MAI/JUN 2025 - Edição 259 Ano 38 - VER EDIÇÃO COMPLETA

Bráulio Bessa: o poeta que saiu do sertão para emocionar milhões

26 de junho de 2025 | por Solange Bassaneze / Fotos: Divulgação
Educado na escola pública e inspirado por Patativa do Assaré, ele fez da poesia uma missão de vida

A poesia toca a alma e o coração, especialmente quando é declamada pelo próprio autor. O Brasil tem muitos poetas — de diferentes tempos, sotaques e paisagens. Castro Alves levantou sua voz contra a escravidão; Cecília Meireles eternizou sentimentos com delicadeza; Carlos Drummond de Andrade revelou o cotidiano com um olhar agudo e sensível; e Patativa do Assaré deu dignidade ao sertanejo com versos simples, mas profundos.

É nesse mesmo chão que floresce Bráulio Bessa, poeta cearense que resgatou o cordel, valorizou o falar nordestino e conquistou o país com sua forma única de rimar esperança, força e identidade. Com a alma enraizada na cultura popular, ele dá continuidade à tradição dos grandes poetas brasileiros — fazendo da palavra um abrigo, uma arma e um afago.

E ele se interessou por esse universo ainda na época de escola após conhecer a obra do mestre Patativa do Assaré.

braulio bessa
“Ao ouvir seus versos, senti como se alguém tivesse colocado em palavras tudo aquilo que eu já carregava no peito, mas ainda não sabia dizer. Além de pegar gosto pela poesia, decidi que também seria poeta. Me recordo de ter escrito, ainda bem jovem, algo assim: “Queria ser Patativa pra catar em todo canto, mas sou passarinho pequeno, só canto em Alto Santo.” Nem sabia direito o que era métrica, mas já compreendia o poder da emoção”, recorda.

E esse passarinho alcançou voos altos e transformou essa paixão em profissão quando percebeu que sua poesia tocava o outro. Muitas vezes, as pessoas demoram a encontrar uma carreira, no caso de Bessa, essa descoberta aconteceu naturalmente. “Quando alguém me dizia: “Tua palavra me curou.” Entendi que ela podia ser pão, abrigo, trabalho e missão. Ela deixou de ser só refúgio e passou a ser caminho.” O livro de Patativa do Assaré o fez se sentir transformado. Segundo ele, foi realmente algo avassalador. “Senti que um dia me tornaria escritor e meu propósito passou a ser de colocar um livro meu na biblioteca da escola onde estudei.

Talvez, naquele tempo, eu ainda não tivesse a visão do poeta como profissão, mas já enxergava como missão. E penso assim até hoje.”

Nordestino, do interior do Ceará, Bessa relembra que cresceu cercado de simplicidade, de histórias contadas na calçada, de fé e resistência. Seu olhar poético nasceu lá e, segundo ele, renasce toda vez que retorna à terra natal.  “Como sempre digo: “Quem esquece de onde veio não sabe pra onde vai.” Alto Santo é meu chão, minha raiz. É minha bússola no mundo.”

E com essa verdade tão presente em sua vida, tudo o que escreve carrega um pedaço do sertão. 

“A saudade, a seca, o amor teimoso do nordestino. Minhas raízes são como aqueles gravetos que insistem em brotar na terra dura. Me lembram de onde vim e me dizem para nunca esquecer. Escrever sobre minhas raízes é sempre autobiográfico. Ao falar do meu povo, falo de mim.”

O Brasil é um país com uma riqueza cultural que se expressa de muitas formas — inclusive na poesia. No entanto, mesmo com tantos talentos espalhados por todos os cantos, ser poeta por aqui ainda é um grande desafio. Muitas vezes, falta incentivo, visibilidade e, às vezes, escuta. E Bráulio Bessa venceu muitas etapas até conseguir chegar ao grande público e ser reconhecido pelo seu trabalho. “O maior desafio é fazer a poesia ser ouvida num país tão barulhento. É furar a bolha da desatenção e da pressa. Os obstáculos foram muitos: falta de oportunidade, preconceito com o sotaque, com a origem. Mas cada pedra virou degrau”, revela. 

O Nordeste é um celeiro riquíssimo de cultura. Segundo o escritor, nunca deixou de produzir beleza, mas nem sempre teve visibilidade. “Hoje temos mais voz, mais palco — mas ainda há muitos muros a derrubar. Seguimos ocupando os espaços com arte, sem pedir licença.”

