MAI/JUN 2019 - Edição 224 Ano 32 - VER EDIÇÃO COMPLETA

O dever de guarda pelo consumidor e a responsabilidade pela perda do ticket do estacionamento

1 de junho de 2019 | por Fabíola Meira de Almeida Breseghello* | Foto: Divulgação
* Advogada do escritório BNZ e especialista em Relações de Consumo.

O desenvolvimento livre da atividade econômica é garantido pela Constituição Federal (CF), desde que respeitados os direitos dos consumidores. Pois bem. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece em sua Política a necessidade de equilíbrio e harmonização das relações de consumo, de modo a viabilizar os princípios da ordem econômica. Impõe deveres aos fornecedores e aos consumidores. O CDC, por exemplo, exclui a responsabilidade do fornecedor na hipótese de um dano ter sido causado exclusivamente pelo consumidor ou por terceiro, bem como, em nosso entendimento, não proíbe o empreendimento de estabelecer cláusulas e condições restritivas ao cliente, desde que devidamente informadas.

Nesse sentido, a discussão relativa à cobrança de valor prefixado na hipótese de perda do ticket encontra respaldo no CDC, pois a perda é uma conduta desidiosa exclusiva do cliente em relação à guarda de seus pertences, devendo, assim, arcar com os ônus de tal fato. Além disso, a exigência do ticket não deixa de ser uma medida de segurança.

Quanto ao tema, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) já se posicionou no sentido da legalidade da cobrança de multa em caso de perda de ticket, desde que previamente informado o valor a ser pago1. Em outra oportunidade, o TJRS asseverou que a situação foi causada pela própria Autora e que a quantia exigida era devida2. Até para hipóteses de estacionamento com tarifa única, a perda do ticket de estacionamento pela Autora que ensejou a cobrança de multa de R$10,00 não foi entendida como excessiva pelo TJRS3.

Para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)4, inexiste irregularidade na cobrança, na medida em que existia “uma placa informando que ‘em caso de perda do ticket será cobrado R$ 20,00’, sendo que tal quantia não se mostra abusiva”. O Relator ainda destacou que “a autora era reincidente, ou seja, já havia perdido o ticket em outra ocasião e sem ele não é possível o controle de data e horário do ingresso do veículo, o que justifica a cobrança de valor maior”.

Ora, se a informação é prévia, de fácil compreensão, com caracteres ostensivos e legíveis, bem como o valor não se mostra superior à diária, não há que se falar em ilicitude nem em abusividade da cobrança. 

Frisa-se, no entanto, que no município do Rio de Janeiro, foi aprovada a lei nº 6.468/19 (i) em prejuízo do próprio desenvolvimento econômico das empresas locais, que já são por demais oneradas; (ii) prestigiando o consumidor que não age com a diligência e cuidados esperados; e (iii) em patente inconstitucionalidade5. Referida lei, objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) pela Abrasce e com parecer favorável do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) quanto à inconstitucionalidade, obriga os estabelecimentos a possuir registro de entrada e saída de veículos e os impede de cobrar.


1. TJRS – Ap. Nº 70037684453, Rel. Tasso Caubi Soares Delabary, julgado em 02/03/2011.
2. TJRS – RI Nº 71006588453 – 02/05/17.
3. TJRS – (Recurso Cível 71006390595, Rel. Gisele Anne Vieira de Azambuja, julgado em 11/11/2016).
4. TJSP – Ap. Cível 1011098-59.2014.8.26.0006; Rel. Erickson Gavazza Marques; 21/06/2017.
5. TJRJ – Adin 0004019-83.2019.8.19.0000.

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