MAR/ABR 2025 - Edição 258 Ano 38 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Aquisições envolvendo shopping centers: quando notificar ao CADE?

16 de abril de 2025 | por Ricardo Gaillard e Rafaella Schwartz Jaroslavsky

Nos últimos anos, o setor de shopping center tem se mostrado bastante aquecido, com a celebração de negócios jurídicos e operações diversas, incluindo a compra e venda de participação societária ou imobiliária nos shoppings, bem como a compra e venda direta dos imóveis em que estão localizados os shoppings. Algumas dessas operações foram notificadas ao CADE, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão responsável pela proteção da livre concorrência. Nesse contexto, a decisão de aprovação do CADE figura como condição suspensiva para o fechamento de operações que preenchem os critérios de notificação obrigatória previstos na legislação concorrencial.  

Em casos envolvendo aquisições de participação societária em shoppings, a obrigação de notificar ao CADE derivou do preenchimento dos critérios previstos na regulação concorrencial. O primeiro critério diz respeito aos faturamentos brutos ou volumes de negócios registrados pelas partes envolvidas nas operações e seus respectivos grupos econômicos, no Brasil, no ano anterior à realização da operação (i.e., R$ 75 milhões, de um lado, e R$ 750 milhões, do outro lado). O segundo critério se relaciona ao conceito de ato de concentração, especialmente envolvendo hipóteses de aquisição de participação societária, sobretudo: (i) aquisição ou consolidação de controle unitário ou compartilhado, desde que não envolva aquisições realizadas pelo controlador unitário; ou (ii) aquisição de participação minoritária envolvendo percentuais iguais ou superiores a (a) 5% quando a empresa investida é concorrente ou atua em mercado verticalmente relacionado; e/ou (b) 20% quando a empresa investida não é concorrente ou não atua em mercado verticalmente relacionado.

Sócio da área Concorrencial do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Bacharel em Direito pela PUC-SP e especialista em Direito Empresarial pelo IBMEC. Atuou como associado internacional no escritório Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton LLP em Washington, D.C. (2011/2012). Atualmente, é membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC) e criador e co-host do podcast Vantagem Auferida, que aborda tendências em antitruste e no mercado jurídico

Outros tipos de operações corriqueiras no setor e notificadas ao CADE envolveram aquisições de frações ideais dos imóveis em que estão localizados os shoppings. Nessas situações, o entendimento do CADE foi que a aquisição de participação imobiliária de shopping pode ser equiparada à aquisição de participação societária, na medida em que esse tipo de empreendimento tem características comuns a uma sociedade empresária, tais como: organização, funcionamento, comunhão de interesses dos condôminos e relação direta do condomínio com o desenvolvimento da atividade de locação de espaço comerciais em shopping center (entendido como atividade empresarial). Portanto, se preenchidos os critérios de faturamento e de aquisição de participação societária mencionados acima, uma operação envolvendo aquisição de fração ideal de imóveis de shoppings deve ser notificada ao CADE.

Além disso, operações envolvendo ativos imobiliários, como, por exemplo, aquisições relacionadas a landbank (banco de terrenos) e/ou potenciais construtivos têm ocorrido com alguma frequência. Atualmente, muitos shoppings são parte de empreendimentos multiuso e há muito potencial construtivo ainda não explorado que pode ser comercializado com terceiros para construção de torres residenciais, de hotéis, comerciais ou para a própria expansão de um shopping. Logo, a negociação de potencial construtivo para agregar valor ao empreendimento de um shopping tem ganhado cada vez mais relevância no cenário atual.

No âmbito do CADE, operações envolvendo a compra e a venda de ativos imobiliários podem suscitar dúvidas sobre a necessidade de notificação à autoridade concorrencial. Isso porque a Lei nº 12.529/2011 menciona, em seu art. 90, inciso II, que a compra de partes de uma ou outras empresas, por meio de ativos tangíveis ou intangíveis, poderia ser considerada como de notificação obrigatória, sem fornecer detalhamento específico sobre o status operacional e destinação desses ativos. 

