MAI/JUN 2020 - Edição 229 Ano 33 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Os impactos da Covid-19 e o novo normal do franchising brasileiro

16 de junho de 2020 | por Solange Bassaneze | Fotos: Divulgação
Como as franqueadoras têm reagido à crise ocasionada pelo novo coronavírus 

A parceria entre lojistas e empreendedores tem se dado de forma mais acentuada durante a pandemia. Os shoppings já disponibilizaram quase R$ 2,5 bilhões em isenções, adiamentos e concessões para ajudar o varejista a enfrentar esse momento tão delicado. As franqueadoras também vêm traçando as mais diversas estratégias para sua rede de franqueados. A luta é de todos para a manutenção do emprego e dos negócios. A seguir, conheça como algumas redes de franchising têm atuado durante a pandemia, os impactos sofridos até agora e as medidas para o novo normal. 

Alimentação

Mesmo com o serviço de delivery ativo, as vendas dos restaurantes caíram bruscamente. O Grupo Trigo, detentor das marcas Spoleto, Koni, Lebonton e Gurumê, teve uma queda de 75% do faturamento, comparado ao período pré-crise. Chegou a ter 250 lojas com suas operações suspensas temporariamente e, em maio, eram um pouco menos de 150. Apesar disso, nenhuma franquia foi fechada de forma definitiva até o mês passado. A retomada nas operações em shoppings também tem sido muito lenta com desempenho de 68% abaixo, já incluindo as vendas do delivery. Apesar das dificuldades, definiu uma missão com os franqueados e funcionários: a de manter o máximo de fogões acesos para preservar o maior número de empregos. 

Spoletto Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers
Em shoppings, o Grupo Trigo tem 330 operações das marcas Spoleto, Koni e Lebonton

Para gerenciar a crise, a companhia montou um plano de ação, com diversos pontos de atuação. Com foco nas pessoas, contrataram um infectologista logo no início da transmissão comunitária no país. O profissional ajudou na criação de protocolos de operação nos restaurantes, a fim de preservar a saúde dos funcionários e clientes. “Decidimos de maneira deliberada transferir liquidez do caixa da franqueadora para os franqueados e isentamos os royalties nos primeiros 45 dias da crise. Também passamos a fornecer produtos de nossa fábrica com 50% de desconto e aumentamos o prazo médio de pagamento em quatro vezes”, ressalta Antonio Moreira Leite, CEO do Grupo Trigo. 

A empresa montou ainda um time de consultores de negócios com foco na preservação de caixa dos franqueados, que passou a reportar para o CFO. As principais ações foram: negociação e recomendação de linhas de crédito com os bancos parceiros do Grupo Trigo, demonstração e indicação no uso das Medidas Provisórias.

Novas soluções

A empresa também tem passado por uma grande transformação digital. Foram formadas equipes multifuncionais dedicadas a transformar todos os restaurantes abertos em operações de delivery.

Antonio Moreira Leite CEO Grupo Trigo Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers

Com isso, já plugou 230 restaurantes nos aplicativos mais conhecidos de entrega e criou a própria plataforma de delivery. E os canais digitais têm ajudado a manter os negócios. Além da plataforma de delivery proprietária para cada marca, franqueados fizeram um curso, para que possam realizar estratégias locais de marketing digital. Tudo seguindo os guide lines da marca e com materiais disponíveis em uma plataforma de fácil acesso. O Grupo Trigo tem investido, ainda, em outras soluções tecnológicas com menos contato humano, como totem de autoatendimento, aplicativos para pre-ordering e take away. 

“Redesenhamos a estrutura organizacional da empresa e aumentamos muito o foco no suporte e construção de soluções junto com os nossos franqueados assim como também fortalecemos a área de análise de dados para melhorar a performance no delivery”, Antonio Moreira Leite. 

Segundo Leite, as vendas no delivery vêm aumentando todas as semanas e já chegaram a dobrar. Porém, as vendas por aplicativos chegam a cobrar taxas de até 30% dos restaurantes. Isso levará ao aumento de custo de 15% em um negócio que tinha de 8 a 10% de resultado. 

Grupo Trigo Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers
O Grupo Trigo tem 440 lojas franqueadas, sendo que 350 unidades são do Spoleto

“Se os shoppings investirem em suas próprias soluções de delivery, elas podem ser mais amigáveis para os lojistas e mais favoráveis aos negócios dentro do próprio ambiente do empreendimento”, recomenda. 

Ele também ressalta que a rede pode ser um caminho para quem perdeu o emprego e quer investir no franchising com a possibilidade de empreender com menos risco. Para Leite, este é um bom momento para negociações com os empreendedores.