Família

Seu olhar poético ganhou uma perspectiva após a paternidade. E logo, Nalu, de 2 anos, ganhará uma irmãzinha e toda essa inspiração será elevada ao quadrado. “Ser pai abriu janelas novas na minha alma. Escrevo pensando no mundo que quero deixar pra minha filha. Ela é a minha poesia mais bonita. Aliás, elas — já que, minha esposa espera nossa segunda filha.”

E é no seio familiar que encontra o alicerce e incentivo. “ Minha esposa Camila é o querosene da minha lamparina. Minha família me motiva demais. Tudo que faço é mais por eles do que por mim.”

Reconhecimento do público

Sua participação no programa Encontro, da TV Globo, foi um divisor de águas em sua carreira.

braulio bessa
“Ele foi o palco onde minha poesia ganhou o Brasil. Aquele espaço me deu visibilidade, me deu voz — mas, principalmente, ouvidos atentos. Gratidão é a palavra. Mas é importante ressaltar: não sou fruto da televisão nem da internet. Sou um artista fruto de uma sala de aula, da escola pública, da força de um professor.”


E isso o faz maravilhoso. Mostra que a poesia é fruto da educação. 

Em tempos de telas digitais, ele tem as redes sociais como uma ferramenta de conexão com o público e como forma de difundir sua arte. “É um encontro bonito. Gente de todo canto me escreve dizendo que meus versos acalmaram crises, atravessaram lutos, despertaram sorrisos. O que mais me marca é saber que, mesmo sem me conhecer pessoalmente, essas pessoas me consideram parte da vida delas”, conta. 

O poeta escreve para que as pessoas leiam ou escutem sua poesia. Com o excesso de informação e a vida acelerada, quando as pessoas param para ouvir um poeta é como se o tempo congelasse.

E Bessa faz isso com maestria, tem essa magia de envolver o público e passar sua mensagem. Entre os momentos mais emocionantes de contato direto com o público, mesmo sendo difícil escolher um só, destaca o documentário Poesia que Transforma, da Globopla, série que retrata como sua obra impacta a vida das pessoas, em episódios temáticos: raízes, amor, igualdade, fé e recomeço. Foram pesquisadas centenas de histórias e vidas. É mais uma prova de que sua poesia ampliou horizontes no país.

De tantos outros projetos, ele destaca também seu livro Poesia que Transforma. “Essa obra rompeu barreiras e, de algum modo, provocou um grande impacto no mercado literário. O livro vendeu mais de meio milhão de cópias — e acredito que isso foi muito mais importante para a poesia do que para o poeta.” Em breve, tem mais um lançamento saindo do forno: o primeiro EP com canções autorais.

Ser empreendedor da própria arte é algo que Bessa sempre reforça. Afinal, nem sempre um artista consegue sobreviver da própria arte e deixa esse lado em segundo plano. Na vida de Bessa, também foi desafiador.

“Tive que aprender a equilibrar emoção com gestão. A poesia continuou sendo arte, mas passou a ser também estratégia. Criei equipe, organizei processos e transformei o verso em empresa — sem perder a essência poética de vista”, explica. 

Para compartilhar essa linda trajetória de escritor e compositor, o poeta também virou palestrante. “A palestra nasceu da vontade de contar minha história. Levo a poesia como fio condutor, mas o que entrego é mais: é superação, reflexão, emoção. Quero que as pessoas saiam tocadas, transformadas. São 12 anos de carreira, centenas de palestras e milhares de pessoas impactadas.”

Memórias com o setor

O garoto do interior do Ceará, que tinha shopping como sinônimo de novidade, reconhece esses espaços como palcos do cotidiano. “Lembro da primeira vez que vi uma escada rolante — parecia coisa de outro mundo. Hoje, vejo o shopping como ponto de encontro e de convivência. Um lugar onde o povo se encontra pra viver.” E sempre que está por esse ambiente, seu programa preferido é ir ao cinema, ou seja, a arte sempre chama arte. 

E é justamente por ser Bráulio Bessa, ele não poderia terminar sem tocar o coração deste leitor. Com seu jeito único de rimar verdade e emoção, ele escreve diretamente para quem trabalha nesse setor:

O meu ou o seu caminho 
Não são muito diferentes 
Tem espinho, pedra, buraco 
Pra mode atrasar a gente 
Não desanime por nada
pois até uma topada
Empurra você pra frente.
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