A jurisprudência do CADE costuma adotar quatro critérios, para enquadrar uma aquisição de ativos imobiliários como de submissão obrigatória, quais sejam: (i) a natureza operacional do imóvel; (ii) a destinação específica; (iii) a essencialidade à atividade econômica do comprador; e (iv) o aumento de capacidade produtiva. No entanto, esses critérios eram aplicados de maneira não uniforme e os precedentes do CADE apresentavam algumas contradições e pontos omissos que geravam incertezas aos agentes econômicos envolvidos em aquisições de ativos imobiliários. 

Mais recentemente, em fevereiro de 2025, no contexto de uma consulta formulada pelo Bompreço Bahia Supermercados, o Tribunal do CADE emitiu decisão relevante buscando padronizar os critérios adotados na jurisprudência, e apresentou algumas premissas importantes para determinar quando aquisições de ativos imobiliários não precisariam ser notificadas ao órgão concorrencial, quais sejam: (i) o imóvel deve estar inativo (ou não operacional), sem gerar faturamento, sem atividades comerciais ou aumento de participação de mercado; (ii) a inatividade do bem deve ser anterior à decisão de venda, sem qualquer relação com esta; e (iii) o grupo econômico do comprador não pode atuar na mesma atividade anteriormente explorada no ativo, para evitar a transferência de fundo de comércio.

cade revista shopping centers
Advogada Sênior da área Concorrencial do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Bacharel em Direito pelo IBMEC. Mestra em Direito da Regulação e Pós-Graduada em Direito Empresarial e Mercado de Capitais, ambos pela FGV/RJ. Também atua como Non-Governmental Advisor na International Competition Network (ICN) e como Diretora de Publicações da Women in Antitrust (WIA)

Em linhas gerais, o Tribunal do CADE entendeu que ativos imobiliários inativos e não operacionais devem ser considerados, de um modo geral, mero insumos à atividade comercial, já que podem ser livremente comercializados no mercado. O raciocínio do CADE é que negócios dessa natureza não seriam capazes de afetar a estrutura do mercado e, consequentemente, não afetam a concorrência ou os consumidores.

Ainda no âmbito da referida consulta, o CADE apontou que operações imobiliárias podem demandar submissão obrigatória se, ao menos, um dos seguintes elementos estiver presente:

(i) o imóvel for parte de um estabelecimento comercial ativo quando iniciadas as negociações para sua alienação; (ii) o imóvel detiver capacidade produtiva instalada capaz de ser rapidamente absorvida pelo comprador; (iii) a operação incluir a transferência de outros bens, como cessão de marca, estoque, clientela ou aparelhos instalados; ou (iv) o imóvel-alvo estiver sujeito a restrições regulatórias que o tornem essencial para uma determinada atividade, seja por sua dificuldade de replicação, seja por sua indispensabilidade para a entrada de novos concorrentes, considerando a atividade comercial do comprador.

Vale ressaltar que a decisão do CADE mencionou expressamente que o entendimento proferido na consulta não seria diretamente aplicável a operações envolvendo compra e venda de terrenos e de bens imóveis entre empresas concorrentes do setor imobiliário, em razão de suas especificidades. De todo modo, o Tribunal do CADE reforçou que poderá decidir sobre o tema em nova oportunidade, se assim provocado.

Assim, a depender das particularidades do caso concreto, seria possível buscar uma exceção para aplicar os critérios previstos na referida consulta a determinados tipos de operações envolvendo aquisições de ativos imobiliários entre empresas do setor imobiliário e shoppings. Nessa conjuntura, aquisições envolvendo potencial construtivo e/ou landbank no portfólio de shoppings poderiam tentar se beneficiar dos critérios estabelecidos no julgado citado, para buscar afastar a necessidade de notificação ao CADE.

Portanto, além de acompanhar os próximos desdobramentos do tema no CADE, uma medida mais assertiva seria submeter à autoridade concorrencial uma operação envolvendo a aquisição de potencial construtivo e/ou landbank entre players do setor imobiliário e de shoppings, pedindo especificamente uma decisão de não conhecimento do CADE; ou buscar um posicionamento mais robusto do CADE sobre os critérios de notificação aplicáveis a determinados tipos de operações envolvendo aquisições de ativos no setor imobiliário e de shoppings.

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