atividades profissionais, e vice-versa. Se a empresa estiver realmente comprometida com seus colaboradores deve, por excelência, compreender que quaisquer mudanças no fluxo das relações pessoais impactará diretamente na produtividade e desenvolvimento.
“Pessoas vivendo transições significativas no âmbito da pessoalidade podem apresentar não apenas dificuldades ou baixo rendimento. Podem também buscar compensar suas frustrações aumentando o ritmo de trabalho e produção, o que certamente acarretará algum prejuízo”, ressalta.
Os processos de transição exigem atenção, direcionamento cuidadoso e assertivo e, sobretudo, a possibilidade e a liberdade de expressar sentimentos e emoções de maneira suficiente para que estas emoções não se transformem em sintomas e sofrimento.
Juliana ainda relembra o famoso jargão que se repetiu durante muito tempo nas empresas: ao entrar para trabalhar, os problemas pessoais ficam do lado de fora, e, ao encerrar o expediente, os problemas de trabalho ficam na empresa. “Quem nunca ouviu algo parecido de um gestor ou de algum colega mais experiente? A verdade é que esta afirmação ainda se faz, infelizmente, muito presente na cultura de muitas organizações. Eu ouso afirmar que contribui muitíssimo para o endurecimento e o adoecimento de muitas pessoas.”
Perda ou ganho excessivo de peso
O aumento ou a diminuição do volume corporal podem estar associados a fatores genéticos, estilo de vida, sedentarismo e alterações hormonais. “Todavia, trata-se de um momento crítico como o que vivenciamos, tanto coletiva quanto individualmente. Portanto, essas questões merecem observação mais cautelosa principalmente se estivem atreladas a outras queixas e sintomas: perturbação do sono, humor irritadiço, impaciência, alterações da libido, prejuízo nas relações interpessoais e na comunicação, dificuldade de concentração e comportamentos ansiosos”, alerta Juliana.
Ansiedade e depressão podem incluir alterações no apetite e, por conseguinte, aumento ou diminuição do peso corporal como sintomas importantes. É válido destacar que as questões ligadas à aparência física e ao peso são, geralmente, delicadas para muitas pessoas, disparadores de crises ansiosas e jamais devem ser abordadas diretamente por alguém sem que a própria pessoa solicite. “Uma abordagem delicada e respeitosa neste sentido inclui a necessidade de observar a pessoa como um todo, de forma que, ao oferecer ajuda, o peso e a aparência não sejam usados exclusivamente como algo que destaque a percepção de um problema ou diagnóstico”, orienta Juliana.
Atenção contínua
O importante é ter empatia com colaboradores, pois foi um ano muito complexo para a humanidade. O melhor caminho é manter o sinal de alerta, deixar um canal aberto para o acolhimento e acompanhar de perto qualquer mudança de comportamento, pois a pandemia ainda está presente na vida das pessoas.