Limpeza e conservação

A 5àsec, líder do segmento em número de lojas, com 442 operações, não tem medido esforços para apoiar os franqueados diante do atual cenário. “Desenvolvemos o projeto piloto Inside Sales para trabalhar a base de clientes que não consome há mais de 30 dias. Após o período de 60 dias, considerando que os resultados sejam positivos, ele poderá ser implantado de forma definitiva pela marca”, relata Fábio Roth, CEO Brasil da 5àsec. 

5àsec Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers
Os produtos são embalados e entregues por meio de delivery na 5àsec com toda segurança

As vendas sofreram queda de 60% nos primeiros 30 dias da pandemia e, agora, segue em uma recuperação gradual. Já voltaram a recuperar 30% em relação aos 30 dias iniciais. Apesar das lojas estarem abertas, por serem consideradas serviços essenciais à população, grande parte da demanda é feita por meio do delivery. Os franqueados notaram que houve aumento de itens de enxoval de casa e de roupas do dia a dia enviados à lavanderia. 

Como medidas preventivas, os colaboradores usam máscaras e álcool em gel e as peças são coletadas em um saco e entregues na bancada das lavanderias com todos os cuidados. A rede ainda não teve nenhuma franquia fechada, mas cerca de 10 estão em análise interna para apoio ou permissão de fechamento. 

Canais digitais

O e-commerce, o aplicativo e até mesmo os pedidos pelo WhatsApp têm feito a diferença neste momento de pandemia. “60% das vendas hoje são feitas pelos canais digitais e têm o serviço de delivery como principal ferramenta, inclusive nas lojas instaladas em shopping centers.”

A 5àsec está realizando também um trabalho de orientação a toda rede franqueada por meio de webinars semanais. São tratados o cuidado no atendimento ao cliente e o manuseio das roupas, com o propósito de contribuir de forma efetiva com a sociedade. Além disso, elaboraram uma cartilha operacional em formato de e-book, que reúne um compilado de dicas para garantir excelência operacional neste momento.

“A marca liberou ainda o delivery gratuito nas 442 unidades espalhadas pelo Brasil e não irá cobrar a taxa referente ao fundo de propaganda por três meses, além de negociação de capital de giro em instituições financeiras e a desoneração da rede para eventos, convenção e treinamentos in loco”, detalha Roth. 

 “Sabemos que teremos um novo normal com hábitos um pouco diferentes. Por isso, já traçamos planos como a intensificação das vendas on-line, processos mais enxutos e lançamentos de novos serviços”, Fábio Roth. 
Fábio Roth Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers

Vale a pena investir agora

Roth diz que, talvez, esse seja o melhor momento para investir em uma franquia da marca. “Com taxa Selic a 3%, em que os investimentos normais e mais conservadores não estão tendo rentabilização atrativa. Já uma rede como a nossa, em condições relativamente normais, pode dar até 2,8% de rentabilidade mensal. Isso é muito acima do mercado financeiro conservador, tendo taxas de lucratividade médias de 25%.”

Destaca ainda que os serviços estarão cada vez mais em alta, no novo normal da sociedade pós-pandemia. As taxas de franquia foram divididas conforme o modelo de negócio, que vão de R$ 15 mil a R$ 50 mil, e podem ser negociadas conforme o porte do investimento.

Hotelaria e turismo

O turismo é outro setor bastante impactado durante a pandemia. A CVC, maior franquia do segmento em número de lojas do país, tem atuado de forma ativa, cooperando com as companhias aéreas e autoridades. Tem dado assistência àqueles que já tinham viagens programadas. “A operadora vem orientando os consumidores em relação aos destinos adquiridos. Para todos os locais que tiveram operações canceladas por parte dos fornecedores, como companhias aéreas, hotéis e receptivos de passeios, a agência oferece a opção de reacomodação para datas futuras e outros destinos”, explica Emerson Belan, diretor geral da CVC.

Com mais de 1.400 lojas em todo o Brasil, os times de vendas e de franqueados seguiram em home office. Cerca de 7 mil consultores prestaram atendimento de forma remota aos clientes e receberam treinamentos à distância. Enquanto estiveram fechadas, as lojas continuaram ativas no atendimento, dando orientações aos clientes por meio de canais digitais, como as centrais de atendimento regionais. 

Por ano, a CVC embarca cerca de 4 milhões de brasileiros em viagens pelo Brasil e exterior, em viagens aéreas, marítimas e terrestres. As viagens são customizadas por cerca de 80% dos clientes. “Apesar das viagens estarem suspensas temporariamente por conta da pandemia, a CVC acredita que, muito em breve, os brasileiros voltarão a viajar e a reconhecer esses momentos como únicos.”

A empresa tem auxiliado os franqueados com um conjunto de ações desde abril. “Temos atuado junto aos bancos, associações e instituições de linhas de crédito para maior acesso a crédito para os pequenos e médios lojistas. Além disso, disponibilizamos gratuitamente um escritório de advocacia para apoio e esclarecimento de dúvidas sobre a Medida Provisória trabalhista, entre outras iniciativas”, esclarece Belan. 

