Ser diversa é liderança: quando a diferença é potência
Um caminho que começou pela acessibilidade
Não é errado dizer que parte significativa do mercado ainda espera que líderes sigam um molde. Perfis “mais adequados” de acordo com cada função, de preferência de determinado gênero e raça, sem deficiências ou limitações, e claro, idealmente, com carreiras lineares. Pessoas que se encaixam. Eu nunca me encaixei. E foi exatamente por isso que minha jornada ganhou um outro contorno: o da adaptação. Minha e do que estava à minha volta.
Sou do Sudeste, me formei em Relações Públicas e, como muitas mulheres, precisei fazer escolhas difíceis ao longo da minha trajetória profissional. Mas um fator sempre esteve presente, ainda que nem sempre facilmente percebido pelos outros: minha condição como pessoa com deficiência.
Eu me entendi enquanto pessoa com deficiência aos vinte anos de idade. Antes disso, eu fui orientada a me encaixar, o que naquele contexto significava “disfarçar” a deficiência, uma condição a ser escondida, superada. Viver apesar dela.
Quando o autorreconhecimento aconteceu, eu estava começando a trilhar uma carreira e foram as vagas afirmativas que me permitiram acessar o mundo corporativo. Nunca me faltou desafio e as alternativas eram limitadas. O espaço que existia para mim em um mundo institucional exigia uma escolha: ou aceitava as oportunidades delimitadas pelas vagas afirmativas ou precisaria ignorar minha condição para concorrer em outras posições. Eu entrei pela porta da acessibilidade e fui crescendo, aproveitando essas oportunidades para demonstrar meu potencial e minha capacidade. Sem deixar de ser diferente, colaborei com a revisão do padrão e consegui traçar um caminho de adaptação e não de encaixe.
Depois de todos esses anos, percebo que o conceito de inclusão é ainda sinuoso e cheio de desafios. Analisei os padrões por tempo suficiente, para que conseguisse entender que o que me torna diferente é exatamente o que me faz liderar.
Hoje eu vivo no Nordeste, trazida por oportunidades e também por inquietações. Queria mais e mais propósito. Atuo como gerente de sustentabilidade do Grupo JCPM, uma grande empresa, que acaba de completar 90 anos, líder no setor de shopping centers no Nordeste e entre as cinco maiores no país, referência também nos segmentos imobiliário, comunicação, e atuação social.
A força de um ambiente que acolhe
Quando cheguei nesta posição de liderança, carregava comigo não só minha bagagem profissional, mas também uma bagagem invisível: a de ser mulher, de estar longe da cidade natal, de ter uma deficiência, e ainda atuar numa área que exige convencer os outros de que é possível fazer diferente.
Foi nesse contexto que percebi o valor de estar numa organização que se propõe a ser inclusiva, entende suas oportunidades de melhoria e dá espaço para que as pessoas adaptem o contexto, sem forçá-las ao encaixe nos padrões. Em 2024, por exemplo, o Grupo JCPM, por meio do “Squad de Acessibilidade” — um grupo de 35 pessoas colaboradoras de diferentes áreas e unidades, liderados pela Gerência de Diversidade e Inclusão, foram responsáveis por diagnosticar e propor melhorias na acessibilidade física, comunicacional e relacional dos empreendimentos. Não fui autora dessa iniciativa, mas me senti diretamente impactada por ela.
Ver um movimento interno estruturado, técnico e sensível a tantas realidades foi como um lembrete: minha presença aqui não é concessão, é parte de um projeto maior que entende a inclusão como valor estratégico.
Diversidade: um ativo que impulsiona negócios
A diversidade ainda está longe de ser uma realidade consolidada nas lideranças brasileiras. Dados do IBGE mostram que mais de 18 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência — o equivalente a 8,9% da população. No entanto, a maioria dessas pessoas está fora dos cargos de decisão.
Quando olhamos para gênero, o cenário também é desafiador. Mulheres ocupam apenas 2,4% das posições de CEO no Brasil, segundo a Pesquisa Panorama Mulheres 2023. E quando falamos de mulheres com deficiência, essa presença se torna ainda mais rara.
Por isso, contar minha trajetória é, também, uma forma de representar tantas outras histórias que ainda não têm visibilidade. Porque ser diversa não é um obstáculo — é um diferencial competitivo. Empresas que acolhem a pluralidade têm mais chance de inovar, reter talentos e se conectar com a sociedade de forma genuína.

Liderança pela diferença
Não lidero apesar da minha diferença. Lidero por causa dela. A experiência de me adaptar a ambientes que não estavam preparados para mim me tornou mais atenta, criativa e estratégica.
Minha missão hoje é ocupar esse espaço com responsabilidade. Não como exceção, mas como uma possibilidade real de mudança e evolução. Quero que outras mulheres e outros profissionais diversos cheguem e sintam que podem promover adaptações saudáveis e valorosas, sem que tenham que se encaixar ou ter receio de existir de um jeito diferente dos padrões.
Parte fundamental da minha contribuição na função que ocupo hoje foi liderar a construção colaborativa do conceito “Sustentabilidade que Transborda”. Uma frase referência que sintetiza o movimento de renovação do Manifesto de Sustentabilidade do Grupo JCPM e faz alusão a um movimento coletivo pelo desenvolvimento sustentável. É sobre o que há em cada um transbordando e influenciando o outro: um movimento de transformações a partir da adaptação, sem perder a essência.
Quando a empresa aposta em acessibilidade, quando revisa e amplia suas políticas a partir da contribuição das pessoas que a compõem, ela ultrapassa o cumprimento das obrigações legais e atua como pioneira, inspirando o movimento em favor de novos futuros, novos contextos, fundamentais para a sustentabilidade e para o desenvolvimento coletivo.