Tributação em shopping centers: novo relevante precedente
1ª Turma da CSRF reconhece que o condomínio civil não é contribuinte
Foi julgado pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recurso Fiscais o Recurso Especial interposto no Processo Administrativo no 10283.004453/2004-71, decorrente da autuação de condomínio civil de shopping center, em virtude do não recolhimento de Imposto de Renda – Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS e COFINS. O acórdão prolatado (no 9101-005.415) julgou improcedente a autuação, em virtude do art. 19-E da Lei nº 10.522, de 2002, acrescido pelo art. 28 da Lei nº 13.988, 2020, em face do empate no julgamento, o qual denota ser essa matéria, em certa medida, ainda polêmica, apesar da clareza da legislação aplicável à exploração econômica da propriedade comum.
Ignorando as características do condomínio civil, foram efetuados tais lançamentos por se entender que o condomínio exerceria “atividade empresarial, sendo sujeito passivo decorrente da prática de atividade econômica, possuindo capacidade tributária passiva, nos termos do artigo 126 inciso III do CTN, para figurar como contribuinte”, e que, “sob o uso indevido da denominação de ‘condomínio’ atua como autêntica pessoa jurídica de direito privado na modalidade de ‘sociedade’ conforme vasta exposição da sua atividade empresarial”.
Foram adotados os arts. 966 (o conceito de empresário), 981 (contrato de sociedade), 983 a 990 (sociedade empresária) do Código Civil e os arts. 121 (sujeição passiva tributária) e 126 (capacidade tributária) do Código Tributário Nacional, para concluir que a finalidade do condomínio civil seria “o exercício da atividade econômica de aluguel de salas comerciais localizadas no [•], que o mesmo aufere essas receitas e as distribui aos seus condôminos (empreendedores), prática essa registrada em seus assentamentos contábeis, o que demonstra ter esse ente ‘finalidade lucrativa’”. Além disso, destacou-se que “o instrumento de Convenção do Condomínio prevê a ‘distribuição de resultados’, para se concluir que “o Condomínio [•] é sujeito passivo decorrente da prática de atividade econômica, possuindo capacidade tributária passiva, nos termos.do artigo 126 inciso III do CTN, para figurar como contribuinte dos respectivos tributos devidos nos termos da legislação em vigor”. Vale dizer, a finalidade lucrativa do empreendimento, aliada às distribuições de “resultado”, caracterizariam o condomínio civil como sujeito passivo tributário.
Todavia, a exploração econômica do bem em condomínio não precisa ser necessariamente realizada através de uma sociedade, eis que a legislação é flexível para permiti-la em diversas modalidades. As partes são livres para contratar a forma de exploração do ativo, podendo constituir uma sociedade com tal finalidade ou, ainda, explorar diretamente o ativo, em condomínio.
Com a eleição da exploração em condomínio — desprovido de personalidade jurídica —, cada condômino exerce a exploração econômica da propriedade comum e contabiliza as receitas, custos e despesas decorrentes de acordo com sua fração ideal, recolhendo os tributos devidos consoante o regime em que se enquadra. Através de instrumentos contratuais, eles manifestam a vontade de realizar a exploração econômica da propriedade comum, mediante a instituição de um condomínio, em consonância com o art. 1.314 e seguintes do Código Civil, o que evidencia a ausência de uma sociedade em comum (ou de fato).
O fato de determinado imóvel ser explorado por seus coproprietários não significa que tal exploração tenha que se dar exclusivamente através de uma sociedade, visto que o próprio Código Civil autoriza essa exploração diretamente por seus condôminos. Tampouco o fato de o condomínio arrecadar as receitas dela derivadas e reparti-la entre os condôminos descaracteriza o condomínio civil e autoriza a presunção de existência de uma sociedade.
Aliás, o art. 7º do Decreto-Lei nº 1.381, de 1974, dispõe que “os condomínios na propriedade de imóveis não serão considerados sociedades de fato, ainda que deles façam parte também pessoas jurídicas”, regra que, por si só, já afasta o tratamento defendido pela fiscalização nesse caso.
Essa foi a conclusão do julgamento do Recurso Especial em questão. Confira-se o entendimento manifestado pelo relator:
“Desenvolvendo, em acréscimo a tal primeira constatação de improcedência, uma vez que trata-se de condomínio pro indiviso, em que os condôminos são igualmente proprietários dos bens que geram os aluguéis, as luvas e outros pagamentos, o recebimento do aluguel por meio dessa figura despersonalizada, valendo-se dela para as necessárias organização e divisão de despesas e receitas, é a forma mais ordinária, adequada, lógica e correta de se proceder.
Além disso: não há óbice legal para tanto e é uma das razões para existir tal instituto de organização da propriedade comum. Não há, aqui, conduta indevida da Recorrente ou de seus condôminos, que simplesmente valeram-se de uma figura histórica no Direito Civil para organizar o recebimento da exploração dos direitos de propriedade de um bem imóvel (…).
E repita-se, a Fiscalização rotulou o Condomínio [•] de sociedade empresária, nos termos do art. 981 do Código Civil de 2002, simplesmente por proceder a tal recebimento de receitas e posterior distribuição. (…) não se está diante da hipótese do art. 981 do Código Civil de 2002, na medida que não há situação em que os condôminos reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Claramente o único bem explorado já era de propriedade comum dos condôminos (…) não havendo qualquer contrato de sociedade ou atividade econômica autônoma desenvolvida pelo Condomínio [•], que possa justificar sua sujeição passiva.
Na lógica adotada pelo Fisco, mesmo existindo uma legítima relação de copropriedade indivisível de um bem entre pessoas, o recebimento dos frutos de sua exploração pelo condomínio sempre implicará em revesti-lo de sociedade empresária e sujeito passivo de obrigações tributárias. A Lei Civil e Comercial não dão o respaldo para tal ônus (…).
Há muito, exatamente visando garantir que as relações condominiais sobre imóveis, inclusive para fins de sua exploração, não fossem tratadas como as de contrato de sociedade, o Legislador inseriu o art. 7º no Decreto-Lei nº 1.381/745, que expressamente esclarece que os condomínios na propriedade de imóveis não serão considerados sociedades de fato, ainda que deles façam parte também pessoas jurídicas.
Ao seu turno, os arts. 121 e 126, III, do CTN não são fundamento, per si, para atribuir personalidade jurídica e sujeição passiva tributária a um condomínio pro indiviso, regularmente emanado de relação de copropriedade um singular bem imóvel. (…)”
Insta ainda mencionar que, no voto do relator, foi inicialmente feita a oportuna distinção entre o condomínio civil e o edifício, institutos não raramente confundidos pela fiscalização.
Tal precedente é importante mudança de entendimento da 1ª Turma da CSRF, reconhecendo que o condomínio civil não é contribuinte, e que a tributação se dará no nível dos condôminos coempreendedores. Possivelmente, essa matéria terá outros desdobramentos, e deve ser monitorada. Esperamos que esse bem fundamentado precedente sirva de base para uma mudança definitiva do entendimento sobre a matéria.
* Renata Novotny é advogada desde 1989 e sócia fundadora de Novotny, Ney, Saldanha, Penna, Ponte, Vianna & Corrêa Advogados, com vasta experiência em direito tributário, previdenciário, societário e aduaneiro.
*A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da Abrasce.