Emerson Belan Diretor Geral da CVC Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers

Viagens futuras

Desde maio, os clientes têm pesquisado no site da CVC preços para embarques a partir de outubro, sendo que as buscas têm sido preferencialmente pelo Nordeste e Sul do país. “Os destinos internacionais ainda estão com baixa procura, sendo que a preferência nacional, por viagens domésticas, é histórica, se mantém e segue mais aquecida. Independentemente da alta do dólar, a preferência dos clientes que viajam pelo Brasil sempre foi por destinos domésticos, com uma média de 80% do volume de embarques por ano”, relata. 

A empresa tem feito negociações com diversos fornecedores para que possam ser disponibilizadas tarifas para o segundo semestre e o próximo verão. “A maior procura é para o período de outubro de 2020 a fevereiro de 2021. Hotéis e resorts do Nordeste, por exemplo, já têm oferecido tarifas para a CVC mais em conta do que o mesmo período do ano passado. Em média, uma viagem para praias nordestinas, considerando hospedagem de 7 dias e aéreo de ida e volta, está 30% mais em conta do que o mesmo período de 2019”, reforça o diretor geral.

Moda infantil

A Calçados Bibi, consagrada marca brasileira, possui com 119 lojas, sendo que 111 ficam em shopping centers, e tem sentido a queda nas vendas. Em abril, conseguiram faturar, aproximadamente, 7% do total da rede. Até o início de maio, apenas 18 lojas tinham sido reabertas, boa parte no Sul do país. No Paraná, por exemplo, após duas semanas de retomada das atividades, registraram de 70% a 80% do fluxo nas unidades da marca. As que abriram em menos tempo, o movimento era de 40% a 50% comparado com o período anterior à crise. 

Calçados Bibi Impactos do Covid-19 no franchising brasileiro - Revista Shopping Centers

Para ajudar os franqueados, tomaram uma série de medidas. “Os títulos não foram a banco e nem a cartório; prorrogamos o que estava vencendo e isentamos a cobrança do fundo de marketing enquanto as lojas estiverem fechadas. Também auxiliamos na revisão de fluxo de caixa de cada unidade, realizamos lives com assessoria tributária e do trabalho para que os franqueados pudessem entender as Medidas Provisórias do governo e não demitir colaboradores”, enumera Andrea Kohlrausch, presidente da Calçados Bibi.

Caminho on-line 

Além disso, a companhia segue atuando no mercado por meio do e-commerce e de serviços de delivery em todo o Brasil. Acelerou o engajamento dos franqueados nos projetos de transformação digital onde já vinha desenvolvendo a integração entre o off-line e on-line. “A marca criou uma estratégia em que parte do valor da venda de cada compra on-line é destinado como comissão para as equipes das lojas físicas, que pode ser escolhida pelo próprio consumidor”, detalha Andrea. 

“Por sermos uma empresa verticalizada, conseguimos ter visão sistêmica de toda a cadeia e apoiar na definição de ações e negociações ágeis para nossas unidades. Firme em nossos valores, seguimos todas as orientações da Organização Mundial de Saúde e demais diretrizes em meio a pandemia. Dessa forma, utilizamos as Medidas Provisórias anunciadas pelo Governo Federal visando priorizar os postos de trabalho.”
Andrea Kohlraush Presidente da Calçados Bibi - Revista Shopping Centers

Segundo Andrea, o e-commerce passou atuar como frente de loja. Depois de efetuar a compra on-line, o cliente recebe o produto em até três horas em diferentes regiões do país. As lojas atuam como minicentros de distribuição. A mercadoria sai de determinada unidade e é faturada para a loja que disponibilizou o calçado. Atualmente, a rede consegue ter acesso ao estoque das operações que já atuam nessa modalidade de entrega expressa. 

O intuito é facilitar cada vez mais o dia a dia do consumidor, além de promover praticidade e segurança ao efetuar compra de produtos e serviços. A marca segue o conceito de marca com propósito, que visa o capitalismo consciente em prol de consumidores, colaboradores, fornecedores e stakeholders.

“Acreditamos que as marcas que não investirem na transformação digital e na integração de canais, infelizmente, vão ficar ultrapassadas. Teremos um novo normal e as compras por meio de plataformas digitais irão ganhar cada vez mais espaço. Por outro lado, a loja física vai sempre existir, desenvolvendo muito a experiência e o calor humano, trabalhando de forma integrada com canais digitais”, destaca Andrea. 

Antes da pandemia, a marca já vinha desenvolvendo um projeto de loja mais moderna e com possibilidade de investimento mais econômico. O novo layout contempla mais experiência, personalização e integração dos canais digitais. “A crise da covid-19 acelera a implantação deste projeto. Onde há crise sempre há oportunidade”, declara Andrea. 

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