JUL/AGO 2024 - Edição 254 Ano 37 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Direitos autorais aplicados na publicidade e em ações de marketing em shopping centers

13 de agosto de 2024 | por Patricia Peck Garrido Pinheiro

Os direitos autorais estão por todo lado. Em um ambiente em que a música, a arte e outras expressões culturais permeiam as experiências de compra e lazer, é essencial entender como os direitos autorais se aplicam às atividades do dia a dia. Desde a exibição de obras artísticas nas áreas comuns ao uso de uma obra em uma publicidade ou à utilização de trilhas sonoras em eventos promocionais, cada decisão pode ter implicações jurídicas. 

Por isso, essa é uma questão fundamental para empreendedores e administradores de shopping centers, pois envolvem não apenas a proteção da criatividade e inovação, mas também a gestão de riscos legais que podem impactar significativamente os negócios.

Vamos aqui tratar especificamente das hipóteses de uso de uma obra protegida por direito de autor em publicidade e atividades de marketing usualmente desenvolvidas por shopping centers, que podem abranger publicações em redes sociais, exibições de obras de arte ou fotografias nas instalações, peças publicitárias, eventos culturais promovidos no ambiente do shopping, entre outras. Mas para isso, vamos antes conhecer um pouco da história desses direitos.

Essa classe de direitos tem suas raízes na criação da prensa de Gutemberg e do estabelecimento do direito de reprodução. Logo após, surgiu na Inglaterra, o Estatuto da Rainha Anne, que ficou conhecido como a primeira lei de direitos autorais. A lei incentivava a produção intelectual, garantindo aos autores o reconhecimento de sua autoria e pagamento pela reprodução da sua obra. 

Na sequência, veio o sistema francês, Droid D’Auteur, que introduz os direitos morais do autor, assegurando o respeito à integridade e autoria das obras, para além do aspecto econômico. Ao consagrar os direitos morais de autor, enfatizamos a ligação inalienável entre o criador e sua obra e destacamos a importância de sempre respeitar a criação, atribuindo os créditos em toda e qualquer citação.

direitos autorais revista shopping centers abrasce
Patricia Peck Garrido Pinheiro: Advogada especialista em Direito Digital, Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Cibersegurança com mais de 20 anos de prática. Graduada e Doutorada pela Universidade de São Paulo, PhD em Direito Internacional, com tese sobre Propriedade Intelectual na Inteligência Artificial. CEO e sócia-fundadora do Peck Advogados. Membro Titular do Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber). Foi Conselheira titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Membro do Conselho da Iniciativa Smart IP Latin America do Instituto Max Planck de Munique. Autora de 48 livros de Direito Digital. Head de Políticas Públicas do Instituto Norberto Bobbio (INB). Presidente do Instituto Peck de Cidadania Digital (IPCD). Programadora desde os 13 anos. Certificada em Privacy e Data Protection EXIN. 

A partir desse histórico, conscientes da luta pela consolidação dos direitos, em seus aspectos moral a patrimonial, podemos compreender a relevância da sua proteção, que está diretamente ligada à promoção da cultura nacional.  

Por isso, a regra para o uso e exploração de obras de terceiros está condicionada à prévia autorização do autor (detentor do direito moral) ou titular (detentor do direito patrimonial) da obra, podendo estar consolidado em uma mesma pessoa ou segmentado em pessoas distintas.

A lei de direitos autorais prevê, no entanto, restrições a esta regra, que são decorrentes do seu próprio texto ou de leis e tratados internacionais, em função do interesse público e do desenvolvimento intelectual e cultural da sociedade.

As referidas limitações, por tratarem de exceções ao direito de exploração da obra pelo autor, são interpretadas restritivamente, admitindo-se o uso não autorizado apenas quando compatível com uma das hipóteses legais, todas relacionadas ao uso não comercial da obra. Parte-se do princípio da razoabilidade de determinados usos, quando não afetam a exploração comercial da obra nem seu valor.

Uma dessas hipótese, o chamado “direito de citação”, ´determina que não constitui ofensa aos direitos autorais, a “citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra”.

A aplicação das hipóteses legais analisadas deve ser aplicada em consonância com a chamada “Regra dos Três Passos”, que é reconhecida pelos nossos Tribunais e traz parâmetros para a aplicação das limitações do direito de exclusividade do autor quando:

(i) se estiver diante de certos casos especiais;
(ii) a utilização não prejudicar a exploração normal da sua obra e
(iii) a utilização não causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor.

Assim, a aplicação dessa hipótese legal para a produção de conteúdo no âmbito das atividades de um shopping center, dada sua atividade essencialmente comercial, raramente será aplicável. Essas peças publicitárias têm propósito de promoção e divulgação dos produtos e serviços disponibilizados pelo shopping, com claro cunho comercial. Assim, a exploração de uma obra, ainda que em pequeno trecho, em tais contextos, fatidicamente impactará os legítimos interesses do autor, já que há nítida exploração econômica da obra, que gera prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor.

Casos comuns que ocorrem e trazem risco jurídico para o shopping, envolvem criações com uso de rosto de pessoas, principalmente se houver criança. O debate atual tem sido com uso dos recursos mais novos, como da inteligência artificial generativa. Veja aqui um trecho extraído do Termo de Uso de uma destas soluções: “devido à natureza dos Serviços Online, as Criações podem não ser únicas entre os usuários e os Serviços Online podem gerar saídas iguais ou semelhantes para a Microsoft ou para outros usuários. Outros usuários também podem fazer perguntas semelhantes e receber respostas iguais, semelhantes ou diferentes.”

Por isso é importante que o processo de trabalho ou uso do “prompt” busque documentar o passo a passo, para demonstrar que se quis evitar a tal “coincidência” com excessiva similaridade ou até mesmo o uso direto da imagem que tenha sido trazida da internet, sem a devida autorização do titular e/ou responsável legal. Quando se busca a criação de um “alguém” que não seja ninguém. Como outra opção, o uso de plano aberto e sem identificação direta de pessoa, ajuda muito a evitar este tipo de risco. 

Portanto, todo conteúdo usado em campanhas de marketing, seja ele um fonograma, um vídeo, uma obra fotográfica ou um poema, quando incorporado em tais materiais, deve ter seu uso autorizado, formalizado por um contrato de licenciamento de direitos autorais. Os contratos devem estabelecer o tempo de duração do licenciamento, a abrangência do uso, as mídias aplicáveis, detalhando na máxima extensão o uso pretendido, já que tais direitos são sempre interpretados de maneira restritiva. Assim, caso não previsto contratualmente que a autorização alcança a adaptação da obra para publicação em mídia social, seu uso configurará uma violação, passível de indenização para compensação ao autor. 

Da mesma forma, a contratação de artistas e a realização de exposições também exigem atenção às normas de propriedade intelectual. Conhecer e respeitar esses direitos não só evita problemas legais, mas também valoriza e fortalece a imagem do shopping como um espaço que respeita a cultura e privilegia o autor. 

A opinião dos autores não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.

  • GOSTOU? COMPARTILHE: